A campanha fria e sonolenta de Joe Biden fez os democratas buscarem alternativas e a pressão para que ele abandone a corrida eleitoral está enorme. Antes mesmo que o presidente americano renuncie à candidatura, os democratas avaliam que quem pode frear Donald Trump e a ameaça concreta da extrema direita são duas mulheres negras: a vice-presidenta Kamala Harris e a ex-primeira dama Michelle Obama.
Nós, negros, somos o primeiro alvo da extrema direita nos EUA e também aqui no Brasil. Por aqui, em nosso país, estamos em resistência permanente em nossos movimentos há séculos, formando lideranças e quadros políticos de alto nível, mas que sempre são boicotados e limados pelo racismo das diversas instituições.
Recordo aqui de Marina Silva, atual ministra do Meio Ambiente, reconhecida militante e um nome consolidado nacionalmente. Lembro também de Benedita da Silva, a mulher que mais ocupou espaços de poder político em nossa história. Ambas tantas vezes interrompidas em suas trajetórias por homens de diversos espectros políticos. E homens negros nessa condição? Lembram de algum?
Para as eleições de 2026, segue trotando pelos pastos a ameaça fascista. Temos lideranças negras, nomes consolidados nacionalmente, para disputar os principais cargos do país? E o principal? Se Lula se retira, qual mulher negra ou qual homem negro poderia ser alçado ao posto da liderança da resistência à extrema direita no Palácio do Planalto?
A consagração desses nomes não ocorre da noite para o dia, é paulatina. Agora, em outubro desse ano, quantas candidaturas negras teremos em condições de vitória para a Câmara Municipal de sua cidade? Quantos prefeituras serão comandadas por negros ou negras? Eu tenho acompanhado mais de perto a eleição em São Paulo. Onze pré-candidatos querem ser prefeitos. ONZE. Todos brancos.
E é importante dizer que não acredito que ser negro basta. Estamos falando de pessoas negras com compromisso com a luta e de preferência ligada a movimentos negros. Não se trata, aqui, de oportunistas de pele preta que fazem o jogo dos brancos racistas e de corporações.
Estamos falando de pessoas que organizam o movimento negro brasileiro, que deve ser respeitado pelo que fez por esse país em uma das piores quadras de sua história. No governo de Jair Bolsonaro quem rompeu o silêncio da pandemia e ocupou as ruas foi o movimento negro organizado.
Quem combateu a fome, levando alimentos às quebradas, foi o movimento negro organizado. Quem levou o ex-presidente fascista aos bancos de réus em tribunais internacionais foi o movimento negro organizado. Ato contínuo, em 2022, onde nossas lideranças estavam? Que lugar nos coube na permanente vigília contra a extrema direita e pelos direitos do nosso povo?
Repito: não é ausência de pessoas negras qualificadas, militantes ou ativistas reconhecidos e potentes em nosso país. É o racismo que impede a formação e a consolidação de lideranças negras tanto à direita quanto à esquerda no Brasil.
Bora olhar para os EUA.
*Douglas Belchior é professor, historiador, co-fundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato
Edição: Martina Medina