Após a esquerda contrariar as previsões e ficar em primeiro lugar nas eleições legislativas da França no último domingo (7), parlamentares do Congresso Nacional ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que veem no pleito no país europeu sinais que podem ser absorvidos no Brasil. As projeções para o segundo turno na França indicavam vitória da extrema direita, encabeçada por Marine Le Pen, que acabou ficando em terceiro lugar no ranking de cadeiras conquistadas. O resultado veio depois de algumas lideranças abandonarem as candidaturas para se unirem em uma coalização que pudesse barrar os seguidores de Le Pen.
Um dos principais veteranos da política legislativa brasileira e senador desde 2003, Paulo Paim (PT-RS) considera o resultado das urnas na França como “gratificante” em termos de demonstração de força e “grandeza política” do campo da esquerda. “Frente a essa realidade, nós do Brasil precisamos entender a importância de trabalhar uma frente ampla de centro-esquerda porque senão, daqui a dois anos, podemos ter um retrocesso ainda maior no parlamento brasileiro em relação à realidade de hoje.”
Integrante do Grupo Parlamentar Brasil-França da Câmara, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) diz enxergar “lições” na dinâmica adotada pela esquerda francesa. “Eles reagiram a tempo de derrotar a extrema direita. Não tenho dúvidas de que essa foi uma vitória histórica, e isso fez com que o povo francês acordasse para o que é o significado da extrema direita. Espero que isso dê uma linha para fazer com que os Estados Unidos, a América Latina e, especificamente, o Brasil reflitam sobre o quanto o extremismo é perigoso para o mundo.”
Apesar da vitória da esquerda, o segmento não obteve maioria no parlamento. Das 577 cadeiras em disputa, o grupo conquistou 182. Em segundo lugar, vem o bloco do presidente Emmanuel Macron, o Juntos, que terá 168 mandatos. A extrema direita, antes apontada como favorita na corrida, abocanhou 143 postos no parlamento. Representantes de outras tendências somaram 84 cadeiras.
Para Lídice da Mata, a derrota inesperada da extrema direita não deixa de ser um ponto de realce porque, apesar do terceiro lugar conquistado pelo grupo, houve crescimento da presença do segmento no parlamento francês. A representatividade subiu de 15,25% para 24,78%.
“Acho que isso é um alerta que faz com que seja necessário que a gente comece a discutir no Brasil um programa, uma plataforma que una segmentos democráticos e também que possa garantir à esquerda o seu espaço. As frentes amplas devem acontecer antes das frentes políticas voltadas às eleições para que o resultado possa refletir um crescimento e uma vitória dessas forças com um programa minimamente unificado”, defende.
Estímulo
Para a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), integrante da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, a vitória da esquerda francesa ajuda a trazer oxigênio para quem atua no segmento aqui no Brasil. “Isso é muito importante porque dá um alento. Mostra que, mesmo nos cenários mais complexos, quando as pessoas pegam pra si a responsabilidade de definir o futuro da política, do país, isso pode gerar uma saída diferente daquela que o mundo, os analistas, os economistas esperam. Ou seja, isso mostra que a própria população pode definir os rumos da política.”
Sem se ancorar na ideia de busca por uma frente ampla no Brasil para 2026, a parlamentar acredita que as eleições francesas indicaram que ainda há espaço para setores mais programáticos de esquerda no cenário político. “A alternativa, na minha avaliação, somos nós, a esquerda radical, que questiona um status quo, que tem propostas mais radicais por irem na raiz dos problemas e dos debates. Já temos alguns temas aqui na mesa com relação a isso. É o caso da PEC das Drogas, por exemplo. Penso que as eleições francesas podem dar um pouco o caminho sobre como enfrentar tudo isso.”
Agenda
Integrante da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e atual vice-presidente da representação brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasur), Arlindo Chinaglia (PT-SP) afirma que a liderança da esquerda nas eleições do país europeu demonstra a necessidade de, aqui no Brasil, o segmento também se voltar de forma mais concentrada para os interesses da classe trabalhadora.
“Olhando a situação de um político como Macron, que adota políticas neoliberais e que acompanhou as piores decisões da Otan [nos últimos tempos], acho que há recado: um governo que não corresponde às aspirações populares pode hoje ser substituído numa velocidade muito maior do que outrora. Diante disso, acho que nós não devemos abdicar e, ao mesmo tempo, nem nos intimidar com o alarido de uma pesquisa ou mesmo de qualquer outro alarido. Mesmo se acontecer de a esquerda ficar enfraquecida, nós não temos outa alternativa: temos que lutar.”
Na avaliação do petista, o caminho a ser traçado adiante pela esquerda precisa priorizar pautas conjuntas da classe trabalhadora em detrimento de agendas que segmentem a sociedade. “Acho que o principal embate é entre capital e trabalho”, disse, ao ser questionado se o método adotado por grupos identitários tem relação com essa análise. “Não tenho dúvida de que esse caminho não é o melhor pra própria humanidade”, acrescenta o parlamentar.
“Parto do pressuposto de que as pessoas precisam ter uma vida melhor. Isso não significa de forma alguma não reconhecer as dificuldades e o valor da cultura indígena, de não reconhecer a brutal desigualdade racial ou de não reconhecer que as mulheres sofrem pela misoginia, pela diferença salarial, pela tripla jornada de trabalho, por exemplo. Qualquer partido que se entenda minimamente como esquerda tem que abraçar essas causas porque elas são justas. Agora, transformar isso na linha de frente [da esquerda] de maneira permanente eu acho que é um erro de abordagem. Isso precisa ser debatido porque há um silêncio cúmplice, até por certa preocupação em não desagradar”, analisa.
Para Chinaglia, o debate principal passa pela assimetria de forças entre a classe trabalhadora e o patronato. O problema ganhou fôlego especialmente com a aprovação da reforma trabalhista do governo Temer, chancelada pelo Congresso em 2017. “Temos que valorizar o trabalho frente ao capital e fazer esse enfrentamento. Há quem diga que, se o povo brasileiro soubesse o que é a mais-valia, ele seria capaz de fazer uma revolução. Exageros à parte ou não, o fato é que as pessoas acham normal o Brasil ter poucos milionários, bilionários e ter milhões e milhões de pessoas passando fome, desempregadas ou vivendo em condições infra-humanas. Pra uma parcela das pessoas, isso é normal. Quando falo de disputar valores, estou falando também disso. Não é só fazer o combate à pobreza. Ele é um grande passo, um passo decisivo, mas é preciso valorizar o trabalho.”
Edição: Rodrigo Chagas