Em 8 de junho, um sábado, o Acampamento Canudos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi atacado por quatro homens encapuzados e armados no município de Riacho de Santo Antônio, na Paraíba. Os criminosos invadiram a comunidade onde vivem 56 famílias, incendiando barracos e deixando os moradores em desespero.
O ataque ocorreu uma semana após o cadastramento das famílias pelo Incra, dando início ao processo de assentamento após quase 9 anos da ocupação da área, em 28 de dezembro de 2015.
A mobilização dos acampados para apagar o fogo usando baldes e a agua da cisterna que abastece o local foi o que evitou uma tragédia ainda mais devastadora. Das sete casas incendiadas, três foram completamente destruídas.
Duas semanas após o crime, acompanhada pela reportagem do Brasil de Fato, as famílias começaram a reconstruir os barracos de forma coletiva. "Reconstruir a casa e seguir em frente, né? Quem pensou que ia me destruir fez foi o bem pra mim", afirma Gerlane Alves de Moura, acampada que perdeu tudo com o fogo.
Devem ser erguidas moradias para as famílias que não viviam na rua central do acampamento. O objetivo é que permaneçam agora todas as famílias próximas, para que se sintam ainda mais protegidas como coletivo.
"Buscamos força da terra mesmo. Buscamos essa forca do MST, ficar e resistir. Quantas vezes for necessário a gente constrói. Uma, duas, dez vezes. A gente não desiste não", afirma Nagibe Jânio Pereira Silva, que vive no local está desde o dia da ocupação.
Fazenda improdutiva
A Fazenda Canudos, de propriedade de Demosthenes Bezerra Barbosa, tem cerca de três mil hectares e, segundo o MST, estava "improdutiva" e "abandonada" antes da ocupação.
A reportagem do Brasil de Fato percorreu a sede da propriedade junto aos agricultores e constatou o estado de abandono do local.
"O movimento é muito potente. E aí agora que a gente tem que se fortalecer mais ainda pra poder regularizar essa terra e ser fim de reforma agrária e dar um sentido produtivo pra essa área aqui, porque um não é uma área pequena, treze mil hectares é muita terra e tem muita gente precisando de terra pra trabalhar", coloca Cíntia Milena Santos, da direção estadual do MST na Paraíba.
O ataque às famílias está sendo investigado pela Polícia Civil de Queimadas e acompanhado pela Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e a Defensoria Pública. A principal suspeita recai sobre um funcionário da fazenda de nome Erivandro Alves, que há pelo menos dois anos se estabeleceu na área e passou a fazer "duras ameaças" contra os trabalhadores rurais.
No Boletim de Ocorrência (BO) a que o Brasil de Fato teve acesso, o depoimento cita esse funcionário, que é também vaqueiro na propriedade, e estaria, segundo o movimento, arrendando terras para fazendeiros da região colocarem seu gado dentro da área ocupada pelos sem-terra.
As famílias mais afetadas pelo ataque, como a de Ivoneide Ferreira da Silva, estão ainda abrigadas em uma escola do município. "O que mais me dói é perder a foto do meu filho, que morreu com 17 anos. Eu só tinha ela", completa Dona Neide.
"Tudo que a gente tinha aqui veio do nosso trabalho aqui. Aquela geladeira eu tinha acabado de pagar a ultima prestação", mostra a agricultora.
O Superintendente do Ministério do Desenvolvimento Agrário na Paraíba, Cícero Legal, visitou a comunidade no mesmo dia da reportagem do Brasil de Fato e prometeu acelerar a resolução do conflito e o assentamento das famílias.
"A gente vai sentar em Brasília para ver o que podemos fazer por vocês. Porque essa situação não pode continuar. O cara chegar aqui, queimar casas, prender as pessoas. Nós já estamos no século 21", disse em sua fala para os moradores.
Solidariedade e colheita
Enquanto a investigação corre, os assentados se concentram na reconstrução de Canudos. A campanha de solidariedade lançada pelo MST dias após o crime tem dado resultado.
Diariamente chegam alimentos não perecíveis, itens de higiene pessoal, produtos de limpeza, colchões e roupas. O movimento chama atenção para a necessidade mais urgente de utensílios domésticos e eletrodomésticos. "Agradecer a todo mundo que está ajudando a gente", reforça Gerlane.
Paulo Romário, também da direção estadual, explica que a solidariedade não vem apenas de outros assentamentos e acampamento do MST na região, mas também da sociedade civil.
"Não tenho duvida que isso é fundamental para que o MST exista nesses 40 anos. A solidariedade com os sem-terra e também entre os sem-terra", destaca.
As famílias também já retomaram o cultivo do milho, da palma, feijão, e jerimum. E principalmente, a criação de gado e caprinos. Após o susto, os animais já estão livres e correndo soltos e sadios pela comunidade.
"Vamos ficar até o fim. Até dizer 'a terra é de vocês'. Porque a gente tira o nosso sustento daqui, dessa terra", finaliza o agricultor Nagibe Jânio Pereira Silva.
Outro lado
O Brasil de Fato tentou entrou em contato com Demosthenes Bezerra Barbosa e Erivandro Alves, mas não obteve retorno. Caso queiram se manifestar, o espaço segue aberto.
Edição: Thalita Pires