Lemann e outros

Com ajuda da Americanas, operação da PF sobre fraude na empresa não chega a sócios bilionários

Ex-diretores são únicos suspeitos de manipular de dados contábeis envolvendo R$ 25,3 bi

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Carlos Alberto Sicupira e família (fortuna de US$ 8,7 bilhões), Jorge Paulo Lemann e família (US$ 16,9 bilhões) e Marcel Herrmann Telles (US$ 11,5 bilhões) - Divulgação

Realizada com colaboração das Lojas Americanas, a operação conjunta da Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF) para apurar uma fraude contábil na companhia não afetou os sócios bilionários da empresa. Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, e Beto Sicupira – três dos homens mais ricos do país – controlaram a companhia durante o período em que balanços contábeis dela esconderam perdas de R$ 25,3 bilhões.

A operação desta quinta-feira (27) visa esclarecer como essas fraudes foram cometidas. Ela foi autorizada pela 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Envolveu cerca de 80 policiais federais para o cumprimento de 15 mandados de busca e apreensão.

Todos os alvos são ex-diretores da Americanas, os quais desligaram-se da empresa após a fraude ser publicamente anunciada, em janeiro do ano passado. Procurados, o ex-presidente da Americanas, Miguel Gutierrez, e a ex-executiva Anna Saicali não foram encontrados no Brasil e acabaram incluídos numa lista da Interpol.

Gutierrez já afirmou em depoimento à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que obedecia a ordens de Sicupira. Disse também que Sicupira tinha total conhecimento de todas as decisões estratégicas sobre a Americanas.

"O Beto era o meu chefe. E toda a interligação minha com o conselho das Americanas era através do Beto. E o Beto saiu da chefia do conselho em 2020 – que foi um plano programado em 2019, ele ia sair para depois eu ir pro conselho novamente. Então, nesse período, meu contato com Beto sempre foi muito intenso", disse Gutierrez. "Eu tinha uma relação com o Beto de 20 anos de trabalho. Você cria, obviamente, uma proximidade."

Sicupira – assim como Lemann e Telles – não foram citados em informes sobre a operação. O processo que a autorizou está em sigilo na Justiça.

Versão da Americanas

De acordo com a PF, a atual direção da empresa colaborou para as investigações do órgão. Essa mesma direção, em junho do ano passado, já havia acusado antigos executivos da companhia pela fraude e poupado os sócios bilionários.

De acordo com a própria empresa, seus antigos diretores simularam contratos, tomaram empréstimos e manipularam dados sobre dívidas para simular lucro. Ainda segundo a empresa, eles fizeram tudo isso sem as devidas aprovações dos sócios da companhia e sem que eles soubessem das manipulações nas contas apresentadas ao público.

Naquela época, essa versão gerou desconfiança, já que a Americanas pertence a Lemann, Sicupira e Telles desde 1983. Eles mantiveram pessoas de sua confiança no conselho de administração da empresa – instância máxima da gestão e que supervisiona os diretores. O próprio Sicupira presidiu o órgão. Sua filha, Cecília Sicupira Giusti, e Paulo Alberto Lemann, filho de Jorge Paulo Lemann, também integraram o grupo.

O economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), viu naquela versão uma estratégia jurídica de defesa dos bilionários. "A assessoria jurídica contratada tenta nitidamente blindar os acionistas controladores", afirmou. "Há um esforço nítido de jogar a conta na diretoria anterior. Mas isso não cola."

Discussão em CPI

A fraude na Americanas também motivou a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados. O relatório final da CPI não apontou responsabilidade dos sócios na fraude.

Os deputados Tarcísio Motta (Psol-RJ) e Fernanda Melchionna (Psol-RS), que integraram a comissão, votaram para que eles fossem responsabilizados. Lembraram que eles já se envolveram em casos semelhantes no passado.

Em 2005, eles foram acusados de irregularidades envolvendo a Ambev. O caso foi tema de um processo da CVM, que foi encerrado após um acordo e o pagamento de R$ 15 milhões.

Em 2019, os três teriam supervalorizado os bens da empresa Kraft Heinz em 15,4 bilhões de dólares. Pagaram 62 milhões de dólares num acordo para encerramento de investigações por autoridades dos EUA.

"Há elementos e indícios suficientes para apontar a responsabilidade dos acionistas de referência, Carlos Sicupira, Jorge Lemann e Marcel Telles; afinal eles são corresponsáveis pelos danos decorrentes da fraude contábil nos balanços da companhia divulgados com inverdades e informações falsas, seja por dolo ou culpa, ação ou omissão, negligência, imprudência ou imperícia, eis que se estavam no controle da companhia, com alto grau de influência, sabiam da fraude e das inverdades lançadas em balanço, e tinham o dever estatutário de saber, devendo por consequência, serem todos indiciados", escreveram os deputados aos seus colegas de CPI.

Apuração pode avançar

O presidente da Associação Brasileira dos Investidores (Abradin), o economista Aurélio Valporto, ratificou que, até agora, as investigações não chegaram aos bilionários. Ressaltou que eles podem vir a ser investigados no futuro.

"Essa pressão da Polícia Federal sobre os dois ex-diretores pode fazer com que, se houver de fato envolvimento Sicupira, pode fazer com que eles abram a boca", disse.

Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles já negaram qualquer envolvimento na fraude. Informaram via sua assessoria que perderam R$ 1,6 bilhão com as Americanas ao longo de dez anos. Investiram R$ 2,3 bilhões e receberam 700 milhões.

Disseram confiar nas autoridades para esclarecer a culpa sobre a fraude. Declararam também estar comprometidos com a recuperação da empresa.

Edição: Nicolau Soares