Consequências

Ramagem pode sair da corrida eleitoral do Rio após divulgação de áudio sobre Abin paralela, afirma cientista político

Ex-diretor da agência gravou reunião que evidencia instrumentalização em benefício de Jair Bolsonaro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ramagem esteve à frente da Abin entre julho de 2019 e março de 2022 - Pablo Porciuncula/AFP

A divulgação do áudio gravado pelo ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem (PL-RJ), que reforça a instrumentalização do órgão pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), colocou o deputado federal no centro das investigações. O impacto direto pode ser a reavaliação de sua pré-candidatura à Prefeitura do Rio de Janeiro, segundo o cientista político Elisandro Roath do Canto.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Roath do Canto afirma que atualmente o ex-diretor da Abin já tem algumas limitações na corrida eleitoral, como ser desconhecido pela maioria dos cariocas e ter à frente o atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), que lidera a corrida com 53% de intenções de voto, de acordo com o último levantamento do Datafolha, divulgado no dia 8 de julho. Ramagem tem 7%. "A divulgação desses áudios vai limitar muito mais ainda o alcance da candidatura dele”, diz o cientista político. 

De acordo com a PF, a partir do áudio, é possível “identificar” que Ramagem sugeriu a instauração de um processo administrativo contra os auditores da Receita Federal, que elaboraram o Relatório de Inteligência Financeira (RIF), utilizado no inquérito das “rachadinhas” contra Flávio Bolsonaro (PL-RJ). 

Para o público bolsonarista mais fiel, as investigações não devem ter tanto peso. No entanto, se o PL do Rio de Janeiro tiver como objetivo ampliar o eleitorado na cidade, a pré-candidatura de Ramagem pode ser colocada em segundo plano. “Resta saber se é do interesse da elite política do PL no Rio de Janeiro a manutenção da candidatura dele. Isso significaria um rearranjo de forças internas ali.” 

“O eleitorado realmente identificado com PL já tem uma resposta para esse tipo de acusação. O problema é o eleitorado mais amplo, e aí vai depender de qual é a estratégia do PL do Rio de Janeiro: reforçar a base ou ampliar o eleitorado. A decisão sobre a fragilidade ou não da candidatura do Ramagem vai ser mais de foro interno”, argumenta Roath do Canto, que é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).  

Ramagem esteve à frente da Abin entre julho de 2019 e março de 2022, quando deixou a instituição para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Hoje, ele é alvo de um pedido de cassação do mandato protocolado pelos partidos Psol e Rede Sustentabilidade em fevereiro do ano passado. Na sexta-feira, os deputados pediram ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) celeridade no processo. 

Antes de Ramagem sair da Abin, Bolsonaro indicou o nome dele para substituir Maurício Valeixo na diretoria-geral da Polícia Federal. A indicação, no entanto, foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após um mandado de segurança ajuizado pelo PDT.  

A legenda argumentou, na época, que o ex-presidente teria agido com abuso de poder por desvio de finalidade. Pouco depois da exoneração de Valeixo, Sergio Moro deixou o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública alegando interferência política de Bolsonaro na PF. 

O áudio gravado por Ramagem  

Nesta segunda-feira (25), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo do áudio gravado pelo próprio Ramagem de uma reunião do dia 25 de agosto de 2020, com as advogadas de Flávio, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

No encontro gravado, as advogadas reclamam dos procedimentos realizados na elaboração do RIF. O senador era acusado de desviar R$ 6,1 milhões de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), por meio do esquema de rachadinha – quando assessores são forçados a ceder parte dos salários para os parlamentares –, enquanto ainda era deputado estadual.  

A denúncia, entretanto, foi arquivada depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anularam as provas. A anulação teria se dado com base em documentos elaborados para confirmar a tese apresentada pela defesa do filho do ex-presidente: de que os dados fiscais foram repassados pela Receita Federal à Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antiga Coaf) de forma ilegal. 

Para isso, de acordo com o áudio gravado por Ramagem, as advogadas teriam pedido ajuda aos órgãos de inteligência do governo, como a Abin, para obter provas contra os auditores do Fisco. Bolsonaro chegou a sugerir que o então chefe da Receita, José Tostes Neto, fosse procurado. “É o caso conversar com o chefe da Receita, o Tostes.” 

Roath do Canto afirma que se tratou de uma “sistemática de poder clientelista e baseada na proteção do núcleo familiar do ex-presidente", que envolveu a atuação de Ramagem frente à Abin. “A Abin foi manipulada no sentido de benefício pessoal da liderança presidencial.” 

“O que a gente viu nos anos do bolsonarismo foram aquelas instituições com menor nível de capacidade estatal e de história institucional, como é o caso da PRF [Polícia Rodoviária Federal] e da Abin, sendo manipuladas. Ao contrário da PF, que demonstrou resistência”, afirma. 

Além de ser utilizada para barrar o inquérito contra Flávio, a Abin teria monitorado parlamentares, ministros do STF e jornalistas a fim de perseguir adversários políticos, por meio de computadores e acesso a geolocalização das vítimas sem autorização judicial. 

Outro lado 

Em nota enviada à imprensa, a defesa de Flávio Bolsonaro afirmou que a conversa gravada indica apenas que as advogadas estavam “comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar” a família Bolsonaro.  

“O próprio presidente Bolsonaro fala na gravação que não ‘tem jeitinho’ e diz que tudo deve ser apurado dentro da lei. E assim foi feito. É importante destacar que até hoje não obtive resposta da Justiça quanto ao grupo que acessou meus dados sigilosos ilegalmente”, disse a defesa. 

Já André Ramagem, em seu perfil no X, antigo Twitter, informou que Bolsonaro tinha conhecimento de que a reunião estava sendo gravada. “Essa gravação não foi clandestina, havia o aval e o conhecimento do presidente”, disse.  

“A gravação aconteceu porque veio uma informação de uma pessoa que viria para a reunião, que teria contato com o governador do Rio, à época, e que poderia vir com uma proposta nada republicana. A gravação, portanto, seria para registrar um crime contra um presidente da República. Só que isso não aconteceu e a gravação foi descartada”, afirmou. 

Edição: Felipe Mendes