Representantes de mais de 20 países participaram do quarto Fórum Trans-himalaio, organizado pelo governo da Região Autônoma de Xizang, na China, também conhecido no Ocidente como Tibete.
O objetivo do espaço é compartilhar experiências e debater cooperação nas áreas de proteção ambiental, medicina tradicional e agricultura, nessa região conhecida como Planalto Qinghai – Xizang, o mais alto do mundo, com uma altura média superior aos 4 mil metros.
A região trans-himalia inclui, entre outros, países como Afeganistão, Paquistão, Bangladesh, Nepal, China e a Índia, que não tem participado destes fóruns. O fórum acontece na cidade de Nyingchi ou Linzhi, que fica a uns 160 km de uma das regiões em disputa entre China e Índia, chamada de Zangnan pelos chineses e Arunachal Pradesh, pelos indianos.
O governo central promove Xizang como um modelo no avanço do que chama de civilização ecológica. A região possui 47 reservas naturais cobrindo uma área total de 412.200 quilômetros quadrados, e de 2016 a 2022 teve mais de meio milhão de hectares reflorestados.
Entre 2018 e 2023, o país investiu o equivalente a mais de R$ 3,5 bilhões nessa região para proteção ou restauração de montanhas, rios, terras agrícolas ou geleiras, entre outros territórios.
Diferente do resto do país, 90% da energia gerada em Xizang é renovável. A região também vem promovendo o desenvolvimento da agricultura familiar e cooperativas agrícolas para produção orgânica ou livre de contaminação, como explica ao Brasil de Fato, Lin Mu, diretor adjunto do Departamento de Agricultura e Assuntos Rurais da Região Autônoma de Xizang.
Lin Mu diz que Xizang atribui grande importância à proteção ambiental e ao desenvolvimento verde sustentável de alta qualidade. “Como Xizang está localizada em grandes altitudes, com baixas temperaturas e um clima rigoroso nas terras altas, o ambiente natural é relativamente hostil e a dificuldade de reparar os danos ambientais é grande” diz o funcionário.
“Portanto, independentemente da indústria que desenvolvemos, incluindo a produção agrícola, a proteção do ambiente deve ser a principal prioridade, temos a meta de não fazer nada que polua o meio ambiente”, afirma Lin Mu.
Como exemplo, ele afirma que no ano passado a região manteve crescimento zero em pesticidas e fertilizantes, além de estabelecer mecanismos de reciclagem para resíduos de pesticidas e lonas agrícolas plásticas.
Proteção dos Himalaias
Em sua fala no fórum, o ministro interino de Economia do Afeganistão, Qari Din Mohammad Hanif, criticou o fato de que países que menos contribuíram para as mudanças climáticas historicamente estejam entre os mais afetados. Nos anos 90 essa constatação começou a ser entendida como dívida climática do Norte com o Sul Global.
Além de ter sofrido durante duas décadas a invasão militar por parte dos Estados Unidos, o Afeganistão sofre fortes impactos por inundações, secas e degradação do solo, e chegou a ser considerado o sexto país mais vulnerável às mudanças climáticas em 2023 em um índice elaborado pela Universidade de Notre Dame nos Estados Unidos.
Por sua vez, a delegação do Nepal afirmou ter expectativa de aumentar o comércio de alimentos orgânicos com Xizang, principalmente pastagens para os iaques (os bovinos típicos dessa região). Os Himalaias cobrem 15% do território nepalês. A fronteira sino-nepalesa tem mais 1400 km e uma das mais difíceis de atravessar justamente por ser a cordilheira dos Himalaias.
O Nepal, que deixou de ser uma monarquia apenas no ano de 2008 e é governado por uma coalizão de partidos comunistas, incluiu a promoção da agricultura orgânica e a Soberania Alimentar em sua Constituição de 2015. Em 2018, a província nepalesa de Karnali aprovou uma lei para se tornar um território totalmente orgânico.
A vice-presidente da Câmara dos Representantes do Nepal, Indira Rana, conta que a cooperação com a China vem se dando nas pastagens, com conhecimento e tecnologia da China para a produção já que as condições dos territórios nepaleses são melhores que as terras de Xizang que tende a ter solos mais secos.
Rana conta que o país enfrenta vários desafios como a falta de infraestrutura e a pobreza, e destaca a relação com a vizinha China. “A China sempre quer a nossa estabilidade e prosperidade e temos uma amizade muito boa. Somos parceiros de confiança da China, e é por isso que também queremos trabalhar com eles, para que ninguém possa interferir na nossa integridade territorial e em nossa soberania. Isso é importante para nós. Somos sempre um país independente”, diz a funcionária nepalesa.
Outros continentes
Também estiveram presentes países que não fazem parte do Himalaia, mas tem territórios similares. É o caso de Bolívia e Chile que fazem parte da cordilheira dos Andes, ou a Etiópia, que possui um planalto também conhecido como Teto da África.
O diretor do Centro de Pesquisa Agrícola da Academia Etíope de Ciências Agrícolas, Muez Berhe, explica a importância do diálogo e a cooperação com as instituições chinesas. A maioria da agricultura na Etiópia está nas mãos dos camponeses. “Esses pequenos agricultores não têm tecnologia, dependem dos governos ou de alguns projetos que façam alguma colaboração, para poder ter algum benefício. E a China é um dos grandes países experientes que trabalha com pequenos agricultores. Por isso precisamos compartilhar esta experiência com a China para ajudar os nossos pequenos agricultores, transferindo tecnologia”.
Berhe afirma que a cooperação também ocorre no âmbito do conhecimento comercial. “Às vezes nossos camponeses sequer têm acesso ao mercado. Na China existe uma boa experiência de conexão entre os pequenos agricultores e algumas empresas para obter vínculo com o mercado”.
Representando os Andes, estiveram presentes Chile e Bolívia. O deputado chileno Enrique Segundo Lee Flores considerou o fórum importante para tomar a experiência em turismo nos Himalayas para levá-la aos países andinos. “Temos potencial para colaborar em vez de ficar competindo entre nós na área do turismo”.
Fala da Diretora de Medicina Tradicional do Ministério da Saúde do Governo Plurinacional da Bolívia, Vivian Camacho, no 4° Fórum Trans-Himalaio / Mauro Ramos
Vivian Camacho é diretora de Medicina Tradicional do Ministério da Saúde do Governo Plurinacional da Bolívia, e em sua fala explicou o conceito de Bem Viver e defendeu os saberes ancestrais em saúde, explicando que seu país aprovou uma lei que reconhece a medicina tradicional ancestral como parte do sistema público de Saúde boliviano, a Lei 459 aprovada em 2013.
Em relação à dívida climática, Camacho afirmou que é “urgente promover e fortalecer estes diálogos Sul-Sul, para que possamos achar nossas respostas a partir das nossas territorialidades, porque a outra opção é a falácia mercantilista, pintar o capitalismo de verde, para poder continuar contaminando”.
“Por isso precisamos unificar os esforços do progressismo global, voltar a nos unir significa tornar o Sul Global mais forte”, concluiu Camacho que também é médica e parteira.
Edição: Rodrigo Durão Coelho