Um grupo de 25 mulheres praticantes de corrida de rua estão mobilizadas para dar visibilidade à pauta da segurança durante exercícios em espaços públicos de Porto Alegre. Na última semana, foram divulgados diversos casos de assédio e importunação sexual à corredoras, o que despertou indignação das participantes. As vítimas também relatam descaso da Guarda Municipal no monitoramento, acolhimento e averiguação das denúncias. Juntas, elas agora organizam uma manifestação e exigem providências da secretarias municipais de Segurança e do Esporte e Lazer.
A mobilização teve início a partir do caso da assistente social Aline Davila. Na última quarta-feira (3), às 6h30 da manhã, ela foi ao Parque Farroupilha, na Redenção, para praticar o treino de corrida, como já faz há três anos e meio.
Como qualquer mulher que anda pela cidade nesse horário, seguia bem atenta aos movimentos no entorno do parque. Aline encontrou com o grupo de assessoria de corrida, que optou por se exercitar no espaço situado entre o espelho d'água e o Monumento ao Expedicionário.
Bem em frente ao chafariz, Aline notou um homem sentado em um dos bancos do parque. Na segunda metade do treino, o homem assobiou como se a chamasse. Quando olhou na direção dele, percebeu que ele gemia e tocava as partes íntimas.
Assim que se deu conta do que acontecia, a corredora começou a gritar, denunciando a presença do abusador no parque para chamar a atenção do treinador e demais transeuntes.
Quando o treinador e outros colegas do grupo de corrida se aproximaram, o abusador fugiu. Toda essa situação ocorreu em um lugar que fica em torno de 300 metros do Posto Avançado da Guarda Municipal, e nenhum guarda se dirigiu até o local para averiguar a situação.
"Eu tive que parar meu treino e ir até o posto da Guarda Municipal. Só que quando cheguei lá, notei que o guarda que me atendeu estava muito mais interessado em olhar para as minhas pernas do que em ouvir o meu relato. Foi como um segundo assédio. Uma segunda violência", relata Aline.
Segundo ela, quando questionados, os guardas alegaram que não ouviram os pedidos de socorro e que não poderiam fazer nada, pois estavam em troca de turno.
A prefeitura, na inauguração do posto, no final de julho de 2023, informou que as imagens obtidas pelas 26 câmeras de monitoramento do parque estariam à disposição dos agentes, em tempo real.
Após exposição do caso, vieram novas denúncias
Aline decidiu não se calar e expôs o caso nas redes sociais, na intenção de alertar outras esportistas. O relato gerou uma avalanche de revolta e abriu espaço para outras denúncias. Pelo menos quatro mulheres contaram que também sofreram assédio na mesma situação. Três delas no Parque Farroupilha e uma na Orla do Guaíba, próximo ao Estádio Beira-Rio. São quatro casos de assédio em 48 horas.
O receio do abuso e do assédio é constante na vida das mulheres, em diferentes situações. Aline teve medo de que a denúncia pudesse afastar as mulheres do esporte, mas se manteve firme na decisão de falar sobre o ocorrido.
A assistente social consultou colegas e reuniu 25 mulheres corredoras que resolveram se manifestar a respeito dos casos. Elas criaram um grupo no WhatsApp com objetivo de se acompanharem nos treinos, passarem informações sobre a segurança dos locais e pensar saídas coletivas para a segurança das mulheres nos espaços públicos.
Elas também estão se mobilizando por meio de um abaixo-assinado e pedem providências da Secretaria de Segurança Pública para evitar que o pior aconteça.
Manifestação no sábado
As corredoras estão convocando mulheres para um trote coletivo (corrida de ritmo lento) que vai ocorrer às 6h30 deste sábado (13), partindo do Parque da Redenção e indo até a Orla do Gasômetro, com cerca de 3km. O movimento simboliza o direito das mulheres de ocuparem as ruas e praticarem esportes em segurança.
"Estamos num momento de calamidade pública, que favorece o acontecimento desse tipo de situação, mas é necessário exigir providências. Não podemos esperar que o pior aconteça", reforça Aline.
A campanha busca por respostas da Secretarias de Segurança e da Secretaria do Esporte e Lazer de Porto Alegre e conta com o apoio de figuras públicas de dentro e de fora do meio da corrida.
O estudo "Percepções sobre segurança das mulheres nos deslocamentos pela cidade", lançado em 2021 pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, mostra como uma geografia feminista pode minimizar os casos de assédio sofridos por mulheres. Em resumo: um espaço onde uma mulher puder passar com segurança é um espaço onde qualquer outra pessoa é capaz de se sentir segura.
No grupo do WhatsApp, as mulheres também debatem estratégias individuais de precaução, como o uso de apitos, além de utilizar o canal de comunicação para pensar na locomoção conjunta e horários de treinos acompanhados. O abaixo-assinado está sendo utilizado como instrumento de pressão política, assim como o incentivo de registro de boletim de ocorrência para esses casos, que possam contribuir com a geração de dados.
O que diz a Secretaria Municipal de Segurança
Em resposta ao Brasil de Fato RS sobre as denúncias, a Secretaria Municipal de Segurança disse que os registros de boletim de ocorrência são de responsabilidade da Polícia Civil, bem como as imagens das câmeras de segurança da Redenção.
Confira, na íntegra, a nota enviada pela assessoria de imprensa do órgão:
O procedimento legal para vítimas de violência contra a mulher é o registro junto à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, da Polícia Civil. Não há possibilidade de registrar ocorrências policiais no Posto Avançado da Guarda Municipal na Redenção, criado para intensificar a presença da corporação no parque e facilitar o deslocamento de guarnições. Esta é a orientação dada pelos agentes no local.
As informações solicitadas para registro de boletim de ocorrência são de atribuição da Polícia Civil e Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP/RS), que administram o sistema.
As câmeras de videomonitoramento administradas pelo Centro Integrado de Coordenação de Serviços (Ceic-POA), incluindo os equipamentos da Redenção, estão à disposição da Polícia Civil. O responsável pela investigação solicita as imagens ao órgão, que atende prontamente o pedido. Nenhum arquivo é compartilhado diretamente com o cidadão, em razão das restrições importas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira