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Inspirado na ciganagem, Espedito Seleiro revolucionou peças de couro levando novas cores ao Sertão

Reconhecido como mestre da cultura pelo governo federal, artista já teve peças usadas por Anitta, João Gomes e Lula

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Espedito Seleiro, de 84 anos, segue trabalhando em sua oficina em Nova Olinda (CE) - Divulgação/espeditoseleirooficial

Espedito Veloso de Carvalho carrega no nome seu ofício. Espedito Seleiro, como é conhecido, revela logo de cara a profissão de trabalhar com couro. Por mais que não seja registrado assim no cartório, é uma herança que veio do seu pai, do seu avô e até do bisavô. 

Todos trabalhavam na confecção de selas de couro, daí o sobrenome Seleiro, fazendo de Nova Olinda, no Cariri cearense, uma expoente dessa arte. 

De geração em geração, a destreza de manejar um material tão rígido foi se aperfeiçoando. As selas ficaram melhor acabadas e, inclusive, ganharam cores, algo que não se tinha registro até as primeiras peças do Mestre Espedito Seleiro serem confeccionadas. 

Mestre da cultura, reconhecido oficialmente pelo governo do Ceará e pelo Ministério da Cultura, o artista vê, hoje, seu trabalho requisitado por exposições de moda internacionais e celebridades como a cantora Anitta -- que usou um figurino inteiro do Mestre Espedito no carnaval de 2023 -- e João Gomes, que foi à premiação do Grammy também com a grife do artesão cearense. Há peças de Mestre Espedito também no armário de roupas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O artista comenta sem alarde tamanho reconhecimento. Para ele “todo mundo é igual no coração, mas a gente fica honrado fica agradecendo porque depois as pessoas nos procuram”. 

A única história que mexe com ele aconteceu, na verdade, com seu pai. Foi um encontro com Lampião. 

“Quem conta isso era o meu pai, porque eu não vi. Meu pai conta que um dia estava fazendo uma sela, era noite, aí apareceu um cara desconhecido, todo cheio de arma, chapéu grande, todo cheio de estrela e meu pai não sabia de onde ele vinha”, narra Seleiro. 

“Então, meu pai ficou com medo porque nunca tinha visto aquelas coisas armadas assim lá na casa dele”, lembra o artista sobre o pedido inusitado que aquele desconhecido fez ao seu pai: a confecção de uma sandália diferente, com o bico quadrado. 

“Meu pai fez, o cara achou que estava perfeita e logo perguntou pro meu pai se ele sabia para quem tinha feito aquelas alpargatas. Meu pai disse: 'foi para você, você mandou fazer'. Aí ele disse: 'É, mais ou menos assim. Você fez para o Capitão Virgulino, mas não pode falar nada, tem que ficar na sua, estou dizendo só aqui para você. E vai dizendo logo quanto é que eu quero pagar'. 

Meu pai disse: "Não, nada, não”. Se colocou com medo, porque o bicho era assombrador”. 

Confira a entrevista na íntegra  

Como tudo começou?

No começo foi muito complicado, para poder chegar onde eu estou hoje, passei um pouquinho de aperreio, sofri pra caramba. Porque o povo não queria acreditar nas coisas. A gente trabalhava, fazia algumas peças, mas acabava por aqui na região mesmo. 

Tem algum marco, um ano, um acontecimento que o senhor se lembra assim que foi um divisor de águas?

Tem, sim. Foi de 1985 pra cá. Em 1985 foi criado o museu Casa Grande aqui, que tem um teatro. Aí começou a aparecer bastante gente, os artistas vinham para se apresentar, e acontecia deles virem aqui pra comprar uma peça para se apresentar. 

Então as pessoas que vinham levam alguma peça. Começavam a achar o trabalho interessante, achar bonito, achar bem feito. 

O senhor lembra qual foi o primeiro artista, a primeira pessoa famosa que comprou uma peça?

Lembro, mas não posso falar. 

É segredo?

É segredo... e para mim todas as pessoas que me compravam e compram são famosas. Eu não tenho essa separação de uma pessoa para outra. Para mim, todas são iguais, se comprou minha peça, me ajudou, tá tudo certo. 

Seu trabalho foi herdado do seu pai, certo?

É, comigo já é a quinta geração, só que eu mudei, sabe? Eu aprendi a fazer o trabalho com couro com minha família, mas o trabalho era um trabalho bem rustico, com aquele materialzão grosseirão, que era pra andar na caatinga, pisar na lama, lutar com os animais, era pra vaqueiro, pra cigano, pra tropeiro, da caatinga mesmo.  

Mas foi se acabando esse pessoal. Hoje é difícil você ver um cigano, é difícil você ver um vaqueiro aqui na nossa região. É difícil ver uma pessoa vestindo uma roupa de couro para ir para o mato, atrás de gado, essa coisa toda.  

E aí foi o lugar onde eu tive que me virar nos 40, não foi nem nos 30, para poder ver alguma coisa. Foi quando eu comecei a fazer as [peças] coloridas. 

Com o maior sacrifício da vida, eu mesmo fazia as tintas, eu mesmo curtia o coro, montei um curtume manual. Eu curtia, tratava, pintava e fazia as peças. 

Quando eu comecei a fazer ninguém nunca tinha feito, era umas peças diferente, e aí foi onde o pessoal  começou a curtir e a a gente tá aqui trabalhando. 

Conta-se que seu pai fez uma sandália para o Lampião. É lenda essa história?

Não, lenda não, não gosto de lenda, eu conto a verdade ou não conto nada pra ninguém, eu não gosto de lenda. Lenda pra mim é a mesma mentira, eu não gosto de mentir. 

Quem conta isso era o meu pai, porque eu não vi. Meu pai conta que um dia estava fazendo uma sela, era noite, aí apareceu um cara desconhecido, todo cheio de arma, chapéu grande, todo cheio de estrela e meu pai não sabia de onde ele vinha, mas aí o cara perguntou o nome do meu pai, meu pai disse, "Raimundo Pinto de Carvalho, mas mais conhecido por Raminho Seleiro. 

Aí ele disse, "Por que Raminho Seleiro?" Meu pai respondeu, “porque eu faço sela e a família nossa virou seleira.” Isso aconteceu com meu avô e bisavô também. 

Então, meu pai ficou com medo porque nunca tinha visto aquelas coisas armadas assim lá na casa dele. Mas aguentou firme e ouviu o homem: "Se eu te trouxer um modelo para você fazer uma alpargata, você faz?” Aí meu  pai disse: “faço, se eu souber fazer eu faço” 

Ele disse, então: "Me aguarda aqui uma hora que vou trazer o modelo e você vai ver se você faz." Aí ele chegou, tirou de dentro do bornal um desenho em um papel.  

Meu pai achou estranho porque o solado da bicha era meio quadrado. 

Aí ele perguntou, “mas por que é diferente o solado?” Ele disse: “Faça do jeito que está no desenho que está bom.” Aí meu pai fez, o cara achou que estava perfeita e logo perguntou pro meu pai se ele sabia para quem tinha feito aquelas alpargatas. 

Meu pai disse: “foi para você, você mandou fazer”. Aí ele disse: “É, mais ou menos assim. Você fez para o Capitão Virgulino, mas não pode falar nada, tem que ficar na sua, estou dizendo só aqui para você. E vai dizendo logo quanto é que eu quero pagar”. 

Meu pai disse: "Não, nada, não”. Se colocou com medo, porque o bicho era assombrador. 

Depois meu pai fez mais algumas peças pro cangaço, mas eu não sei bem, não sei bem o que é que foi. 

E depois passou 30 dias e o mesmo cara levou de presente um punhal [de dinheiro] e deu a meu pai pagando a sandália. “Um presente que eu vou lhe dar porque você não cobrou nada da sandália e tal”  

Essa é a famosa sandália com a ponta quadradinha, que o Lampião usava para enganar os volantes?

É, era para não saber se está indo ou voltando, né? O cabra era inteligente, viu? Isso aí ele mesmo desenhou o modelo, que ele era metido a artesão também.  

Tem uma influência da cultura cigana nas suas obras, não tem?

Tem, porque quando eu comecei a trabalhar, a fazer as peças coloridas, eu me inspirava muito nas ciganagens sabe? Porque tem gente que às vezes diz "mas essa espécie sua é muito enfeitada, desenhada, muito colorida". 

Eu digo "não, ela é ciganada”. Porque eu gostava muito de olhar para a roupa das ciganas e ai chegava em casa e ia tentar fazer. Eu me inspiro muito no vaqueiro, no cigano e na paisagem. É isso que eu gosto.  

E tem muito segredo?

Tem segredo, é muito segredo. Como eu hoje faço muita roupa para desfile de moda, para novela, para filme... Esses desfile de moda é um bicho complicado, porque você não pode mostrar aquilo que já existe no mercado. 

É muito complicado porque o couro é muito trabalhoso, mas eu acho bom, eu acho bom esse desafio.  

João Gomes e Anitta já usaram também peças suas, né? Todo mundo é igual ou é diferente quando os famosos usam?

Todo mundo é igual no coração, mas a gente fica honrado, fica agradecido porque depois as pessoas nos procuram. 

Luiz Gonzaga usava também, né?

Eu fazia sandálias pra ele, fiz gibão, fiz bolsa... Inclusive nunca parei de fazer o modelo que eu fiz pra ele, que ele pediu. Ainda sai muito. 

O que eu gosto da música do Luiz Gonzaga é que ele canta do chão até o céu, canta os passarinhos, canta os animais completos, sabe?  

Como que foi aí essa sensação do presidente Lula estar usando um gibão seu?

É, foi muito legal, mas eu já sou acostumado. Não é a primeira vez não, sabe? O Lula mesmo já tinha usado chapéu nosso no pleito quando foi presidente.


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Edição: Nathallia Fonseca