Gastos Públicos

Eleições: MP reforça atuação em cidades do Ceará com shows milionários e problemas de orçamento

Em 6 de julho começou a valer uma série de vedações aos candidatos, sobretudo aos que ocupam cargos públicos

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Após atuação do MP, prefeitura de Icó buscou o recursos com senadores e deputados federais, por meio de emendas parlamentares para realização do Forricó. - Reprodução MPCE

A prefeitura de Icó, município na região centro-sul do Ceará, conseguiu reverter na Justiça o cancelamento do Forricó 2024, e o evento começa nesta quarta-feira (10) e segue até domingo (14). A notícia foi compartilhada pela prefeita Laís Nunes (PT) ainda na noite de segunda-feira (8) nas redes sociais.

Na terça-feira (9), a prefeita amanheceu na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) distribuindo o convite da festa para os parlamentares. Entre eles, o presidente da Alece, Evandro Leitão, e o líder do governo, o deputado Romeu Aldigueri.

“Esse evento é parte da cultura local e regional, gerando empregos, renda e aquecendo a economia, além de alegrar a cidade, trazendo turistas e brincantes de todo o Brasil”, escreveu a prefeita.

Mesmo com o Ministério Público do Ceará (MPCE) recomendando o cancelamento da festa por conta do déficit orçamentário, a divulgação do Forricó não parou. Na Ação Civil Pública (ACP), o MP argumenta que os valores pagos para contratar os dois principais artistas da festa - os cantores Gusttavo Lima e Wesley Safadão (R$ 4,732 milhões) superam em mais de R$ 1 milhão a dotação prevista para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Cultura e Turismo do município.

Em entrevista ao Brasil de Fato CE, o promotor Pedro Régis, titular da 4ª Promotoria de Justiça de Icó, disse que não é atribuição do MP cancelar este ou qualquer evento, mas, sim, proteger os recursos públicos que iriam ser remanejados de outras pastas fundamentais para custear o pagamento dos artistas.

“Nossa ação era baseada em dois motivos e um deles era o déficit orçamentário. Ao analisar a documentação, percebemos que a dotação orçamentária prevista para a secretaria era de R$ 3 milhões, e só o pagamento dos cantores Gusttavo Lima e Wesley Safadão ultrapassa em mais de R$ 1,5 milhão o orçamento da pasta”, explica.

Segundo o promotor, o município tentou usar parte da verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), da Educação e da Assistência Social para o pagamento dos artistas, mas a prefeitura de Icó recuou após investigação do MP e buscou recursos com senadores e deputados federais, por meio das “emendas PIX”, aquelas que são repassadas aos municípios, sem prestação de contas.

“Essa é a irregularidade, e nós evitamos que isso acontecesse, já que a prefeitura de Icó conseguiu arrecadar, via emendas parlamentares, o valor de R$ 3 milhões e, por conta disso, a Justiça autorizou o evento. Ao meu ver essa era a fundamentação maior da ação. Então, o que parece ser uma derrota, é na verdade uma vitória da atuação ordinária do Ministério Público que trabalha como fiscal do patrimônio público”, enfatiza o promotor. 

De acordo com Régis, a ação do MP também foi baseada em denúncias de irregularidades no funcionamento de serviços públicos do município, protocoladas na Promotoria de Icó. “Sobre esses procedimentos, estamos colhendo depoimentos e tentando acordos extrajudiciais. Já sobre a festa, iremos fiscalizar os contratos relacionados à montagem da estrutura para saber se está tudo certo. A sociedade pode ficar tranquila que o trabalho está só começando. Não vamos esmorecer”, destacou. 

O Brasil de Fato CE entrou em contato com a prefeitura de Icó e com Laís Nunes, mas até o fechamento da matéria não obteve retorno.

Fiscalização

Na semana passada, o MPCE também havia pedido a suspensão ou cancelamento parcial da festa de aniversário de 192 anos do município de Crateús, que custou aos cofres públicos cerca de R$ 1,4 milhão apenas para o pagamento dos artistas. 

"Valor considerado desproporcional com a circunstância financeira do município e a situação de emergência decretada pela gestão em função da estiagem", argumentou o MP. 

Ao declarar situação de emergência, o município alegou não ter capacidade logística para distribuir água potável na zona rural. Mas o valor gasto para comemorar o aniversário da cidade, segundo o MPCE, é suficiente para adquirir oito carros-pipas. O evento, no entanto, foi autorizado pela Justiça e realizado no último dia 3 de julho.

Em Crateús, a festa de aniversário do município começou a ser programada antes do atual prefeito, Dr. Nenzé (PSB), assumir a gestão. Em 22 de maio, o prefeito eleito, Marcelo Machado (Solidariedade), foi afastado por suspeita de irregularidades em contratos da prefeitura. Antes mesmo das denúncias, os colegas de chapa em 2022 já haviam rompido politicamente.  

Ano eleitoral

Com a realização dessas e de outras festas tradicionais já agendadas, cabe agora a fiscalização dos eventos para que eles não sejam utilizados com fins de campanha eleitoral. Embora nos casos citados na reportagem, a atuação do MPCE tenha sido no âmbito do patrimônio público, em ano eleitoral, como o de 2024, o trabalho é ainda mais desafiador.

Em 6 de julho começou a valer uma série de proibições aos candidatos – sobretudo aos que ocupam cargos públicos. A maioria das vedações está prevista na Lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para o pleito. 

As recomendações envolvem propaganda eleitoral antecipada, concessão de benefícios a eleitores, associação da imagem do futuro candidato a programas sociais e divulgação de pesquisas sem registro na Justiça eleitoral.

Está proibido, por exemplo, o candidato, especialmente se for gestor da cidade, subir ao palco dos eventos para ser ovacionado por artistas contratados durante a pré-campanha.

“É a quebra do equilíbrio na disputa e se configura como propaganda eleitoral antecipada. Nas eleições tem que haver igualdade de oportunidades. Se o gestor usar a máquina pública para promover sua campanha, o adversário estará em desvantagem”, explica o procurador de Justiça Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel), do MPCE.

Girão também alerta que o candidato pode responder por abuso de poder econômico e/ou de poder político. “Comprovada a gravidade do fato, além da multa [R$ 5 mil a R$ 25 mil], o candidato poderá ter o registro ou o diploma cassado ou mesmo se tornar inelegível” ressalta o procurador.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia