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Entenda a importância dos Núcleos de Estudos em Agroecologia, que aguardam lançamento de edital na próxima terça (16)

Ouvido pelo Brasil de Fato, presidente da ABA destacou a relação do conhecimento agroecológico no nosos dia a dia

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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maricá agroecologia
Havia expectativa de lançamento edital em novembro do ano passado, durante o Congresso Brasileiro de Agroecologia, no Rio de Janeiro - AS-PTA

A construção do conhecimento é um dos alicerces para a afirmação de uma sociedade mais agroecológica. Considerando as práticas em campo e a militância dos movimentos populares, a educação – formal, informal e não-formal – movimenta e fortalece o avanço da sustentabilidade ambiental, social e econômica no nosso dia a dia. Uma das referências nesse sentido são os Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs).

Esses grupos atuam em instituições de ensino e pesquisa pelo país e integram a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Na última quarta-feira (10), o governo federal deveria anunciar novos editais de apoio aos NEAs pelo país, mas a chamada pública foi adiada. A previsão agora é que o lançamento seja feito na próxima terça-feira (16), dentro do 3º Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo).

Para o professor José Nunes, presidente da ABA, o lançamento está sendo aguardado para apoiar iniciativas concretas que dependem do apoio à construção do conhecimento agroecológico. Ele exemplifica o trabalho dos NEAs na promoção da alimentação saudável e na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, considerando os núcleos como uma "das principais células da construção do conhecimento que reverbera de várias formas na sociedade, tanto na formação quanto nos serviços diretos prestados às comunidades e às pessoas".

José Nunes é também docente do Programa de Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal Rural de Pernambuco (PPGADT/UFRPE). Ele conversou com o Brasil de Fato em entrevista ao programa de rádio Bem Viver.

Leia a entrevista abaixo ou ouça no tocador abaixo do título desta matéria.

Brasil de Fato: O que são os NEAS?

José Nunes: Os NEAS têm a sua origem na década de 1980 no Brasil. Na época, havia um movimento muito forte de agricultura alternativa, discutindo o modelo produtivo da agricultura, dita moderna, que usa muitos insumos químicos, como os agrotóxicos e adubos sintéticos. Desse movimento vão surgir pelo menos dois marcos. Um é o grupo de Agricultura Ecológica, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e o outro é o Grupo Verde de Agricultura Alternativa, da então Escola Superior da Agricultura de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Isso tudo aconteceu no início dos anos 1990, entre 1992 e 1993. Então esses grupos, que depois vão ser chamados de núcleos, fazem parte de todo esse movimento da construção da agricultura alternativa e da agroecologia no Brasil.

Os NEAs, como são chamados especificamente, surgem daí, e passam a ter um impulso maior nos anos 2000, principalmente a partir de 2010, quando surge o primeiro edital de apoio público aos Núcleos de Estudos em Agroecologia. Eles estão espalhados por diferentes regiões, em instituições de ensino, majoritariamente em universidades, mas também em Institutos Federais e outros centros de pesquisa, como Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] ou Empresa de Assistência Técnica, como no caso de Pernambuco, por exemplo, que um importante NEA se encontra no IPA, que é o Instituto de Pesquisa Agronômica do Estado de Pernambuco.

E os NEAs têm o papel de construir o conhecimento agroecológico a partir da interlocução com diferentes sujeitos sociais, agricultores, movimentos sociais, organizações da propriedade civil. Falamos que é uma virada no jeito de construir conhecimento que envolve a extensão [universitária] dialógica, que busca ser continuada e territorializada na discussão direta dos problemas da realidade de cada território.

Essa extensão reflete no ensino contextualizado, porque os estudantes e as estudantes da formação, que participam dos NEAs, vão construir junto com pesquisadores e pesquisadores um conhecimento que está contextualizado a partir das práticas de extensão. E uma pesquisa-ação colaborativa, porque pensamos que há diferentes conhecimentos, eles são postos em práticas a partir dos processos de construção do conhecimento feitos nos NEAs. Então tem sido muito importante para o conhecimento agroecológico no Brasil, e, por isso, vem sendo incluído no eixo de de conhecimento desde o Primeiro Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. 

E o que podemos destacar do edital que chegou a ser adiado? Quais são as expectativas e o que tem sido construído ou é esperado sobre esse edital que deve ser lançado no próximo dia 16? 

A partir dos diferentes espaços da ABA, desde novembro do ano passado, quando  realizamos o Congresso Brasileiro de Agroecologia, no Rio de Janeiro, houve uma discussão com o atual governo federal no sentido do lançamento do novo edital de apoio aos NEAs. Essa política de construção do conhecimento vem sendo apoiada pelo governo federal já há muito tempo. Nós temos dados sistematizados, inclusive em artigos acadêmicos. Somente entre o ano de 2012 e 2017 o governo federal investiu mais de R$ 40 milhões na política dos NEAs e isso fez com que esses núcleos se expandissem em todo o território brasileiro.

Então fizemos essa discussão no ano passado ainda, e esperávamos o lançamento do edital já no começo desse ano de 2024. Esperávamos que, inseridos diferentes ministérios, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Educação, da Agricultura, da Saúde, pudéssemos reunir em torno de R$ 50 milhões no edital para os núcleos de agroecologia, ainda neste ano de 2024. E o fato é que foi lançado o Plano Safra e  esse edital ainda não foi aberto.

Há uma grande expectativa dos núcleos para a retomada de trabalhos significativos em suas regiões. E como esse apoio aos NEAs faz parte do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, esperávamos que seria lançado junto com o Plano Safra, para que esse apoio se consolide, para garantir o trabalho de ensino, pesquisa, extensão, voltado à construção do conhecimento agroecológico.

O que podemos falar sobre a importância dos NEAs para a sociedade e para a ciência como um todo? 

Vivemos uma crise socioambiental muito significativa. Uma das frentes de trabalho tem sido construir o debate sobre as mudanças climáticas, por exemplo. Vemos cada vez mais os eventos climáticos extremos, como vivenciamos recentemente no Rio Grande do Sul.

Entendemos que isso faz parte da forma de como lidamos com a terra, com a natureza, a forma como produzimos alimentos impacta diretamente nisso. Temos um sério problema com a contaminação de águas, solos e alimentos. Isso tem refletido inclusive na nossa saúde, com um aumento de diferentes tipos de doenças, como tipos de câncer, que são muito graves.

Então, se é verdade que nós somos o que comemos, os NEAs são espaços que vêm contribuindo com a construção de uma outra agricultura. Uma agricultura que gera comida de verdade, que gera alimentação saudável, mas não só isso. Estamos muito além da produção, porque também trata da circulação desses alimentos, a partir dos princípios da economia solidária. Os exemplos das feiras, dos outros pontos de comercialização dessa alimentação saudável é um exemplo, mas também restaurantes populares. Então fazendo chegar comida de verdade na mesa das pessoas.

É nos NEAs onde há essa formação de profissionais capacitados para agir nessa sociedade. É nos NEAs onde temos a pesquisa voltada para a produção de circulação de alimentos saudáveis. Mas também mudando esse jeito de fazer pesquisa, fazendo com agricultores, com movimentos sociais, percebendo que todos os sujeitos são portadores de conhecimento. É aí onde a agroecologia se diferencia de outras ciências. É pensar todas essas pessoas envolvidas no território como capazes de construir conhecimento de diferentes lugares.

Então essa é uma resposta muito valiosa que os NEAs trazem para a sociedade, agindo em rede. Nós temos construído as redes de NEAs, por exemplo, no Nordeste temos a Renda. Há uma capacidade de mobilizar e fazer com que esses atores, homens e mulheres, participem de processos e tomem decisões sobre as políticas públicas, sejam nas universidades, nos institutos apoiados por essas instituições. Os NEAs têm contribuído muito para a construção do conhecimento agroecológico. Eu vou dizer sem nenhum medo de errar, que os NEAs têm sido uma das principais células da construção desse conhecimento que reverbera de várias formas na sociedade, tanto na formação quanto nos serviços diretos prestados às comunidades e as pessoas, incluindo agricultores e agricultoras e outros sujeitos do campo. 

Edição: Nicolau Soares