Coluna

Proteção da biodiversidade só pode ser assegurada com efetivação do direito territorial de povos tradicionais

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Povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultoras e agricultores familiares participam pela primeira vez da atualização Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB) - Divulgação
Os povos tradicionais, na interação com a natureza, garantem a preservação da sociobiodiversidade

O Brasil segue num contexto de grandes ameaças à biodiversidade. Os altos índices de desmatamento, especialmente no Cerrado, e alta degradação ambiental de biomas fornecedoras de água doce são alarmantes. O país ainda se depara com recorde de consumo de agrotóxicos. Há liberação de novas sementes transgênicas (como o trigo). Não é por acaso que vivenciamos recentemente umas das maiores tragédias ambientais com as enchentes no estado do Rio Grande do Sul, atingindo cerca de 1 milhão e meio de pessoas.

Ainda que o atual governo brasileiro tenha avançado na proteção ambiental, na atenção para a política de enfrentamento à crise climática e a participação da sociedade civil tenha sido retomada, o avanço de empreendimentos sob territórios tradicionais, do garimpo, da mineração e da grilagem de terras - ainda facilitados por legislações e governos - põem em alto risco a biodiversidade brasileira. A ascensão de governos autoritários em países-chave à biodiversidade mundial também é um dos fatores que acirram o enfraquecimento dos espaços multilaterais.

Enfrentar os problemas estruturais que resultam na exploração da terra e dos territórios, e da consequente perda da biodiversidade, é compromisso do Estado brasileiro. E a proteção e conservação da sociobiodiversidade só ocorre, de fato, se a definição de estratégias e plano de ação envolverem quem melhor conhece e protege a biodiversidade.

Pela primeira vez na história do Brasil, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultoras e agricultores familiares participam da atualização da Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB), uma ferramenta de gestão das ações nacionais que visam conservar a biodiversidade, assim como promover a justa e equitativa repartição dos benefícios do uso da biodiversidade.

Para isso, entre os dias 10 e 13 de junho, cerca de 120 representantes de sete biomas diferentes participaram, em Brasília (DF), da Oficina com as Guardiãs e os Guardiões da Biodiversidade. Distribuídos em seis eixos temáticos, eles debateram e atualizaram as principais estratégias de proteção da sociobiodiversidade.

A atualização da EPANB é coordenada pelo Departamento da Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade (DCBio) da Secretaria da Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais (SBio) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em articulação com diversos parceiros. O Brasil está atuando a partir de uma perspectiva participativa, envolvendo vários setores, tais como governo federal e estadual, sociedade civil, meio empresarial e academia. Dentre esses segmentos, estão os Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultoras(es) familiares, reconhecidos como Guardiãs e Guardiões da Biodiversidade.

Instituído na 15ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP 15), em Montreal, o Marco Kunming-Montreal da Diversidade Biológica definiu 23 metas para período de 2023 a 2030 com objetivo de deter e reverter a perda de biodiversidade no mundo e colocar a natureza em um caminho de recuperação. A partir deste marco, o Brasil precisa elaborar ações a serem desenvolvidas no país.

Em outubro, na 16ª Conferência das Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, espera-se que o Brasil demonstre o alinhamento das suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade com o Plano de Biodiversidade. Para tanto, esta atualização requer a internalização das metas globais no âmbito nacional e, dentre outras etapas, o diálogo e a consulta aos diversos setores da sociedade a fim de definir novas metas de biodiversidade no país.

Também se espera que o governo assegure a participação de povos tradicionais brasileiros na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP), a ser realizada em Cali, entre 21 de outubro e 1º de novembro.

São esses sujeitos os protagonistas da proteção da biodiversidade aliada aos conhecimentos ancestrais com seus modos de ser, viver e produzir sustentáveis com base na agroecologia, essenciais para a conservação da biodiversidade e esfriamento do planeta.

Sem território assegurado não há biodiversidade protegida

Os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultoras e agricultores familiares destacam que, dentre as principais demandas que devem estar presentes nas ações nacionais de cumprimento do plano, a garantia do direito ao território é a principal. Sem proteção territorial nenhuma das metas de preservação da biodiversidade podem ser alcançadas.

São os povos tradicionais, agricultores familiares - detentores de direitos - que, na interação com a natureza, garantem a preservação e conservação da sociobiodiversidade. Além disso, é essencial que o direito à consulta prévia, livre e informada seja respeitado diante de todos os empreendimentos que afetam os modos de vida tradicionais.

Mas não só. É essencial haja o reconhecimento dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e seja assegurada a repartição justa e equitativa de benefícios, assim como sejam previstas políticas públicas de incentivo à crédito, assistência técnica rural, produção e comercialização de alimentos de base agroecológica.


Texto de Cristiane Gomes Julião Pankararu* e Jaqueline Pereira de Andrade**

*É coordenadora da Câmara Setorial das Guardiãs e Guardiões da Biodiversidade do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) e integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

**É assessora jurídica popular da Terra de Direitos

 ** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Martina Medina