Cotas mudaram a paisagem das universidades e as demandas epistemológicas, teóricas
Já finalizado, o novo livro de Jeferson Tenório ainda não pode ter o nome divulgado a pedido da editora, mas já tem previsão de publicação. Deve chegar em novembro a nova obra do autor de O Avesso da Pele.
Carioca, Tenório desenvolveu seus estudos e escrita literária em Porto Alegre (RS), cidade que é cenário de suas obras anteriores e também de seu mais novo livro.
Neste final de semana, o escritor participa de uma evento organizado pela Uneafro no centro de São Paulo. A participação é gratuita, mas necessita de inscrição prévia que pode ser feita neste link.
O Avesso da Pele foi lançado em 2020 e, no ano seguinte, ganhou o Prêmio Jabuti. Depois disso, foi incluído pelo Ministério da Educação (MEC) para leitura nas escolas públicas, após ter sido aprovado nos critérios do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
No entanto, foi em março deste ano que a obra alcançou o maior número de vendas, uma resposta às tentativas de censura que o livro sofreu em alguns estados do país que resolveram retirar a obra das escolas. Foi o caso de Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás. Os dois últimos voltaram atrás na medida após a repercussão negativa.
A nova obra de Jeferson Tenório também terá como ambiente uma universidade e o protagonista será um professor, adiantou o escritor.
"Também tem a sala de aula envolvida, mas aí já é no ambiente acadêmico, né? Então a ideia é trazer uma reflexão sobre a produção intelectual de pessoas negras na universidade", disse Tenório em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (12)
"E também sobre toda a discussão da entrada e permanência de pessoas negras nas universidades públicas. Eu acho que o sistema de cotas foi uma revolução silenciosa no Brasil e que mudou, digamos, a paisagem das universidades e também mudou as demandas epistemológicas, teóricas."
O escritor confirmou que o roteiro do filme de O Avesso da Pele, que tem direção de Silvio Guindane, está pronto, mas as filmagens não foram iniciadas por conta da tragédia no Rio Grande do Sul, onde o longa será rodado.
“As filmagens tiveram que ser adiadas porque iam ser feitas no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, onde se passa a história. Mas tudo leva a crer que devem ser retomadas no início do ano que vem.”
Confira a entrevista na íntegra
Desde quando você acompanha o trabalho da Uneafro, que promove a união de núcleos de educação popular pré-vestibulares e ENEM para a juventude negra, indígena e periférica?
Faz pouco tempo que eu conheço o trabalho da Uneafro. Estou morando em São Paulo há um ano e, vindo para cá, comecei a ter mais informações, depois também fiquei sabendo dos 15 anos de trabalho com as comunidades da periferia e também fazendo um trabalho muito forte com a consciência social e racial.
A minha relação com a Uneafro tem a ver com o meu processo de consciência racial, que também se deu de forma tardia. Eu só comecei a compreender o racismo depois dos 30 anos.
Compreender de forma teórica, porque eu já entendia na prática.
Como foi e está sendo acompanhar a crise do Rio Grande do Sul à distância?
Eu vejo que é um cenário de fim de mundo. O Rio Grande do Sul experimentou o que seria, de fato, a extinção da humanidade, porque as imagens são aterradoras.
É fruto também de negligência, da prefeitura, quanto do governo do estado, uma negligência que já vem também de outros governos.
Nesse momento, a gente não tem que pensar só na recuperação, mas também na prevenção. Essas enchentes estão ficando cada vez mais próximas, muito provavelmente a gente vai ter outra, talvez na mesma gravidade ou até mais grave do que essa.
Temos que nos preocupar com a prevenção e também com os mais vulneráveis, que foram os mais atingidos nas comunidades periféricas, negras, a gente pode falar de um racismo ambiental também.
Você vê uma preocupação com a recuperação com a área cultural? Por exemplo bibliotecas?
É num cenário de guerra. A gente pode ver o que aconteceu na pandemia. Os primeiros cortes foram na cultura porque é considerado algo supérfluo, que não tem a ver com as necessidades básicas.
Eu acho que o acesso à cultura é uma necessidade básica, assim como a comida, como a moradia. Eu não tenho acompanhado o quanto os governos têm apoiado iniciativas de reconstrução de livrarias e de bibliotecas. A gente sabe que algumas editoras perderam muitos exemplares nas enchentes, livrarias também.
Autores e escritores que tiveram casas invadidas pela água. O que eu tenho percebido é talvez um aprofundamento da negligência em relação ao acesso à cultura.
Essa crise deve influenciar sua escrita? Você está pensando em um livro que aborde o tema?
Porto Alegre ainda é a cidade onde eu acabo ambientalizando os meus livros. O próximo livro ainda se passa em Porto Alegre. Mas eu sempre costumo escrever já com as experiências já trabalhadas internamente.
Dificilmente eu vou trabalhar algum tema ou algum texto muito recente, porque eu preciso desse tempo de fazer uma análise.
Provavelmente não só eu, mas outros autores vão produzir também livros que façam essa referência ao que aconteceu no Rio Grande do Sul. Acho que é uma forma de lidarmos com o luto, dessa perda desse estado que não vai mais ser o que era.
Mas, no meu caso, eu sempre prefiro deixar passar.
Então, por isso, na produção desse livro, especificamente, não houve nenhuma alteração. Eu só segui mesmo o meu plano, meu projeto literário e terminei o livro.
O livro está pronto, então. Temos alguma novidade a respeito de publicação?
A novidade é que vai sair esse ano. Ainda não posso falar o título, nem falar muito sobre o livro, mas a editora pelo menos me garantiu que saia esse ano, talvez em novembro.
O que você pode adiantar da sinopse?
Vai ficar um pouco ainda no ambiente estudantil, porque a escola faz parte também da minha trajetória como professor.
É um ambiente também que eu costumo colocar nas minhas narrativas, tanto no Beijo na Parede, Estela sem Deus e, mais especificamente, no O Avesso da Pele.
No próximo livro também tem a sala de aula envolvida, mas aí já é no ambiente acadêmico, né? A ideia é trazer uma reflexão sobre a produção intelectual de pessoas negras na universidade. E toda a discussão também da entrada e permanência de pessoas negras nas universidades públicas.
Eu acho que o sistema de cotas foi uma revolução silenciosa no Brasil e que mudou, digamos, a paisagem das universidades e também as demandas epistemológicas, teóricas.
E sobre o filme de O Avesso da Pele, com direção de Silvio Guindane, tem alguma novidade?
O audiovisual no Brasil, você sabe que não é uma coisa muito fácil, né? O livro foi comprado em 2020, antes de ser publicado. A gente já está em 2024.
O que eu posso adiantar é que o roteiro está pronto.
As filmagens tiveram que ser adiadas porque iam ser feitas no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, onde se passa a história. Mas tudo leva a crer que devem ser retomadas no início do ano que vem.
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Edição: Martina Medina