O jornalista Zito da Galileia foi quem começou a reunir o material histórico das Ligas Camponesas no Engenho da Galileia, em Vitória de Santo Antão (PE), primeiro caso de reforma agrária no Brasil após o fim da 2ª Guerra Mundial.
“O nosso pensamento é que esta Galileia seja valorizada, além daquilo que ela já é valorizada, porque ela tem um significado muito grande, porque é um movimento inédito. Nunca houve, no Brasil, um movimento igual ao movimento das Ligas Camponesas. Nunca houve”, explica o jornalista, neto de Zezé da Galileia, um dos históricos presidentes das ligas.
Foi a luta para transformar a área em assentamento que deu projeção nacional ao então deputado pernambucano Francisco Julião. A morte dele completa 25 anos nesta quarta-feira (10).
Julião foi advogado da então Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco, criada em 1955 em Galileia, e que deu origem depois às Ligas Camponesas. Entre 1940 e 1955, o advogado percorreu os canaviais da zona da mata de Pernambuco usando a lei para defender camponeses.
O lema era "a posse da terra na lei ou na marra". No final dos anos 1950, as Ligas Camponesas já aglutinavam 70 mil associados em todo o Nordeste.
“Eu conheci Francisco Julião. Eu era criança quando Julião visitou Galileia, em 1955, lá para maio. E todas as vezes que Francisco Julião estava ao lado das ligas camponesas, eu estava. Era uma pessoa que realmente a gente desejaria que nunca morresse”, relembra.
Mas a recordação de luta das 308 famílias que ainda vivem no local está prejudicada pela falta de um espaço de memória adequado. Tudo que existe como lembrança foi erguido por Zito, como a Biblioteca José Ayres dos Prazeres, com um acervo de mais de 5 mil livros.
O galileu guarda também um antigo gerador doado por Edward Kennedy, irmão do ex-presidente dos Estados Unidos John Kennedy.
Os espaços, no entanto, carecem de estrutura e apoio do Poder Público, como explica o antropólogo Anacleto Julião, que como o sobrenome sugere, é filho de Francisco Julião.
“Tivemos muito, muito pouco recurso para fazer daquilo algo maior. O que nós queremos ali? Nós queremos que tenha um auditório construído, queremos que tenha um albergue construído, porque as pessoas vão lá para estudar a história das ligas, estudantes, professores, gente de ministérios. No segundo governo de Lula [da Silva] e no primeiro de Dilma [Roussef], muitas personalidades desse país visitaram a Galileia”, explica.
“Nossa luta é fazer daquilo um memorial digno de receber pessoas. Já existe um memorial, de fato já existe, mas nós temos que procurar melhores as condições”, completa Anacleto.
Apoiada pela família de Julião, a reforma e ampliação da biblioteca, a compra de um projetor para a exibição de filmes e a melhora do acesso de 2,5 km até o engenho estão entre as prioridades, assim como a desapropriação da área onde funcionava a sede da Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco.
Raul Calle de Paula, bisneto de Francisco Julião e Alexina Crespo, fala mais sobre este processo. “Estamos lutando aqui há gerações, literalmente, para que a gente consiga trazer e dignificar essa área como um sítio de memória, como um lugar de fato, de lembrança, para o uso, inclusive, de quem mora aqui, de quem descende das pessoas que viveram essa experiência sociopolítica.”
Raul organiza o material histórico da família, que inclui fotos, páginas de jornal e símbolos da luta camponesa no século passado. A ideia é que toda essa riqueza também esteja presente no memorial das ligas após sua implementação. Entre os arquivos, estão as fotografias do exílio da família em Cuba, ainda antes do golpe de 1964.
“Os galileus, como se chamava na época, existem e estão lá. As crianças fizeram uma apresentação assim, separando as sílabas, porque estão aprendendo a letra, na alfabetização, de 'liga' as 'camponesas', cada um segurando uma sílaba. Algo tem que ser feito por quem pesquise, por quem chega, mas algo tem que ser feito por quem está lá”, completa Raul.
Recentemente, até a placa em homenagem a Francisco Julião foi alvo de tiros. A placa ficava ao lado de uma rocha, local onde Julião e Josué de Castro discursavam durante as reuniões dos trabalhadores. Há dúvidas sobre como se deram as marcas de tiros na placa, diz Anacleto.
“Nós vamos voltar a colocar essa placa lá, não essa, mas outra igual, ou parecida, porque aqui nós não sabemos se isso foi vandalismo ou atentado político. Nós não sabemos”, reitera o filho de Julião.
Os camponeses da Galileia conseguiram a posse dos 503 hectares da área após protestarem em frente ao Palácio do Campo das Princesas, em Recife, no fim da década de 1950. O então governador Cid Sampaio assinou a desapropriação de Galileia na sacada do palácio do governo sob pressão dos trabalhadores. O protesto foi liderado por Julião.
“Galileia nasceu, como Julião disse, do lodo, e hoje nós estamos em um patamar muito conhecido e muito visitado e precisamos aproveitar esse impulso para desenvolver essa história, esse conteúdo das ligas, da sociedade, do sindicalismo, das associações gerais, e hoje existem vários movimentos como MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]. Todos eles inspiraram -se nas Ligas Camponesas”, pontua Zito da Galileia.
“A iniciativa de se trazer à memória, depois de 25 anos do falecimento de Francisco Julião, tem uma importância singular. É o resgate da nossa história. É parte do resgate da nossa história e continuar lutando para que o Memorial das Ligas Camponesas do Brasil Francisco Julião se torne uma realidade”, complementa Anacleto.
Edição: Rodrigo Chagas