CONFLITO NO CAMPO

Suzano ataca trabalho desenvolvido pela Vara Agrária do Maranhão

Em ofício ao TJMA, empresa de celulose pede adoção de medidas contra o que chama de 'trabalho tumultuoso'

Brasil de Fato | Imperatriz (MA) |
Comunidades rurais do Maranhão cercadas por eucaliptos vivem sob constantes ameaças - Mariana Castro

Por meio de ofício encaminhado à presidência do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), a empresa Suzano, maior produtora global de celulose de eucalipto, fez duras críticas ao trabalho da Vara Agrária do Maranhão, responsável pela mediação de conflitos no campo e pede adoção de providências ao que chama de "trabalho tumultuoso".

No entanto, setores jurídicos de movimentos populares denunciam que o pedido se caracteriza enquanto tentativa ilegal de interferência ao trabalho desenvolvido e alertam para os riscos da ação.

"Esse ofício é uma clara demonstração de uma tentativa de tráfico de influência de uma empresa super poderosa economicamente junto à presidência do Tribunal de Justiça do Maranhão. É algo muito grave", explica o advogado e assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Rafael Silva. "Se há algum tipo de tomada de providências que a empresa considere contra algum magistrado, isso deve ser feito através de Corregedoria de Tribunais e do Conselho Nacional de Justiça."


Em 2020, incêndio iniciado em fazenda de eucalipto atingiu quilombo Cocalinho, em Parnarama (MA) / Reprodução

De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2023, da CPT, o Maranhão ocupa o terceiro lugar no ranking nacional de conflitos no campo, sendo o principal deles os conflitos por terra envolvendo empresas como a Suzano. Foi diante dessa realidade histórica que, em 2019, foi criada a Vara Agrária no estado, com o objetivo de mediar e solucionar conflitos fundiários coletivos.

"Imagine se os quilombolas que são violentados, os indígenas que são ameaçados e assassinados, os camponeses que vivem em situação de conflito no campo no Brasil tivessem a iniciativa de enviar um ofício com teor semelhante, a resposta que teriam? Então é necessário que a presidência do Tribunal de Justiça dê uma resposta contundente", complementa o advogado Rafael Silva.

Listado entre os estados com maior população rural no Brasil e aqueles com o maior número de conflitos por terra, o Maranhão possui mais de 65% dos casos judicializados.

"Quando essas decisões são favoráveis às famílias, as grandes empresas buscam meios de representar juízes, magistrados e também intimidar membros do Ministério Público Federal e Estadual por meio de representações", explica o advogado popular Diogo Cabral. "É preocupante essa situação, especialmente no momento em que sabemos que comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras rurais são fundamentais para a manutenção das florestas e a produção de alimentos."


A empresa Suzano mantém aproximadamente 1,3 milhão de hectares de eucalipto plantados. / Felipe Cunha

Além de conflitos, a expansão do eucalipto no Maranhão tem provocado transformações na estrutura produtiva de pequenas propriedades rurais, seja pela ocupação de terras ou pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. Por isso, lideranças de comunidades tradicionais defendem a atuação da Vara Agrária e de seus territórios.

"É muita ameaça, ameaça não só no território com o uso de agrotóxicos, como ameaça de morte mesmo e isso é muito complicado para a vida da gente no território", lamenta Raimunda Nonata, liderança do Quilombo Cocalinho, no município de Parnarama, no Maranhão. "O que a gente produzia, hoje a gente já não consegue produzir. É muito agrotóxico. Se a gente produzia 100%, hoje a gente está produzindo só 30% e a tendência é diminuir."


No Quilombo Cocalinho, famílias são ameaçadas e produção da agricultura familiar é atingida por agrotóxicos./ Leandro dos Santos

A comunidade quilombola de Cocalinho historicamente luta pela titulação do território, enquanto enfrenta conflitos por grilagem, desmatamento, incêndios florestais e contaminação por agrotóxicos oriundos de empreendimentos de fazendas de soja e monocultivos de eucalipto.

"Tenho muito medo de a gente perder total o nosso modo de vida, de plantar, de colher. Porque, se a gente não tem alimento, não tem como a gente sobreviver. Então temos que estar fazendo o enfrentamento, nós, as comunidades quilombolas do Maranhão", desabafa Raimunda Nonata.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Maranhão informa que o ofício encaminhado pela Suzano se encontra em análise pela Corregedoria Geral da Justiça. Já a empresa aponta que não comenta processos judiciais e administrativos em curso e ressalta que cumpre integralmente as legislações ambientais e trabalhistas aplicáveis às áreas em que mantém atividades, destacando a relevância da sua presença nas regiões onde atua.

Edição: Martina Medina