Existe uma África, uma África falando de continente, pulsando música, moda, diversas coisas, hoje
Nos preparativos finais para o lançamento, Um Corpo Preto, terceiro álbum de Rincon Sapiência vai contar sobre temas sensíveis, como relacionamentos afetivos, especialmente entre pessoas negras.
"Um relacionamento afetivo entre duas pessoas [negras] é a coisa mais linda, mas também carrega uma série de coisas que dão um tom particular. Acaba não sendo qualquer relação", explica, em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (22).
O trabalho, ainda sem data para ser lançado, tem influência da cultura produzida na África contemporânea. "Quando se fala do continente africano, muitas vezes, tem aquele certo romantismo ancestral sobre aquelas culturas mais antigas. De fato, a gente precisa preservar e entender dessas tradições. Mas existe uma África, uma África falando de continente, pulsando música, moda, diversas coisas, hoje", conclui.
Enquanto finaliza o álbum, o rapper divide sua atuação artística com a produção e agenciamento de novos artistas, especialmente da Zona Leste de São Paulo (SP), onde cresceu.
Rincon expressa o desejo de instigá-los a não se deixarem levar pela influência estadunidense, mas preferirem olhar para o que está acontecendo neste momento em África quando forem olhar para fora.
O novo trabalho vai sair pela produtora Mgoma, a mesma que vem apostando em jovens rappers.
"Dois artistas jovens foram muito especiais, que é F7rança e Bren9ve. A princípio foi um contato informal, mas, com o tempo, eu percebi o trabalho de artistas internacionais, que são produtores musicais, têm seu próprio selo, e contam sua história, são multiplicadores, e isso faz a cena ter mais longevidade", comenta.
"Me inspirando nesse tipo de artista, eu entendi que eu poderia ser um deles e ser um cara multiplicador também.”
Segundo o rapper, um dos maiores desafios é saber achar o "equilíbrio" entre saber influenciar e não multiplicar qualquer mensagem. Ainda assim, ele afirma tomar cuidado para não tirar a autoralidade dos jovens.
"Ao mesmo tempo eu sei que tem coisas que na minha boca vai ficar pesado de falar, de fazer, pelo histórico que eu carrego e pela história que eu contei. Agora, com eles, tem uma outra história, uma outra vivência", diz. "Eu preciso permitir que eles façam, que contem a história deles."
Confira a entrevista na íntegra.
Como tem sido o processo de manter teu trabalho de criação autoral e também estar investido no selo musical?
Se mistura tudo. Tem a minha parte passional também de ser da região [zona leste de São Paulo] e entender que durante muito tempo eu tinha muito que sair daqui para conversar sobre música, sobre o que tá sendo lançado, tinha que ir pro centro, para a galeria [do Rock, cujo andar térreo concentra elementos da cena paulistana do hip hop] e conectar com os artistas por lá e ter essas experiências, né?
Hoje, com a democratização da informação, tudo está chegando com força na quebrada. Então, a gente encontra produtores musicais com muito talento, artistas, o próprio ambiente, as roupas que as pessoas usam.
Eu percebo que muito do que eu ia buscar para fora hoje em dia já está mais fixado na quebrada, na periferia.
E o que falta é, justamente, o suporte para essas pessoas entenderem as métricas, os caminhos que elas possam trilhar para lançar músicas, principalmente a parte básica de entender como funciona o registro, lançamento e tal.
Você fica vendo de perto, porque eu sempre estou aqui na quebrada, sempre circulando, por mais que a gente trabalhe bastante, e eu fico vendo, e falo: "pô, essas pessoas precisam de ajuda. E talvez eu seja o cara ideal para estar fazendo isso”.
Dois artistas jovens foram muito especiais, que é F7rança e Bren9ve. A princípio, foi um contato informal, mas, com o tempo, eu percebi o trabalho de artistas internacionais, que são produtores musicais, têm seu próprio selo, e contam sua história, são multiplicadores, e isso faz a cena ter mais longevidade.
Me inspirando nesse tipo de artista, eu entendi que eu poderia ser um deles e ser um cara multiplicador também
Você já comentou em outra entrevista que, às vezes, teme influenciar artistas novas tirando a autoralidade deles. Como você tem encarado esse desafio?
Eu ainda penso da mesma forma, mas o desafio é achar esse equilíbrio. Até porque são artistas muito mais jovens do que eu, pertencentes a uma outra geração.
Uma geração que tem uma outra forma de dialogar, de pensar música, de falar coisas, a ousadia que eles têm, que tem a ver com a idade deles, com a geração deles.
Então é o equilíbrio disso, porque eu penso que eu preciso ser esse cara, e não só o cara de negócios, mas eu preciso ser o mentor desses artistas.
Ao mesmo tempo eu sei que tem coisas que na minha boca vai ficar pesado de falar, de fazer, pelo histórico que eu carrego e pela história que eu contei. Agora, com eles, tem uma outra história, uma outra vivência.
Então algumas coisas eu preciso permitir que eles façam, que contem a história deles.
E de onde veio a escolha do nome da produtora, Mgoma?
Ela tem a grafia de linhagem bantu e tem seus significados, um deles é tambor. Mas, da minha parte, surge como um trocadilho, porque eu, sempre, diante das adversidades, encontrei formas para ser esse cara que se produz, que se grava.
Então, o meu EP SP Gueto BR, o meu álbum, que inclusive é premiado, Galanga Livre, e também o segundo álbum, Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afrorep, todos eles eu gravei em casa, que a gente chama de goma também.
Essa explicação acaba se relacionando com o fato de você procurar artistas da sua região para trabalhar e investir?
Acho que tem, sim. Justamente por conhecer a região e os gatilhos que existem nela, e os caminhos comuns que os jovens têm a seguir.
Mas o que você fala é muito interessante porque os primeiros artistas que eu me aproximei foram artistas de fora de São Paulo. Os dois primeiros foram uma cantora de Feira de Santana depois eu conheci um outro rapaz também da Bahia, de Salvador, no caso.
E aí eu comecei a entender como a distância dificultava os diálogos e a rapidez que o trabalho exige. Aí em dado o momento, eu falei: "pô, ainda não tô pronto pra fazer isso".
Como você tem visto a trajetória do rap hoje no Brasil? Principalmente nessa relação de buscar inspirações no exterior, por exemplo, nos Estados Unidos?
Esses [rappers] mais antigos, né, se inspiravam muito na música norte-americana, no soul, no funk, no próprio rap, mas quando isso vem pra cá, vem dentro da cultura de baile, que está muito ligada com samba, com samba rock, com outras coisas muito brasileiras.
Mesmo com as influências de fora, o Brasil sempre colocou muita assinatura no rap, na cultura hip hop no geral
Então esse é o poder que o Brasil tem, de ser um país de tamanho continental, em que as pessoas acessam muito a internet, que a gente tem muita identidade a partir do futebol, do funk, da forma de vestir, de descolorir o cabelo, de usar camisa de time, o comportamento...
Mesmo assim, tem a influência norte-americana, que, por muitas vezes, não é tão positiva no meu modo de pensar artístico. Mas eu consigo ver um Brasil com muita personalidade e colocando muita assinatura mundialmente no que diz respeito à moda, música e comportamento.
Essa tua posição gera embate entre colegas teus?
Eu não diria que gera tanto embate, mas eu, particularmente, tenho muitas experiências internacionais também, tanto de ir pra fora do Brasil, como de me conectar com artistas de fora.
O que eu entendi com a experiência de sair do Brasil é que as pessoas de fora não estão procurando coisas que se pareçam com elas e, sim, coisas diferentes.
Então, quando a gente oferece um produto que tem a sua assinatura, a sua forma de executar, sua forma estética e tudo mais, isso se torna mais interessante.
Eu sou de uma geração em que as pessoas tentavam muito reproduzir assim o comportamental, o texto, tudo que era feito de fora, porque essa era a referência do que se tinha para fazer.
E hoje em dia tem muita coisa de trap que é extremamente brasileiro, sobre o cara estava falando do Kenner [sandália], que ele gosta de usar da camiseta tal, do corte de cabelo do jaca, do corte americano e de signos da cultura brasileira, sabe? Então acho que o momento está sendo bem diverso nesse sentido.
Essas buscas por referências externas têm chegado em África? Não somente a ancestral, mas também a contemporânea?
Isso, infelizmente, ainda não é uma realidade, mas é uma luta que eu tenho. Porque, justamente, quando se fala do continente africano, muitas vezes tem aquele certo romantismo ancestral sobre aquelas culturas mais antigas.
De fato a gente precisa preservar e entender dessas tradições. Mas existe uma África, uma África falando de continente, pulsando música, moda, diversas coisas, hoje.
É até interessante das experiências que eu tenho de ir ao continente africano que é muito mais fácil ver no Brasil as pessoas usarem turbante, uma bata [do que lá].
Você vai no próprio continente africano, as pessoas se comportam de outra forma, usam o cabelo de outra forma e são outros códigos.
Sou um cara que defende muito isso, essa conexão com o continente africano, já que somos o país com maior contingente de pretos fora de África, mas a gente faz essa conexão também com a África contemporânea.
E o que tu pode adiantar do teu novo álbum?
É um pouco diferente do discurso do que foi Galanga Livre e do que é Mundo Manicongo... Porque tudo o que acontece com o corpo preto tem suas particularidades.
Um corpo preto num relacionamento, principalmente se for um relacionamento afrocentrado, a gente está falando de um homem preto que carrega estigmas, estatísticas muito delicadas. E a mulher preta, a mesma coisa.
Um relacionamento afetivo entre duas pessoas [negras] é a coisa mais linda, mas também carrega uma série de coisas que dão um tom particular. Acaba não sendo qualquer relação.
Quando se está falando sobre uma relação afetiva de um corpo preto a gente já tem outro enredo sobre isso, como enfrentamentos, como celebração de conquistas.
Quando a gente está falando de dinheiro, de estar celebrando a conquista do dinheiro... Se tratando de um corpo preto, a gente já tem outro peso e significados.
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Edição: Martina Medina