As três principais entidades sindicais que representam os trabalhadores da educação federal assinaram juntas um acordo de greve com o MGI nessa quinta feira dia 27 de junho. A Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) representam juntos quase meio milhão de trabalhadoras e trabalhadores das universidades e institutos federais em todo Brasil.
Foi uma poderosa greve na educação federal, mas docentes e servidores técnico-administrativos (TAEs) tiveram pauta e possuem carreiras específicas e tempos diferentes na greve. Houve vários momentos de unidade entre os comandos nacionais e locais, mas cada greve teve a sua história. Neste artigo, vamos destacar a greve dos TAEs, mas de alguma forma vamos acabar falando um pouco da greve docente e nas IFEs como um todo.
Provavelmente parte dos ativistas que se envolveram com a greve nas universidades e institutos federais está em seus momentos de reflexão com um misto de grandeza e alegria, por ter se jogado numa luta coletiva que teve relativas conquistas, mas também tem decepção e descrença. O trabalho cinzento e psicologicamente tóxico do movimento sindical no século em que vivemos, somado a condição de sobreviver num país periférico e atrasado, que paga mal e aproveita pouco os talentos profissionais das IFEs, gera descrença e decepção. Esses dois sentimentos (alegria e decepção) duelam pela conclusão final que uma geração de ativistas mais jovens e mais experientes poderá tirar, sobre o significado do movimento sindical, se vale a pena se envolver, e se a luta coletiva é um caminho que devemos apostar.
Essa disputa pelo horizonte ideológico das pessoas na luta de classes é o que determinará o futuro das lutas de resistência no Brasil neste século. Vamos conseguir acumular forças para acertar as contas com o capital ou seremos parte das várias gerações consumidas pelo atual sistema predatório que ameaça a possibilidade da vida na terra? Quem não quiser responder ou não está pensando nessa pergunta, não sabe o que está fazendo na luta de classes e no movimento sindical brasileiro.
A greve dos TAE 2024 foi uma derrota ou uma vitória?
Para sabermos se essa greve teve conquistas materiais reais temos que contextualizá-la com a atual conjuntura econômica do país e comparar com acordos anteriores e de outras categorias. Também, para aferir se essa greve teve vitórias políticas, precisamos avaliar se a vanguarda sai com orgulho da sua luta, se os sindicatos se fortaleceram, se há mais filiados e se as forças neoliberais e conservadoras ganharam ou perderam com essa greve. Usando esses critérios, temos a opinião que a greve dos TAE 2024, foi uma vitória política e econômica. Transformá-la em derrota, acaba contribuindo para a luta sindical ficar desmoralizada, o que acaba ajudando a extrema direita avançar no país.
Isso não significa que está excluído o exercício da crítica sobre acontecimentos relacionados ao papel das direções sindicais, os possíveis erros cometidos pelo movimento, o ambiente muitas vezes desfavorável ao diálogo fraterno nos espaços sindicais, o trato e os métodos que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) usou nas mesas de negociação e as escolhas da política econômica do governo. O debate das diferenças e a crítica saudável são sempre bem-vindas e não abriremos mão disso, ainda que tenhamos a conclusão que de conjunto a greve foi uma vitória.
Uma vitória econômica
O objetivo estratégico de uma greve de servidores públicos, do ponto de vista material, é lutar pelo orçamento federal, e atualmente isso se dá enfrentando gente muita poderosa, o sistema financeiro, o centrão e suas emendas, a política do teto de gastos, os projetos do agronegócio, entre outros. Sem falar na mesquinha ambição da burguesia brasileira em querer aplicar uma reforma administrativa para diminuir o valor do trabalho e o alcance de qualidade dos serviços públicos. Mesmo assim, numa queda de braço com todas essas forças neoliberais, podemos dizer que a força da greve desse ano conseguiu arrancar frações do orçamento público, basta comparar o que tinha sido ofertado na mesa de negociação antes da greve ser deflagrada, com o resultado final do acordo assinado. Além disso, convidamos o leitor a comparar os resultados dos acordos de greve desse ano, com os últimos dois acordos.
Antes da greve, o governo estava oferecendo na mesa geral de negociação um reajuste linear de 0% em 2024, 4,5% em 2025 e 4,5% em 2026. Após a dissolução da mesa geral, a negociação na mesa específica para os TAE evoluiu para um acordo de greve que garantiu 9% em 2025 e 5% em 2026. Embora não recupere toda a inflação dos últimos 10 anos, pelo menos poderá cobrir a inflação e garante aumento real durante os quatro anos do atual governo. Isso se considerarmos uma inflação média anual de 4,5%, e o reajuste de 9% concedido em 2023. Além da incorporação desses índices no salário base, houve uma majoração no STEP de 0,1% em 2025 e 0,1% em 2026, cujo efeito, como artificio da carreira, se soma em mais uma majoração no reajuste da remuneração para ativos e aposentados, de percentuais que variam por diferentes níveis da carreira.
A reestruturação do PCCTAE conseguiu instituir o fim da relação indireta do Incentivo a Qualificação (IQ), proporcionando uma democratização no acesso aos percentuais máximos do IQ, na maioria dos casos aumentando em 10%. Também foram conquistadas a diminuição do interstício para progressão na carreira de 18 para 12 meses e a aceleração pode proporcionar que o TAE chegue no topo da carreira entre 15 a 18 anos. Atualmente para chegar no topo leva-se mais de 22 anos. Além desses elementos, houve a conquista histórica do Reconhecimento de Saberes de Competências (RSC), que ainda será discutido e regulamentado num prazo de 180 dias, e implementado em 2026. Isso permite que, através da qualificação da sua formação profissional e conhecimento, o servidor poderá alcançar uma remuneração maior. O impacto financeiro desse acordo no orçamento federal poderá superar os 5 bilhões de reais, uma concessão econômica recorde, se compararmos com os dois acordos de greve anteriores.
É preciso ainda registar que a mobilização e luta do funcionalismo federal conquistou um reajuste dos benefícios, que no caso do auxílio-alimentação chegou a um reajuste de 51%, alcançando um valor de R$ 1000. Como também é importante destacar que a força da greve na educação federal conseguiu reparar o orçamento das universidades, institutos federais e hospitais universitários num valor anunciado pelo presidente Lula de R$ 5,5 bilhões para manutenção e expansão do sistema de educação federal, pauta unitária das entidades sindicais.
Portanto, por qualquer ângulo que se olhe essa greve que terminou após mais de 100 dias alcançou uma vitória econômica importante, comparando com o que estava sendo ofertado antes da sua deflagração, como também se revisitarmos os dois últimos acordos anteriores, que já sistematizamos no quadro acima. Houve recomposição inflacionária de salários e benefícios, reestruturação da carreira e reparação do orçamento das universidades com valores relativamente significativos. Ainda aquém do que os TAE e a educação federal precisa para fazer justiça à valorização de profissionais altamente qualificados responsáveis pela produção de pesquisa, conhecimento e inovação. Mas foi sem dúvida nenhuma um passo importante para sair de uma situação de empobrecimento progressivo que se aprofundou especialmente nos governos Temer e Bolsonaro.
Existem ainda vários outros temas que envolvem a jornada de 30 horas, adicional de insalubridade, reposicionamento dos aposentados, democratização das IFEs para os TAE, entre outros temas, que constam na atual minuta de acordo que serão objeto de negociação no pós-greve, através de grupos de trabalho.
Uma vitória política
Ouvimos um questionamento recorrente nessa greve, de pessoas com boas intenções e outras nem tanto assim, do motivo para uma greve tão forte como essa não ter sido feita durante o governo Bolsonaro, mas somente agora no governo Lula. Muitas vezes essas perguntas tinham uma preocupação com um possível desgaste do governo e da esquerda, ao mesmo tempo em que a extrema direita poderia se fortalecer se aproveitando da situação. São preocupações legitimas e muitas vezes de gente séria, que respeitamos e devemos considerar em nossas análises. Mas ao final do processo e avaliando todo seu desenvolvimento, podemos afirmar que essa greve foi uma vitória política muito importante e que só foi possível pela conjuntura que se criou no país após a derrota eleitoral de Bolsonaro.
Em primeiro lugar é preciso dizer que houve lutas, enfrentamentos e greves no governo Bolsonaro de grande importância e que os trabalhadores da educação federal e seus sindicatos participaram ativamente. O tsunami da educação contra o ministro bolsonarista Abraham Weintraub e seu projeto privatista “Future-se”, a luta que derrotou o avanço da reforma administrativa e a própria campanha Fora Bolsonaro são exemplos importantes. Mas precisamos destacar que durante o governo Bolsonaro havia uma ascensão das forças de extrema direita. A esquerda e o movimento sindical estavam num momento muito desfavorável, e, além disso, passamos pela pandemia da covid-19, que restringiu maiores possibilidades de mobilizações organizadas. Foi um momento de salvar vidas, construir solidariedade de classe e acumular forças para tentar superar um governo radicalmente reacionário.
A vitória eleitoral de Lula, por si só, não inverte completamente a correlação de forças, mas abriu um espaço no imaginário da categoria de trabalhadores da educação, em especial os TAE, de que havia chegado o momento propicio para exigir melhorias econômicas e salariais. Muita gente passou a pensar que se não for agora, não será em outro governo Bolsonaro que seria a nossa chance
A leitura estava correta. O governo Lula 3, mesmo com suas contradições, erros e limites, era uma chance de nos lançarmos a luta e arrancar conquistas, pois estava aberta uma margem democrática maior do que o governo anterior. Na medida que as negociações "a frio" não avançavam, devido às prioridades do governo em relação a sua agenda de austeridade, o clima para a deflagração da greve começou a se formar. A Fasubra, que já estava com uma relativa mobilização em torno da reestruturação do PCCTAE, largou na frente, deflagrando greve no dia 11 de março. Logo depois o Sinasefe e o Andes-SN também aderiram com força ao movimento paredista que inflamou universidades e institutos federais em todo país, pautando o noticiário nacional e o debate público.
A greve fez surgir uma nova vanguarda de ativistas por todo país, trabalhadoras e trabalhadores da educação federal que resolveram apostar na luta coletiva e no movimento sindical para resolver seus problemas materiais mais básicos. Destacamos esse fenômeno pois é a vitória política mais importante dessa greve, enquanto evento da luta de classes. O sindicalismo mostrou que está vivo, muitas ações nas ruas e nas redes sociais foram realizadas por centenas de sindicatos e comandos locais de greve espalhados pelo Brasil, pautando a imprensa local e nacional, ocupando os assuntos mais falados com os tuitaços e ganhando a simpatia da opinião pública para um tema muito valioso para o enfrentamento contra a extrema direita: a valorização da educação, da ciência e da produção de conhecimento contra o fundamentalismo e o obscurantismo conservador e reacionário.
Várias figuras conhecidas do universo bolsonarista tentaram surfar nessa greve, na tentativa oportunista de desgastar o governo Lula e ganhar setores que estavam em luta para suas ideias e projetos eleitorais. Mas foi em vão: a maioria absoluta das trabalhadoras e trabalhadores que participaram dessa luta, ainda que tenham duras e legitimas críticas a vários aspectos políticos e metodológicos em relação aos negociadores do MGI e ao governo Lula, não se deixariam levar como "idiotas uteis" na conversa de personalidades e políticos bolsonaristas. Esses políticos não têm nenhuma moral para criticar o atual governo, pois foi durante o governo Bolsonaro, o período de maior empobrecimento do funcionalismo público, incluindo aí os TAE.
A nova geração de ativistas que passa a ocupar os sindicatos e acreditar na luta coletiva, o fortalecimento da pauta da educação na opinião pública, a visão crítica contra as políticas neoliberais de austeridade adotadas pelo atual governo, o combate mesmo diante da difícil correlação de forças existente no Congresso Nacional tomado por forças reacionárias e a incapacidade da extrema direita de se apropriar desse movimento foram elementos que nos autoriza dizer que essa greve cumpriu um papel progressivo na atual conjuntura política do país.
As posições de setores no interior do nosso movimento, com posturas chapa branca, acríticos e conciliatórios, em momentos decisivos colocou a desconfiança nas negociações e jogou a greve em situações muito delicadas, facilitando que o governo ficasse em condições favoráveis para impor suas propostas rebaixadas, que em última instancia atendiam aos interesses do discurso do déficit fiscal zero em contraste com a possibilidade de mais investimentos nos serviços públicos. Essa posição política leva muitos ativistas a pensar que não podemos organizar lutas nem fazer críticas contra políticas do atual governo, pois a consequência seria o fortalecimento da extrema direita. A greve na educação federal mostrou o contrário: é possível fazer enfrentamentos, greves e mobilizações para o avanço de pautas progressivas, mesmo que tenhamos que combater posições equivocadas de possíveis governos de esquerda, mantendo uma delimitação nítida com o bolsonarismo reacionário.
Como também a política ultraesquerdista e irresponsável de frações do nosso movimento que estão muito mais preocupadas em fazer uma disputa política destrutiva, através de um discurso de que a greve nada conquistou e que era possível continuar o movimento por muito mais tempo após quase 100 dias de paralisação. Jogavam a culpa sempre em todos os outros coletivos sindicais, fazendo propaganda de uma suposta superioridade moral, se autoproclamando os únicos representantes legítimos dos trabalhadores, com o objetivo de tentar construir sua minúscula organização, não se responsabilizando por absolutamente nada que aconteça no movimento. As organizações e ativistas que defendem essas posições, acabam ajudando muitas pessoas a concluir que a luta sindical e coletiva não tem utilidade alguma, pois jogam um nível de desconfiança exagerado em todo processo ao classificar todo mundo (menos eles), como traidores. A consequência final dessa política é a desmoralização do movimento sindical, a dispersão dos ativistas e o enfraquecimento das lutas de resistência. Na pratica trata-se de uma posição reacionária.
Essas duas posições equivocadas no interior do movimento, que em muitos momentos foram fatores de desestabilização da greve, tiveram que ser derrotadas para que a greve na educação federal alcançasse uma vitória política e econômica.
Um debate estratégico: só vamos ter um salto no valor de nossos salários se o Brasil deixar de ser um país dependente de ciência e tecnologia.
Afirmar que essa greve teve uma vitória política e econômica não significa dizer que a justiça foi feita na valorização dos salários e carreira de trabalhadoras e trabalhadores responsáveis pela produção de conhecimento, pesquisa e inovação no Brasil. Pelo contrário, é preciso reconhecer que os TAE seguem sendo mal pagos e mal aproveitados, estamos falando de mais de 200 mil profissionais de alta qualificação que poderiam estar integrados num projeto nacional de Estado, com investimentos ousados, para que o Brasil pudesse liderar fronteiras tecnológicas em escala mundial. Todos os países que conseguiram aumentar sua renda média per capita, expandindo a criação de bons empregos e pagando bons salários nas últimas décadas o fizeram por meio da estruturação de um projeto de produção de inovação, com forte aumento nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) direcionado pelo Estado, formando e integrando profissionais de universidades e centros de pesquisa para avançar na construção de uma indústria nacional de produtos de alto valor agregado e serviços sofisticados, com densidade tecnológica de última geração.
O Brasil está muito atrasado nesse sentido. Somos uma economia que possui uma pauta de exportação de produtos primários de baixo valor agregado e que gera poucos empregos, pagando baixos salários. Temos uma indústria de baixa densidade tecnológica e que vem ocupando cada vez menos espaço no PIB brasileiro e uma dependência total de tecnologia de última geração. Para que seja possível que profissionais das universidades e institutos federais possam ter um salto qualitativo em suas remunerações, o Brasil precisa se tornar outro país. A segunda independência brasileira só vai se dar se rompermos com o pensamento colonial e atrasado de nossa elite, que está muito satisfeita em manter o Brasil como um país periférico sem um projeto de soberania tecnológica e científica. Toda comunidade universitária, os trabalhadores das IFEs, docentes e TAEs, precisam se apropriar desse tema, organizar campanhas, debates e alertas cotidianos para ganhar a sociedade brasileira para a necessidade de o Brasil construir sua independência cientifica e tecnológica. Caso contrário, estaremos sempre presos no labirinto da recomposição salarial permanente para evitar um empobrecimento cada vez maior.
*Gibran Jordão é TAE da UFRJ, membro da Travessia Coletivo Sindical e Popular e ex-coordenador geral da Fasubra.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires