Tem que tornar produtos nocivos à saúde mais caros e facilitar o acesso a produtos saudáveis
Em 2011, passou a vigorar uma lei no Brasil que, em um primeiro momento, gerou muitas críticas por parte da população e dúvidas de que ela funcionaria na prática. Foi a Lei Antifumo, que proibiu, entre outras coisas, o consumo de cigarro em ambientes fechados, algo, até então, comum.
A legislação também criou regras mais rígidas para a publicidade destes produtos além de instituir um aumento sucessivo de preço mínimo ao longo dos anos. A medida vigorou até 2016, quando ficou estabelecido em R$5 o valor mínimo do maço do cigarro. Desde então, assim permanece.
"O fato da gente não ter tido nenhum reajuste acabou fazendo com que a curva descendente [do número de fumantes] estagnasse", lembra Mônica Andreis, diretora-presidenta da ACT Promoção em Saúde, em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (26). "Hoje a gente está com uma prevalência no Brasil em torno de 9,3% [de fumantes na população brasileira], o equivalente ao que nós tínhamos em 2018, ou seja, a gente deixou de cair."
Além do consumo, a especialista lembra como o país deixou de arrecadar neste período. Uma nota técnica produzida pela própria ACT revela que, caso tivesse sido reajustado exatamente como foi naquele período, teríamos hoje um valor mínimo de R$12,76 por maço.
Segundo Andreis, por não reajustar o preço mínimo de cigarros e alíquota específica, ambos pelo Índice de preços ao consumidor (IPCA), desde 2016, “o Brasil deixou de arrecadar, apenas em 2023, mais de R$ 4,4 bilhões. O acumulado sem reajuste de 2017 a 2023 é estimado em R$10,9 bilhões”.
A política de preços e impostos é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das medidas mais efetivas para prevenir o tabagismo e diminuir o número de fumantes.
Atualmente, de acordo com estudo do Instituto de Efectividad Clínica y Sanitária e o Instituto Nacional do Câncer, o Brasil gasta R$153 bilhões ao ano com os custos diretos e indiretos gerados pelo tabagismo no sistema de saúde, e a arrecadação do setor não cobre nem 10% disso.
Confira a entrevista na íntegra a seguir.
Qual foi a política antitabagista que vigorou por cinco anos no Brasil?
Foi um período bem importante para o Brasil, porque, em 2011, a gente teve a aprovação de uma lei que trouxe inovações para o controle do tabaco.
Foi quando tivemos a Lei Antifumo Nacional, que veio após uma lei Atifumo em São Paulo, muito bem sucedida, e de leis semelhantes aprovadas em oito estados em seguida.
A lei nacional proibiu o fumo em ambientes fechados, que até hoje vigora com uma aceitação das pessoas.
Tivemos também esse avanço no que se refere à publicidade, restringindo ainda mais a possibilidade de propaganda de produtos de tabaco, o que também mostrou ser uma medida bem importante para auxiliar as pessoas a deixarem de fumar e até não se sentirem tão atraídas para o consumo.
Ainda ficou uma brecha na questão da publicidade, que é a questão da exibição dos maços nos pontos de venda, e a indústria acaba explorando bastante isso. Além do desafio das redes sociais da internet que acabou trazendo aí uma a ponte de publicidade, ainda que seja legal, de produtos de tabaco.
Também nesse período, em 2011, a gente teve a política tributária que previa o aumento progressivo dos impostos de tabaco e a instauração do preço mínimo para os maços de cigarro.
Se determinou que, progressivamente, seria ajustado até chegar ao valor de R$ 5 no final de 2016.
Essa política tributária é extremamente eficaz, porque é aquela questão de doer no bolso. Quando o preço está mais alto, as pessoas tendem a diminuir o consumo, muitos fumantes até deixam de fumar por causa disso e para os jovens também fica algo que dificulta um pouco mais o acesso. Dificulta a experimentação e a iniciação.
É uma medida muito eficaz para a questão de saúde e também para a arrecadação. Porque você tem o aumento de imposto de um produto que faz mal à saúde, trazendo a possibilidade de a arrecadação maior para o investimento em políticas sociais e tudo mais.
Essa política já vem se mostrando não só no Brasil, mas, no mundo todo, como uma das mais importantes para se ter a queda da prevalência do número de fumantes.
Ou seja, é uma política que funciona tanto para a saúde quanto para a economia. Mas, como você falou, infelizmente, desde 2016, nós não tivemos nenhum reajuste,
O preço mínimo de cigarros continua em R$ 5, não tivemos reajustes de impostos relacionados a produtos de tabaco e a consequência é que o cigarro vai se tornando mais acessível.
A gente gostaria de estimular o consumo de produtos saudáveis e não de produtos não saudáveis, como é o caso dos cigarros e outros produtos de tabaco.
Hoje vemos como os jovens vêm consumindo muito os chamados cigarros eletrônicos, os vapes, que inclusive são proibidos de serem comercializados no Brasil. Mesmo diante deste cenário, ainda faz sentido voltar com este imposto sobre os cigarros convencionais?
Sem dúvida alguma. A gente observou que o Brasil tem um histórico de redução do número de fumantes ao longo dos anos. Só que isso vem estacionando justamente porque não teve mais esse reajuste na política tributária, além de, claro, outras medidas que devem ainda ser adotadas.
Eu mencionei antes que a publicidade ainda tem que avançar, a gente tem que ter avanço na questão, por exemplo, da proibição do uso de sabores e aromas nos produtos de tabaco, que vem sendo muito explorado também como uma forma de atrair novos consumidores.
E o fato de não ter tido nenhum reajuste acabou fazendo com que aquela curva descendente estagnasse. Hoje a gente está com uma prevalência no Brasil em torno de 9,3%, de acordo com o Vigitel, uma pesquisa feita atualmente pelo governo, que era o equivalente ao que nós tínhamos em 2018, ou seja, a gente deixou de cair.
Uma nota técnica que a ACT publicou mostra justamente que se a gente tivesse tido um reajuste nos mesmos moldes que foi feito entre 2012 e 2016, nós teríamos hoje um cigarro com preço mínimo de R$ 12,76.
Se tivesse tido pelo menos um reajuste somente pelo IPCA, porque, naquela época, eles fizeram até um aumento maior acima da inflação, nós teríamos o valor de R$ 7,22.
E as pessoas às vezes alegam que, "ah, mas se você não liberar o consumo do vapes ou a venda do vapes, você tá deixando de arrecadar". E essas pessoas dizem que o Brasil deixa de arrecadar em torno de R$3 bilhões a R$4 bilhões. Porém, se a gente analisar a falta de reajuste que acontece numa política que nós já temos, que é a política do preço mínimo, por exemplo, o dinheiro perdido, apenas em 2023, foi de R$ 4,4 bilhões, só por não ter reajustado esse valor.
Se a gente for pensar o acumulado entre 2017 e 2023, isso passa de R$ 10 bilhões. Ou seja, uma política que já está aí. Basta um decreto ou uma manifestação por parte da Receita Federal, do governo federal, para ter esse reajuste e poder recuperar um pouco dessa perda arrecadatória que o Brasil vem sofrendo em função de não ter ajustado o preço mínimo.
Você vê a reforma tributária como uma boa oportunidade para voltar com esta política pública?
Sim, eu acho que são dois caminhos. Um é o reajuste imediato do preço mínimo de cigarros, por exemplo. Isso seria imediato, não depende da reforma tributária e o governo pode tomar essa medida no momento que ele quiser.
E, fora isso, a gente acredita e tem defendido muito fortemente que a reforma tributária seja também uma oportunidade de rever um pouco o que a gente está buscando para a saúde da população.
Porque não é possível que a gente tenha o cigarro, por exemplo, como um produto que não recebe reajustes e está mais acessível do que, às vezes, uma garrafa de água ou um suco de frutas.
Quer dizer, nada justifica uma coisa dessa. A gente tem que buscar o contrário, a gente tem que tornar produtos que são nocivos à saúde mais caros e facilitar o acesso a produtos saudáveis.
Por isso, a gente defende, sim, que a tributação seja majorada dentro da perspectiva do imposto seletivo para produtos como tabaco, álcool e ultraprocessados e que seja mais barato para produtos como, por exemplo, a cesta básica.
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Edição: Martina Medina