Avaliação

'Regulamentação da reforma tributária traduz convergência entre Lira e governo', diz relator de texto na Câmara

Texto de PLP foi aprovado nesta quarta, após 227 horas de debates e ampla costura com diferentes segmentos

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
O líder do governo Lula na Câmara, José Guimarães (PT-CE) - Mário Agra/Câmara dos Deputados

Após o plenário da Câmara dos Deputados chancelar a regulamentação da reforma tributária nesta quarta-feira (10), o relator do texto na Casa, Reginaldo Lopes (PT-MG), disse que a aprovação da proposta resulta de uma associação de forças entre o presidente Arthur Lira (PP-AL) e o governo federal. A medida aprovada pelos parlamentares é um substitutivo apresentado pelo petista após 277 horas de debate com diferentes segmentos políticos, sociais e econômicos no período entre abril e julho deste ano.

"Este é um momento de convergência entre dois grandes líderes do Brasil, o líder Arthur Lira, que converge junto com o presidente Lula na perspectiva de permitir que a proteína animal, por exemplo, possa chegar na mesa do povo brasileiro. E como se deu essa convergência? Com base num diálogo democrático", disse Lopes. Lideranças do governo disseram que alguns pontos da reforma ainda seguem pendentes, como é o caso do impacto da inclusão da carne na cesta básica de alíquota zero, item que foi acrescentado ao texto somente de última hora e após queixas e muitas costuras políticas.


Reginaldo Lopes (PT-MG), relator do PLP e regulamentação da reforma tributária na Câmara / Mario Agra/Câmara dos Deputados

"A matéria vai agora ao Senado e tem tempo pra gente avaliar. O cálculo inicial de 26,5% [de alíquota] é uma projeção. Eu acho que o que é fundamental é que a reforma reduz a carga tributária de 34,4% pra, no máximo, 26,5%, 27%", disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). O petista disse ver a aprovação da regulamentação como "marca maior" no rol de pautas de interesse da gestão que foram apreciadas e receberam aval dos deputados neste primeiro semestre do ano.

O texto aprovado nesta quarta é o parecer sobre o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, de autoria do Poder Executivo, que fixa regras relativas à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e ao Imposto Seletivo (IS), que irão substituir um conjunto de cinco impostos hoje adotados no país. A ideia é unificar e simplificar o sistema tributário.

"O próprio sistema da reforma tem mecanismos que farão com que a carga seja ajustada. O processo está em aberto ainda, o Senado terá a oportunidade de, neste curso de tempo, nós analisarmos melhor todas as projeções. Como nós garantimos, portanto, que não haverá aumento da carga tributária? O sistema vai se ajustar. E também, como vem sendo dito, nós não encerramos o processo. Nós teremos tempo de analisar melhor todos os números", disse o líder da bancada do PT na Câmara, Odair Cunha (MG), após a votação do texto-base.

A aprovação do PLP nesta quarta vem após o Congresso chancelar, no final do ano passado, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/19, que estabelece a criação do novo sistema tributário, mas carecia de regulamentação. "Nós votamos este semestre 82 matérias de interesse do governo aqui. Foram quatro medidas provisórias (MPs), 55 projetos de lei (PLs), três projetos de lei complementar (PLPs), 15 projetos de referendos e acordos internacionais e, ainda não está aqui [nessa contagem], a marca maior, o símbolo maior de hoje, que é o semestre sendo encerrado com esta votação", contabilizou Guimarães.

Críticas

O texto do PLP enfrentou rejeição da liderança da oposição, que antes da votação havia fechado questão contra a proposta. O grupo reúne PL, Novo e alguns integrantes do campo da direita vinculados a algumas outras siglas. O segmento tentou aprovar um requerimento de retirada de pauta para que o PLP não fosse votado neste semestre e seguiu investindo na narrativa de que a proposta implementa um aumento de impostos no país. O discurso ficou por conta especialmente do líder da oposição, Filipe Barros (PL-SC), que chegou a empunhar cartazes de protesto em uma coletiva ocorrida nesta quarta (10). O deputado Ivan Valente (Psol-SP) esteve entre os que rebateram a acusação do campo.

"É má-fé, porque não é isso que está no texto e não existe aumento de impostos. Poderia até ter, mas não tem porque [a proposta] é feita exatamente pra balancear [o sistema] tendo uma alíquota padrão. Então, isso é uma grande mentira. A segunda questão é que nós precisamos de uma reforma tributária. Ela foi votada na Emenda Constitucional 132 [ex-PEC 45] e ganhou coisas importantes, como fim da cumulatividade [de impostos], eliminação das múltiplas legislações, eliminação da tributação em cascata, fim da guerra fiscal, transparência pro consumidor", argumentou.

O psolista também chamou a atenção para outros aspectos, como a força do lobby de determinados setores em meio às articulações políticas em torno da regulamentação. "Quem tem força nisso é o lobby do agronegócio, da indústria, do setor de serviços, que são ligados à direita nesta Casa. É isso que está acontecendo aqui porque lá tem desconto de 30%, 60% ou de 100% pra setores. Nós poderíamos contestar vários deles aqui. O que ocorre é que nós precisamos botar em prática uma reforma tributária pra que não fique o sistema iníquo, caótico que existia e em que se sonegava muito imposto. O que interessa aqui pros trabalhadores é o cashback", ponderou.

Números

Assim como ocorreu no ano passado, quando foi aprovada a PEC, a votação do PLP 68 envolveu um conjunto amplo de atores e grupos de interesse. Dados oficiais da Câmara mostram que o processo legislativo em torno da regulamentação gerou 22 audiências públicas sobre o tema, com 408 expositores ouvidos. Nas 227 horas de reunião registradas pela Casa, 1.344 representantes de segmentos foram ouvidos. As costuras políticas foram distribuídas em 231 mesas de diálogo com entidades e especialistas, assim como envolveram estados e municípios.

Os debates se deram em diferentes fases. O PLP foi recebido formalmente pela Casa no final de abril e passou a ser tema de um grupo de trabalho (GT) cerca de um mês depois. O grupo ouviu 936 representantes de setores, segundo os números da Câmara, até que a proposta recebesse as primeiras versões do substitutivo e fosse discutida em plenário. O GT foi alvo de muitas críticas da oposição porque, diferentemente das comissões legislativas, esse tipo de espaço de debate não tem previsão regimental e não segue as regras do rito convencional de análise de matérias na Casa. Além disso, o GT é uma instância de representatividade reduzida e contou apenas com sete parlamentares. A Câmara tem atualmente deputados de cerca de 20 partidos, parte deles aglutinada em blocos de diferentes siglas.

As principais críticas ao tamanho e ao perfil do GT vieram do partido Novo, que não teve representantes no grupo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), comentou o assunto momentos antes da votação. Ao citar o número de correligionários dos partidos representados, ele argumentou que o GT teve a participação das principais siglas da Casa. Foram elas: PL (93 deputados), PT (68), União Brasil (58), PP (51), MDB (44), Republicanos (44) e PSD (44).

"Num tema como esse, ninguém agrada todo mundo. É muito difícil, mas a Câmara não pode, independentemente do resultado da votação de hoje, sair arranhada com falas dizendo que não houve debate, tempo de amadurecimento e diálogo. A responsabilidade de cada partido ficou por conta do membro de cada partido e os outros partidos receberam visitas dos relatores setoriais [do PLP] e do relator geral durante estes dias para esclarecer todos os parlamentares", afirmou o pepista, ao dizer que o tema é "complexo e muito intrigante".

Edição: Nicolau Soares