ARTIGO

Imperialismo dos Estados Unidos leva milhões de pessoas a fugirem de suas casas em todo o mundo

A intensificação e surgimento dos conflitos violentos causam aumento significativo de indivíduos deslocados à força

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Refugiados sudaneses no Chade. Mais de 10 milhões de pessoas foram deslocadas à força em mais de um ano de guerra no Sudão - Wikicommons

No Dia Mundial do Refugiado deste ano - 20 de junho - devemos reconhecer coletivamente o fato de que mais de 117 milhões de pessoas são vítimas de deslocamento forçado. Da Palestina ao Sudão, do Iêmen à Ucrânia, da República Democrática do Congo a Mianmar, o espectro da violência lança sua sombra em todo o mundo e resulta na tragédia, morte e do deslocamento com a qual estamos muito familiarizados. De acordo com o Índice de Conflitos do Armed Conflict Location and Events Data (ACLED, sigla em inglês), o mundo está se tornando mais violento, como sintetizado pelo fato de que se estima que uma em cada seis pessoas tenha sido exposta a conflitos em 2024. Isso marca, de acordo com o ACLED, um aumento de 22% nos incidentes de violência política nos últimos cinco anos e levanta a questão: "Por que a guerra está se tornando a norma no mundo?" 

Para entender a expansão da guerra e dos conflitos violentos nos últimos anos, é necessário analisar os fatores globais em vez de se concentrar exclusivamente nas causas de cada conflito. Quando analisamos o panorama geral, descobrimos um mundo cada vez mais desigual, com um mercado de armas em expansão e estruturas de governança global fracassadas. Todos esses fatores estão ligados à crise estrutural do capitalismo e ao projeto imperialista dos Estados unidos, que reagiu ao seu declínio com o aumento da agressividade. 

Ao longo de várias décadas, as ações dos EUA contribuíram para um estado de desordem global, vinculado a uma agenda mais ampla que visa estabelecer e manter a unipolaridade. Desde a década de 1970, os EUA têm buscado cada vez mais uma política externa marcada por ações e estratégias unilaterais destinadas a promover seus interesses, muitas vezes sem levar em conta seu impacto sobre outros atores, inclusive alguns de seus aliados. 

Após o colapso da União Soviética em 1989, a classe dominante dos EUA se convenceu de que havia estabelecido uma nova ordem unipolar destinada a durar indefinidamente. Desde então, o número de conflitos violentos com a participação dos EUA aumentou e inclui: Panamá (1989), Iraque (1990), Iugoslávia (1995), Afeganistão (2001), Iraque (2003), Líbia (2011), Síria (2014), Ucrânia (2022), Palestina (2023). Em alguns desses casos, os conflitos instigados pelos EUA ultrapassaram as fronteiras, cresceram com o envolvimento de milícias imprevisíveis e resultaram em caos, violência e colapso da autoridade do Estado. Isso muitas vezes somente levou a uma escalada ainda maior da violência. Dessa forma, o esforço dos EUA para manter a unipolaridade aumentou o conflito global. 

Os EUA também desmantelaram qualquer aparência de governança global destinada a prevenir e resolver conflitos. A Liga das Nações (1919) e, posteriormente, as Nações Unidas (1945) foram criadas para promover a paz e a segurança por meio da implementação de uma estrutura de leis internacionais para governar o comportamento das nações. No entanto, os EUA sempre desrespeitaram essas estruturas multilaterais e leis internacionais, ao mesmo tempo em que protegiam seus aliados próximos das repercussões de suas transgressões. Um exemplo significativo disso, que marca um momento crucial no enfraquecimento da ordem baseada em regras, é a invasão do Iraque pelos EUA em 2003. Essa invasão, supostamente lançada como um ataque "preventivo", não tinha evidências de provocação e foi baseada em falsas alegações sobre a posse de armas de destruição em massa pelo Iraque. 

Ao iniciar uma guerra que não atendia às justificativas internacionalmente aceitas para o conflito, os EUA estabeleceram um precedente em que a capacidade de fazer guerra - juntamente com o controle sobre as narrativas da mídia para justificar ações militares - supera a obrigação de justificar a intervenção militar de acordo com a lei internacional. 

Essa ação dos EUA minou qualquer noção de paz e segurança em um sistema baseado em regras. Após a guerra no Iraque, em grande parte incontestada, os EUA passaram a travar guerras com o objetivo explícito de afirmar seu domínio e controle. A invasão da Líbia em 2011, liderada pela OTAN, é um exemplo dessas tentativas evidentes de desmantelar e intimidar aqueles que desafiam ou se opõem à hegemonia dos EUA. 

Produtores de armas e guerra 

O imperialismo dos EUA depende muito do domínio militar sem paralelo que construiu e manteve ao longo de décadas. Para isso, os gastos militares dos EUA têm aumentado constantemente. Atualmente, a gigantesca máquina militar comandada pelos EUA é financiada por US$1,537 trilhão (R$ 8 trilhões) - contando apenas os gastos do país; e US$ 2,13 trilhões (R$ 10,8 trilhões) -incluindo os gastos dos aliados dos EUA. Em porcentagens, o bloco militar liderado pelo país é responsável por 74,3% dos gastos militares em todo o mundo. De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI, sigla em inglês), as cinco maiores empresas produtoras de armas e de serviços militares do mundo, Lockheed Martin Corp, Raytheon Technologies, Northrop Grumman Corp, Boeing e General Dynamics Corp, são de origem estadunidense. 

Os EUA têm uma responsabilidade dupla no cenário das armas. Indiretamente, contribuem ao manter um vasto estoque de armamentos. Diretamente, são produtores significativos das armas que circulam globalmente. Essa produção em larga escala é fundamental para a perpetuação e o aumento dos conflitos. 

A existência de armamento disponível prontamente tem o efeito de alimentar disputas que poderiam não ter se agravado se as armas não estivessem disponíveis. Isso foi observado após a invasão do Iraque pelos EUA, onde diferenças antigas entre grupos que haviam coexistido em relativa paz por décadas se transformaram em conflitos sangrentos entre líderes tribais e grupos religiosos, devido à disponibilidade de armas e ao uso desses grupos distintos como representantes pelos EUA e seus rivais. 

Quando um conflito termina, suas armas viajam rapidamente para os países vizinhos, abrindo novas frentes de guerra. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento (UNODA, sigla em inglês), o "acúmulo excessivo e a ampla disponibilidade [de armas de pequeno porte] podem agravar a tensão política, muitas vezes levando a uma violência mais letal e duradoura". 

Desde que o projeto estadunidense de hegemonia global foi inaugurado em 1945, os EUA realizaram intervenções militares em mais de uma dúzia de países. Somente o Afeganistão foi alvo de 81.638 bombas ou mísseis dos EUA e de seus aliados entre 2001 e 2021. Outros países, como Vietnã, Somália, Laos, Kuwait, Granada, Iêmen e dezenas de outros, também sofreram destruição e devastação em massa devido a intervenções militares lideradas pelo país. 

De acordo com o relatório de tendências globais da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), tem havido um aumento constante no número de pessoas deslocadas à força todos os anos. Em 2023, pelo menos 27,2 milhões de pessoas foram forçadas a fugir, totalizando 117,3 milhões que permanecem deslocadas, o que representa um aumento de 8% em relação ao ano anterior. O ACNUR informa que o número de fatalidades relacionadas a conflitos está relacionado ao número de pessoas deslocadas a cada ano. Os três países com o maior número de deslocamentos forçados estão atualmente envolvidos em conflitos armados: Sudão, Palestina e Mianmar. 

Estratégia de Guerra: O Cerco Econômico

Mas as bombas não são o único meio de que os EUA dispõem para avançar sua agenda; eles também aproveitaram seu poder sobre o sistema econômico global para coagir nações indisciplinadas a seguir a linha de Washington. 

Medidas coercitivas e unilaterais, ou sanções, são amplamente utilizadas pelos EUA para empobrecer, matar de fome e enfraquecer seus inimigos. Atualmente, o país impôs unilateralmente essas medidas a aproximadamente 39 nações e territórios. As sanções são guerra com outro nome, pois seus resultados levaram à perda de vidas civis em uma escala comparável à da guerra. 

Por meio de intervenções militares e sanções econômicas, os EUA demonstraram sua disposição de coagir qualquer nação que se desvie de seus interesses. Isso promoveu um ambiente global em que as nações disputam poder e influência. A propensão do país de invadir e punir adversários estimulou outras nações a reforçarem suas capacidades militares e geopolíticas para resguardar sua soberania em um mundo marcado pela violência e pelo conflito, saturado de armamentos e sem mecanismos eficazes para garantir a paz. 

O resultado do projeto hegemônico dos EUA tem sido um mundo de guerras constantes e intermináveis, quer elas envolvam diretamente o país ou não. As lutas pelo controle de terras e recursos por facções divergentes rapidamente se transformam em conflitos armados devido às armas prontamente disponíveis e ao financiamento voluntário de potências regionais que buscam aumentar sua força geopolítica. Isso é principalmente o que está acontecendo no Sudão hoje, onde o conflito resultou em mais de dez milhões de pessoas deslocadas. O conflito entre as Forças Armadas do Sudão e as Forças de Suporte Rápidas serve para frustrar o processo democrático pelo qual o povo vem lutando desde 2018, enquanto grupos militares rivais lutam para controlar o país e seus recursos. 

Além disso, a proliferação de conflitos contribui para a normalização do próprio conflito violento. Como estamos expostos a um número cada vez maior de vítimas civis, campos de refugiados e devastação generalizada de cidades, nossa resposta à guerra se torna passiva e mínima. 

Em vez disso, nossa resposta deve ser expressa em ações políticas que abordem as causas fundamentais do estado de guerra permanente em que vivemos. Somente combatendo o imperialismo dos EUA, seu desrespeito às instituições internacionais e sua enorme máquina militar poderemos acabar com o estado de violência e conflito generalizado que assombra a humanidade - e abordar a raiz da crise de refugiados que é sentida em todo o mundo. 

*Stephanie Weatherbee Brito faz parte da Assembleia Internacional dos Povos (IPA, em inglês).