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'Bahia Rebelde' reuniu lutas contra a escravidão, por isso é esquecida na historiografia, diz diretor de Revolta dos Búzios

Em cartaz pelo país, documentário de Antonio Olavo conta sobre movimento liderado por negros na Bahia em 1798

Ouça o áudio:

Cineasta Antonio Olavo já lançou sete longas que contam sobre a 'Bahia Rebelde' - Divulgação/Revolta dos Búzios
A Bahia foi o único movimento de peso que levantou a bandeira da escravidão

Ocorridas na mesma década, sob a influência iluminista da Revolução Francesa, a Inconfidência Mineira (1792) e a Revolta dos Búzios (1798), mais conhecida como Conjuração Baiana, compartilhavam os objetivos da independência do Brasil em relação à Portugal. Porém, os dois atos revolucionários se diferenciam em questões fundamentais, como o fim da escravidão, exigido pelos baianos e desconsiderado pelos mineiros. 

"Revolta dos Búzios, eu afirmo com muita tranquilidade e muita convicção, foi um movimento mais importante que a Inconfidência Mineira", afirma o diretor de Revolta dos Búzios, documentário em cartaz em cinemas pelo país. 

"A Inconfidência Mineira, assim como a Insurreição Pernambucana, a Conferência do Equador e a Inconfidência Carioca, defenderam a República e a Independência, mas não tocaram no fim da escravidão. A Bahia foi o único movimento expressivo, significativo e de peso que levantou a bandeira da escravidão", defende o diretor em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (2).

O movimento que tem Tiradentes como mártir e é até homenageado com um feriado nacional - o dia 21 de abril -, foi articulado por uma elite socioeconômica do período. Enquanto isso, a Conjuração Baiana teve como protagonistas trabalhadores distantes do controle de meios de produção. 

As quatro lideranças que se destacaram foram dois soldados e dois alfaiates, motivo pelo qual o movimento também é conhecido como Revolta dos Alfaiates. Foram eles João de Deus do Nascimento, Manuel Faustino dos Santos Lira, Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens. 

Antes mesmo da revolta entrar em curso, o movimento foi interceptado pelo Império e os quatro, que eram homens negros, tiveram como destino a forca. Entre as lideranças brancas que se envolveram, nenhuma teve pena máxima, e muitas não cumpriram nenhum tipo de detenção, como por exemplo, Cipriano Barata.

"A historiografia tradicional invisibilizou isso, marginalizou, fez com que nós, mesmos baianos, não conhecêssemos isso. Então é um sonho de construir no cinema uma ponte para se comunicar com a sociedade", diz Olavo.

"Eu me descobri, me encontrei, enquanto um homem negro, quando eu encontrei essa história do meu povo, do passado, e eu passei a ter orgulho. Porque até então, eu imaginava que eu era descendente de um povo escravizado."

Outro destaque desse movimento foi a participação de mulheres negras, como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento, Luiza Francisca de Araújo, Lucrecia Maria Gercent e Vicência. 

Antonio Olavo é autor do livro Memórias Fotográficas de Canudos (1989) e gestor da Portfolium Laboratório de Imagens, produtora pela qual dirigiu 19 filmes documentários, entre os quais sete longas-metragens, como Quilombos da Bahia (2004) e Abdias Nascimento Memória Negra (2008).

Confira a entrevista na íntegra 

Por que a escolha de Revolta dos Búzios e não os nomes que são mais conhecidos, como Conjuração Baiana? 

Esse movimento, que ocorreu em 1798, no final do século 18, tem uma importância muito grande porque defendeu as bandeiras da Independência, que só viria em 1822 na Bahia. 

Ele defendeu também uma república democrática, república essa que só foi proclamada, de forma nada democrática, em 1889, pelo Marechal Deodoro. 

E um diferencial em todos os movimentos anteriores e posteriores: os conspiradores de Búzios, aqui na Bahia, defenderam o fim da escravidão. Isso é um marco em relação aos outros movimentos, inclusive à Inconfidência Mineira. 

E ele teve várias denominações ao longo da história. Desde a edição de 1798, Movimento Democrático Baiano, Conjuração Baiana e Revolução dos Alfaiates são os nomes mais conhecidos. 

Mas teve alguns nomes mais populares. Por exemplo, aqui na Bahia, circulou muito uma denominação de Revolta das Argolinhas, porque alguns dos conspiradores usavam brinquinho na orelha. 

Ocorre que, em 1932, um jornalista carioca publicou um artigo no Jornal do Brasil, chamando de "Conspiração dos Búzios". Isso porque existia um termo, uma senha, uma fala entre os conspiradores, que, inclusive, foi registrado no Alto da Devassas: "Todo aquele que vinha com brinquinho na orelha, barba crescida até o meio do queixo, e um búzio de Angola na cintura do relógio é francês e do Partido da Rebelião".

Então a identificação com búzios foi uma das formas desses conspiradores se encontrarem, porque era um movimento clandestino. Nós vivíamos num país sob a colônia de Portugal, sob a monarquia escravocrata.  

Nas escolas, hoje, é mais comum o uso de Conjuração Baiana. Mas o movimento negro abraçou a Revolta dos Búzios, e eu quis somar com o movimento negro. É muito forte, muito expressivo 

E isso é importante para explicar a origem do movimento, ele teve sua composição social conduzida por homens negros, embora tivesse a participação de homens brancos também, um deles muito famoso, Cipriano Barata. 

Mas é um movimento que os homens negros estavam à frente. E era um movimento que tinha essa base social de ferreiros, oríveis, sapateiros, alfaiates.  

As quatro lideranças negras que articularam a revolta foram levados à forca. Destino diferente dos brancos também envolvidos no processo. Isso fala muito sobre a história brasileira, certo?

Esse movimento na Bahia é de 1798 e, pouco antes, em 1789, ocorreu a Inconfidência Mineira e, antes, a Revolução Francesa, trazendo as bandeiras da liberdade, igualdade, fraternidade. Esses ideais iluministas da Revolução Francesa, chegaram aqui na Bahia, nesses homens, inclusive, os homens negros beberam nessa fonte do iluminismo francês. 

A historiografia tradicional fala apenas desses quatro mártires que foram, como você falou, enforcados, esquartejados no dia 8 de novembro de 1799, mas, na verdade, foram cinco os mártires. O quinto deles, o Antônio José, logo no início da investigação do movimento, que foi em agosto de 1798, foi preso no dia 27 de agosto, durante a manhã, e à noite, começou a sofrer angústia náuseas e vômitos e, no outro dia da manhã, foi encontrado um morto. O laudo médio constatou que ele tinha sido envenenado.  

Antônio José era um dos principais lideranças do movimento, então, ele é um mártir também da Revolta e precisa estar no Panteão dos Heróis Nacionais, no Livro de Aço.  

Mas esses quatro foram escolhidos para pagar como exemplo. Para você ter ideia, nessa relação de alguns homens brancos, foi difícil para a Devasa [polícia da época] envolver os homens brancos na investigação. 

Era um constrangimento quando se falava na participação dos homens brancos e era evidente a participação deles. E, no final do processo, eles tiverem que colocar na cadeia alguns deles. Todos os homens brancos foram inocentados ou tiveram penas reduzidas. 

Por exemplo, Francisco Muniz de Aragão. Ele foi condenado a 500 açoites, só que ele recorreu e ele recorreu dizendo "como pode? Eu sou um homem branco, filho de uma família tradicional, como que o poso sofreu uma pena de açoite público em Salvador?". Esse recurso dele foi acatado e efetivamente foi transformado em seis meses de pena, de detenção na cadeia.  

Um dos enforcados foi João de Deus, um dos alfaiates mais renomados de toda Salvador, ele era muito quisto até pela elite branca da época. João de Deus tinha cinco filhos, o mais velho deles tinha oito anos de idade.  

Agora imagine, João de Deus, que foi enforcado, esquartejado e parte do seu corpo foi pendurado no posto da sua casa, na rua direita do palácio.  

Imagine como foi para os filhos dele, todos menores de idade, sem poder sair na rua porque parte do corpo do pai estava pendurada no posto em frente à casa. 

Esses homens pecaram, cometeram o crime de sonhar com independência, com a República e o fim da escravidão. 

A história brasileira tem um débito com a memória desses homens. O 21 de abril não é feriado por conta de Tiradentes? Pois, então, a Revolta dos Búzios, eu afirmo com muita tranquilidade e muita convicção, foi um movimento mais importante que a Inconfidência Mineira.  

A Inconfidência Mineira, assim como a Insurreição Pernambucana, a Conferência do Equador e a Inconfidência Carioca, defenderam a República e a Independência, mas não tocaram no fim da escravidão. 

A Bahia foi o único movimento expressivo, significativo e de peso que levantou a bandeira da escravidão. 

Tem um trecho de um dos papéis revolucionários do dia 12 de agosto que diz o seguinte: 

"Homens, o tempo é chegado para a vossa ressurreição. Sim, para ressuscitares do abismo da escravidão. Para levantares a sagrada bandeira da liberdade. A liberdade consiste no estado feliz, no estado livre do abatimento. A liberdade é a doçura da vida. O descanso dos homens com o igual paralelo de uns para com os outros. Finalmente, a liberdade é o repouso e bem-aventurança do mundo." 

Isso é uma coisa linda, imagine homens negros escravizados escrevendo coisas tão lindas e tão revolucionárias como essa, a liberdade é a doçura da vida, que coisa encantadora. 

Então esses homens sonharam, tiveram esses sonhos maravilhosos e é por conta desses sonhos, dessa ousadia, dessa luta que hoje nós estamos vivendo esta condição: eu, como cineasta negro, estou usufruindo da luta desses homens. 

Isso afirma uma compreensão de que o nosso passado foi de dignidade, não um passado de escravidão. 

Eu, na minha infância, na minha adolescência, as histórias que os meus professores e minhas professoras de história falavam, no colégio, era sobre as princesas, os príncipes, os duques, Dom João, Dom Pedro, Dom Pedro II. 

Então, é uma outra história do Brasil. Eu tenho um buscado contribuir para rasgar o véu que cobre essa encantadora e bela história do povo negro na Bahia, no Brasil. 

A Revolta dos Búzios acontece alguns anos antes da Revoltados dos Malês e também da Sabinada, todos movimentos liderados por negros. O que aconteceu na Bahia para reunir tantas mobilizações importantes que pediam o fim da escravidão, diferentemente de outras revoluções pelo país do mesmo período?

Durante as primeiras décadas do século 19, os escravocratas do sul não queriam comprar homens e mulheres negras daqui da Bahia, porque a Bahia tinha a fama de Bahia Rebelde. Era a Bahia Rebelde.  

E essa rebeldia se dava não somente nas insurreições, mas também nas transgressões, com a capoeira, com samba, com candomblé, então eles tinham medo. 

A historiografia tradicional invisibilizou isso, marginalizou, fez com que nós, mesmos baianos, não conhecêssemos isso. Então é um sonho de construir no cinema uma ponte para comunicar isso para a sociedade. 

Quantos filmes existem sobre independência, sobre Inconfidência Mineira? Dezenas.  

Esse nosso filme, infelizmente, é o primeiro filme. 

Antônio Pitanga está há mais de 20 anos tentando fazer. Provavelmente esse ano ele vai conseguir concluir um filme sobre a Revolta dos Malês. É uma coisa importantíssima.  

Eu me descobri, me encontrei enquanto um homem negro, quando eu encontrei essa história do meu povo, do passado. Eu passei a ter orgulho. Porque, até então, eu imaginava que eu era descendente de um povo escravizado.  

Eu quero fazer uma conclamação, vamos ao cinema, vamos ocupar as salas, lotar esse espaço, porque um filme só fica em cartaz quando ele tem público, quando tem gente indo assistir.

Então, eu faço um chamamento, nós estamos em sete capitais, como eu falei, Recife, Brasília, Belém, Fortaleza, Maceió, São Luís e Salvador, é preciso que a gente vá assistir esse filme, sem deixar para depois. 

É porque é um filme que fala da gente, do nosso povo, da nossa história, e isso pode ser um estímulo para que a gente amplie nosso conhecimento, amplie nossa força, nossa autoestima, e ative nossa participação hoje.  


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Edição: Martina Medina