EDUCAÇÃO

Reforma do Ensino Médio: os avanços e retrocessos do projeto aprovado no Senado

Entenda as principais mudanças e como professores e estudantes podem ser impactados

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Desde 2016, mobilizações de estudantes pedem a revogação do Novo Ensino Médio, instituído no governo Temer - Fernando Frazão/Agência Brasil

Em votação simbólica, o plenário do Senado Federal aprovou, na quarta-feira (19), o Projeto de Lei 5.230/2023, que modifica diversas normas legais e promove uma reforma no chamado Novo Ensino Médio, modelo instituído entre 2016 e 2017, durante a gestão de Michel Temer na Presidência.  

O texto do substitutivo foi elaborado pela senadora Dorinha Seabra (União-TO) e traz mudanças em relação ao que havia sido aprovado na Câmara, por isso, deve retornar à análise e aprovação dos deputados.  

O relatório aprovado amplia a carga horária mínima destinada à Formação Geral Básica, que passa das atuais 1.800 para 2.400 horas, e altera as regras para os chamados “Itinerários Formativos”, que são as disciplinas, projetos, oficinas e núcleos de estudo de caráter optativo.  

Sobre esse aspecto, o PL define as quatro áreas de conhecimento, previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em que deverão ser desenvolvidas: linguagens e suas tecnologias, integrada pela língua portuguesa e suas literaturas, língua inglesa, artes e educação física; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias, integrada pela biologia, física e química; e ciências humanas e sociais aplicadas, integrada pela filosofia, geografia, história e sociologia.  

O texto ainda amplia a carga horária mínima anual do ensino médio de 800 para 1.000 horas, distribuídas em 200 dias letivos. Essa carga horária mínima pode ser ampliada, de forma progressiva, para 1.400 horas, de acordo com os prazos e metas estabelecidos no Plano Nacional de Educação (PNE).  

A relatora estipulou que, caso a carga horária venha a ser ampliada, deve ser respeitada a proporção de 70% para Formação Geral Básica e 30% para os Itinerários Formativos.  

Para Hugo Reis, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a proposta de alterações no Novo Ensino Médio surgiu a partir das fortes mobilizações. Ele conta com os movimentos foram chamados a participar dos diálogos pela nova proposta, junto ao Ministério da Educação, o Fórum Nacional de Educação e secretários estaduais da pasta, mas denuncia que o projeto acabou sendo “desvirtuado” pelo Legislativo. 

“A gente participou da constituição desse projeto na sua forma inicial. Porque quando foi para a Câmara, o projeto caiu nas mãos de um relator que era o ‘pai da reforma do ensino médio’ e que desvirtuou e desconfigurou tudo que a gente tinha construído”, disse, em referência o deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), que era o ministro da Educação de Temer à época da aprovação da reforma.  

Reis afirma que, embora perdurem retrocessos praticados pela proposta de 2016, como a manutenção da contratação de professores “com notório saber”, sem formação pedagógica, foi possível alcançar algumas das reivindicações do movimento estudantil.  

“A gente conseguiu garantir a manutenção das 2.400 horas para a Formação Geral Básica”, comemorou. “Uma conquista muito importante foi a inclusão do espanhol como uma disciplina obrigatória, algo que a gente vinha discutindo desde o começo e que o relator lá na Câmara retirou do projeto”, completou. 

Na avaliação de Marcele Frossard, assessora de Programa e Políticas Socias na Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as mudanças contidas no relatório aprovado pelo Senado são pontuais e “não chegam a provocar uma grande transformação em relação aos projetos apresentados anteriormente”.  

Segundo ela, ainda existem pontos problemáticos no projeto.  

“De maneira geral, os retrocessos e pontos negativos são esse conceito dúbio de Formação Geral Básica, a possibilidade de parceria com o setor privado para manutenção de oferta de EAD [Ensino a distância] e o notório saber. E apesar da inclusão da língua espanhola na área de linguagem e suas tecnologias, não foi assegurada obrigatoriedade da carga mínima para nenhum dos componentes curriculares”, criticou. 

Especialistas criticam relatório aprovado 

Em nota técnica divulgada na véspera da votação do relatório no Senado Federal, o Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade afirma que as alterações “pontuais” no Novo Ensino Médio “reiteram problemas já amplamente detectados nas pesquisas que abordaram a legislação” e “criam um novo problema, ao dar uma definição para o conceito de Formação Geral Básica Técnica e Tecnológica (EBTT)”. 

O coletivo é formado por professores e professoras da educação básica, superior, técnica e tecnológica, pesquisadores e representações da categoria docente na rede de Educação Básica Técnica e Tecnológica (EBTT).  

“O conceito dúbio de Formação Geral Básica presente no Art. 35-C, definindo que a FGB de 2.400 horas deve ocorrer ‘mediante articulação da Base Nacional Comum Curricular e da parte diversificada’. Esta formulação implica que, em tese, poderão compor a FGB componentes curriculares não necessariamente relacionados às áreas do conhecimento, com a possível consequência prática de incorporar à FGB ‘disciplinas exóticas’ semelhantes à dos itinerários formativos do atual ‘Novo Ensino Médio’”, diz o documento. 

O grupo também criticou a redução do mínimo de horas dirigida à formação técnica e profissional, a “manutenção da oferta na modalidade EaD e do notório saber para a docência”, além da ausência de obrigatoriedade de carga horária mínima para os componentes curriculares, mencionados pela professora Marcele Frossard. 

Projeto retorna à Câmara 

Com o retorno do projeto à Câmara dos Deputados, as fontes ouvidas convergem na expectativa de que o projeto possa ser aprimorado, antes de tornar-se lei.  

“Precisa especificar que as 2.400 horas correspondem exclusivamente à Base Nacional Comum Curricular. A gente também acredita que é preciso explicitar que os componentes curriculares que compõem a Formação Geral Básica são arte, biologia, educação física, filosofia, geografia, história, língua portuguesa, língua inglesa, língua espanhola, matemática, química, sociologia e física”, afirmou Frossard.   

“Para nós, é um passo a mais dado rumo à reestruturação do ensino médio, óbvio que a gente ainda não chegou lá, então a gente vai ter que se articular muito ainda na Câmara dos Deputados para garantir a manutenção de todas essas conquistas. Nossa luta continua”, declarou Reis.  

Edição: Nathallia Fonseca