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Reações ao PL do estupro mostram que as ruas ainda podem pautar o Congresso

Estratégia da bancada evangélica para pautar texto em regime de urgência foi alvo de protestos e repúdio

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PL do aborto levou população às ruas, o que mudou os rumos do texto no Congresso Nacional - Nelson Almeida / AFP
Lira achou que seria simples rifar um direito que diz respeito a dores tão profundas das mulheres

As reações populares contrárias ao projeto 1904/2024, que ficou conhecido como PL do Estupro, passaram um recado importante das ruas, não só para a bancada evangélica – autora do texto – mas também para a base aliada e para o próprio governo. 

Um dia após a aprovação da tramitação do texto em regime de urgência, manifestações tomaram as ruas de diversas cidades brasileiras. Nas redes sociais, o repúdio também foi veemente. 

O PL prevê a mesma pena aplicada ao crime de homicídio para interrupções de gestações com mais de 22 semanas. A punição varia de 6 a 20 anos de prisão e valeria, inclusive, para os casos previstos em lei, como gravidez decorrente de estupro, fetos com anencefalia e situações em que a vida da mãe está sob risco. 

Em participação no podcast Três por Quatro, a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) afirmou que nem mesmo o campo progressista esperava uma reação tão consistente e efetiva da população. 

"Os que propuseram o projeto e o Arthur Lira (PP) – que fez aquela manobra para aprovar em menos de 30 segundos o regime de urgência e não nos deixou nem orientar contrariamente ao projeto – não esperavam que houvesse essa reação da sociedade. Muitos de nós também achavam que eles iam levar essa", afirmou a deputada

A parlamentar foi a convidada do mais recente episódio do podcast, produzido pelo Brasil de Fato. Nesta semana, o programa discute a influência e as estratégias da bancada evangélica no Congresso Nacional. 

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Apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho, o episódio conta com comentários de João Pedro Stedile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Segundo ele, mesmo a direita se deu conta de que as ruas podem pautar o Congresso Nacional 

"Eu espero que o governo tenha juízo e entenda esse recado (das ruas). Ele precisa sair dessa encalacrada de que qualquer possibilidade de mudança depende do Congresso. Não é verdade. Então, o governo tem que ajudar para que haja um clima de participação e mobilização popular. Inclusive, para mudar a agenda econômica", ressaltou Stedile.

Nos últimos anos, a bancada evangélica se consolidou como um dos grupos mais influentes no parlamento. Ela atua para pautar uma agenda baseada em valores conservadores. Desde a semana passada, essa estratégia se traduziu no PL do Estupro. 

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O texto teve a urgência aprovada no plenário da Câmara dos Deputados no dia 12 de junho em uma votação a jato liderada por Arthur Lira. Ele pautou a matéria sem aviso prévio, em votação simbólica e sem o registro do voto de cada parlamentar no painel eletrônico. O processo levou menos de um minuto. 

"Eu gostaria de colocar o próprio Arthur Lira como um elemento importante, porque ele sempre se vende como somente um administrador dos interesses, alguém que tem um papel muito democrático de levar adiante um tema. Na verdade, ele estava negociando esse PL como parte das disputas para a sucessão para a mesa diretora", alerta Sâmia Bomfim. 

Segundo ela, não é coincidência que parlamentares bolsonaristas venham conseguindo pautar tantos projetos na Câmara nesta legislatura. "Ele quer esses votos para garantir o nome dele na mesa. Ele achou que poderia ser simples rifar um direito que diz respeito a dores tão profundas das mulheres e das crianças, como é o tema da violência sexual."

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A deputada pontuou que 70% das vítimas de estupro no Brasil são menores de idade. Mais de 60% têm menos de 14 anos. Um terço dos casos de abortos legais realizados no país é de gestações acima de 3 semanas. 

Perguntado se os sucessivos ataques aos direitos humanos podem ser usados pelos conservadores para garantir apoio eleitoral no pleito deste ano, João Pedro Stédile ponderou que a pauta terá peso, mas o dinheiro vai ditar o andamento das campanhas. 

"Eu acho que (as pautas conservadoras) não são determinantes. Eles vão fazer a campanha para vereador e prefeito utilizando, sobretudo, os esquemas de dinheiro. As emendas parlamentares são uma fábrica de corrupção. O que nós estamos vendo no interior é isso, uma máquina de dinheiro comprando cabos eleitorais e lideranças. Mais que os temas, acho que as próximas eleições serão marcadas pela grana da máquina", disse a liderança do MST.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo. 

Edição: Thalita Pires