Coluna

Enfrentamento à mudança climática deve mobilizar candidatos às eleições municipais de 2024

Tragédia no Rio Grande do Sul: é necessário garantir que o enfrentamento preventivo do risco em áreas suscetíveis a inundações ou deslizamentos seja feito com assessoria técnica e controle social - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Em 2021, dos 330 consórcios públicos, apenas 6% tinham por tema central o meio ambiente

por Mônica de Carvalho* , Filipe Souza Corrêa** e Rogério Palhares Zschaber de Araújo***

Eventos climáticos extremos, observados em várias regiões do país, têm demandado dos governos locais ações de adaptação. No entanto, pouco temos avançado, o que afeta, sobretudo, a população mais pobre e vulnerável. Segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população brasileira vive em cidades (61%).

Se considerarmos a população que vive em áreas de risco (cerca de 8 milhões de pessoas, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem), concentradas nas principais regiões metropolitanas do Brasil), estamos diante de uma tragédia anunciada.

As eleições municipais deste ano são a oportunidade para colocar em debate o enfrentamento às mudanças climáticas e observar o quanto essa questão está presente nos projetos de candidatos a prefeito e a vereador. Importante atentar para iniciativas que possam ser incrementadas, promovendo transformações sociais e o desenvolvimento de soluções voltadas à adaptação das cidades. 

De um ponto de vista institucional, a criação de capacidade adaptativa demanda orçamento destinado à gestão ambiental, rubrica, que, no entanto, tem tido aporte insuficiente para o enfrentamento do passivo ambiental, quanto mais para a transição climática. Em 2019, esse montante não ultrapassou, em média, 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) das capitais das principais regiões metropolitanas do país, segundo o Tesouro Nacional.

Incrementar esses recursos pode impulsionar ações relativas à preservação e conservação ambiental, controle ambiental, recuperação de áreas degradadas e dos recursos hídricos, além do aperfeiçoamento de instrumentos de monitoramento meteorológico e gestão de riscos. 

Outro aspecto pouco considerado é a capacidade de os municípios agirem em consórcio para sanar problemas ambientais comuns que extrapolam fronteiras administrativas. Em 2021, considerando as cinco regiões brasileiras, dos 330 consórcios públicos, apenas 6% tinham por tema central o meio ambiente. Trata-se de observar se esses consórcios têm funcionamento efetivo, com destinação orçamentária, e o quanto os candidatos estão dispostos a promovê-los. 

Outra ação importante implica superar a setorialização das políticas urbanas municipais, a exemplo do que acontece com o recém-criado Programa Cidades Verdes Resilientes, ação conjunta dos Ministérios das Cidades, do Meio Ambiente e Mudança do Clima e da Ciência e Tecnologia, voltado às políticas de enfrentamento às mudanças climáticas. Iniciativas como essas podem ser exemplo para a ação dos governos locais. 

Também é preciso valorizar iniciativas articuladas em perspectiva multinível. No início do ano, o Governo Federal realizou oficinas com representantes dos três níveis de governo para construção do chamado "Novo Plano Clima", quando foi definida a responsabilidade e a possibilidade de ações dos diferentes níveis de governo com vistas à adaptação às mudanças climáticas. Ter disponibilidade para articular ações locais com iniciativas federais, a exemplo do que ocorre com outras políticas multiníveis, pode ser mais uma estratégia de adaptação dos novos prefeitos. 

No campo do planejamento urbano e regional, chamamos atenção para uma iniciativa urgente que é revisitar os instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade à luz da questão ambiental e climática, sintonizando os planos diretores aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável contidos na Agenda 2030 e na Nova Agenda Urbana do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UNHabitat), por meio de ampla discussão, participação pública e controle social.

Adotar parâmetros de uso e ocupação do solo que garanta sua permeabilidade, o emprego de soluções de infraestrutura baseadas na natureza, o incremento da arborização pública e a criação de áreas verdes, o incentivo à mobilidade ativa, à reciclagem de resíduos e ao uso de materiais de construção sustentáveis, por exemplo, são algumas das frentes de políticas e projetos de adaptação às mudanças climáticas que demandam mudanças no marco legal, ações intersetoriais e articulação inter federativa.

Em relação às áreas de risco, é importante aprender com a rede de solidariedade (capital social) existente em cada região, além dos sistemas de alerta. Não basta aperfeiçoar ações corretivas e emergenciais que, certamente, vão se tornar cada vez mais recorrentes. Mas é preciso haver compromisso político com o aproveitamento das redes de vizinhança para constituir ação educativa, visando respostas rápidas e imediatas às situações de risco.

Além disso, é necessário garantir que o enfrentamento preventivo do risco em áreas suscetíveis a inundações ou deslizamentos seja feito com assessoria técnica e controle social para evitar que as remoções se transformem em pretexto para o favorecimento do mercado imobiliário.

Cuidar mais das nossas cidades com foco no bem-estar das pessoas, nos valores de uso e na apropriação democrática dos benefícios da urbanização, com o compromisso adicional da mitigação e da adaptação climáticas, é o que se espera de candidatos pautados pelo interesse coletivo, pelo direito ao acesso à terra urbanizada, à habitação digna, ao direito à cidade e à natureza, particularmente para aqueles que vivem em situação de maior vulnerabilidade.  

 

* Mônica de Carvalho, socióloga, docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade de São Paulo e pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles-Núcleo São Paulo

** Filipe Souza Corrêa, cientista político, docente do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador da Rede INCT Observatório da Metrópoles-Núcleo Rio de Janeiro

*** Rogério Palhares Zschaber de Araújo, arquiteto e urbanista, docente do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador da Rede INCT Observatório das Metrópoles-Núcleo Belo Horizonte. 

**** As opiniões contidas nessa coluna não necessariamente refletem às do jornal Brasil de Fato

Edição: Martina Medina