DESERTIFICAÇÃO

Caatinga: iniciativa de reflorestamento esbarra na histórica degradação do bioma

Em 2023, mais de 200 ml hectares de Caatinga foram destruídos, respondendo por 11% da área desmatada no país. 

Ouça o áudio:

A Caatinga é o terceiro bioma mais desmatado do país - Flickr
Isso está provocando a expulsão das pessoas do campo para a cidade

É uma paisagem de tirar o fôlego. A Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, tem sua beleza peculiar e riqueza própria, ocupando 10% do território nacional entre os estados nordestinos e o norte de Minas Gerais. Mas todo esse patrimônio tem sido ameaçado ao longo dos anos. A Caatinga é o terceiro bioma mais desmatado do país, segundo dados do MapBiomas. Bahia, Ceará e Piauí são os estados que mais degradam a vegetação nativa.   

Os dados mais recentes apontam que, em 2023, mais de 200 ml hectares de Caatinga foram destruídos, respondendo por 11% da área desmatada no país. 

Em Pernambuco, que já esteve entre os líderes do desmatamento, os principais causadores da violência são a pecuária intensiva, o polo gesseiro no Araripe e até empreendimentos de energia eólica e solar. Mas, em 2023, o estado reduziu a supressão de vegetação nativa, reduzindo 35% o número de desmatamento em relação a 2022.  

Saiba mais: Desertificação: Brasil elabora novo plano de ação diante de avanço de áreas áridas

Em abril, mês em que é celebrada a Caatinga, o governo de Pernambuco anunciou o investimento de 16 milhões de reais na aquisição de 500 mil mudas de espécies nativas do bioma para reflorestamento do território. Agricultores e organizações que atuam no território afirmam que a iniciativa é boa, mas insuficiente.

“Eu acho que é uma iniciativa importante. Mas é importante que o governo se alerte que isso precisa estar alinhado a uma perspectiva de garantir a estruturação dos órgãos na fiscalização, garantir que você não desmate”, diz Carlos Magno, coordenador de Mobilização Social do Centro Sabiá. 

Paulo Pedro, da ONG Caantinga, faz a mesma ponderação. “É algo positivo? É, sim, não podemos deixar. Agora tem muitas coisas a discutir, por exemplo: no semiárido brasileiro, se você não souber quais são as mudas adequadas, e aí não há todos os territórios, não é a mesma muda. A caatinga é um verdadeiro mosaico, uma verdadeira colcha de retalhos do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista cultural”, acrescenta. 

Uma semana após anúncio do programa de reflorestamento, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou, na Comissão de Administração Pública, um projeto de lei do governo do estado que autoriza a redução de uma Área de Preservação Permanente da Caatinga, na cidade de Salgueiro, no sertão central do estado.  

A área, apesar de pequena, será destinada para instalação de um complexo de energia solar, gerenciado por um grupo espanhol. Esse tipo de empreendimento tem sido considerado, atualmente, um dos principais vetores do desmatamento. A pesquisa do MapBiomas revelou que esses projetos de energia renovável foram responsáveis pelo desmatamento de mais de 4 mil hectares de Caatinga em 2023.  

Os ambientalistas estão preocupados com o impacto das energias renováveis na população rural.

“Isso está provocando a expulsão das pessoas do campo para a cidade. Está provocando uma questão ambiental muito forte porque tem muito desmatamento. Aquelas áreas em torno, naquelas estradas, toda aquela área ali, são grandes áreas que são desmatadas”, afirma Pedro. 

Relembre: Em desertificação, Caatinga se fragiliza mais com chegada de indústrias de energia renovável

O controle do desmatamento, segundo as entidades, segue frágil e acelera um processo de degradação do bioma. A temperatura tem aumentado e intensificado o chamado processo de desertificação da área, o que afeta a agricultura e a produção de alimentos.  

 “Você hoje tem essa coisa da crise climática. E isso está chegando muito forte nesses territórios. Tanto é que no sertão de São Francisco agora, no final do ano passado, foi identificado aquela área com a aridez”, avalia Carlos Magno, do Centro Sabiá.

 A agricultora Socorro Neto, que mora em Oricuri, Pernambuco, já vê as dificuldades que podem surgir a partir do aquecimento e das alterações climáticas.  

Leia também: Derrubada da Caatinga para construção de parques eólicos motiva manifestação de mulheres na Paraíba

“Porque mesmo chovendo, às vezes, se a gente não tiver um solo bem preparado como o da gente aqui, e a gente tem muita matéria orgânica e esfria um pouco a terra, tem dificuldade de produzir. A gente vê isso, né? Não por falta, às vezes, nem tanto por falta das chuvas, mas por causa do calor”. 

 

Edição: Douglas Matos