O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), participou nesta quarta-feira (24) da sessão de abertura da Reunião Ministerial da Força Tarefa para o Estabelecimento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. A atividade foi realizada no Rio de Janeiro, no galpão onde funciona o projeto Ação da Cidadania, criado pelo sociólogo e ativista Herbert de Souza, o Betinho.
A Aliança Global contra a Fome é o principal projeto do Brasil à frente da presidência do G20, que vai até novembro deste ano, e tem como objetivo atender a um dos principais objetivos da Agenda da ONU 2030: a eliminação da pobreza e da fome no mundo.
Em um discurso lido, o presidente Lula destacou o crescimento da insegurança alimentar e da fome no mundo após 2019, e disse que a fome é produto de decisões políticas. "A fome é a mais degradante das privações humanas, é um atentado à vida, uma agressão à liberdade. A fome, como dizia o grande cientista social brasileiro Josué de Castro, é a expressão biológica dos males sociais", declarou.
"A fome não resulta de fatores externos, ela decorre sobretudo de escolhas políticas. Hoje o mundo produz alimento mais do que suficiente para erradicar [a fome], o que falta é criar condições de acesso aos alimentos", afirmou o presidente.
O presidente afirmou que embora a aliança tenha nascido no G20, ela deve servir ao mundo como instrumento para a garantia do cumprimento dos compromissos firmados com a erradicação da fome. E criticou as economias neoliberais que tem produzido o aumento das desigualdades ao redor do mundo. "Nas últimas décadas a globalização neoliberal agravou o esse quadro. Nunca tantos tiveram tão pouco e tão poucos concentram tanta riqueza", disse Lula, destacando ainda que "mulheres e meninas são a maioria das pessoas em situação de fome no mundo".
Haddad defende taxar os mais ricos para combater a fome
Na mesma reunião, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), defendeu a taxação dos mais ricos como forma de financiar o combate à fome no mundo. Segundo ministro, a aplicação de um imposto de 2% sobre as fortunas poderia arrecadar de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano, o que equivale a "cinco vezes o montante que os dez maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento da fome e da pobreza em 2022", disse.
"Outra forma de mobilizar recursos para o combate à fome e a pobreza é fazer com que o super ricos paguem sua justa contribuição e impostos. Ao redor do mundo, os super ricos usam uma série de artifícios para evadir os sistemas tributários, isso faz com que o topo da pirâmid, os sistemas sejam regressivos e não progressivos", declarou.
O ministro ainda criticou os provedores multilaterais de financiamento, que teriam desembolsado menos de um quarto dos recursos prometidos ao combate à fome e defendeu uma maior eficiência no uso dos recursos.
O presidente Lula, em sua intervenção, também falou sobre o tema. "Os super ricos pagam, proporcionalmente, muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem investido no tema da cooperação internacional para desenvolver padrões mínimo de tributação global, fortalecendo as iniciativas existentes e incluindo os bilionários", destacou o presidente.
Divergências sobre Ucrânia e Palestina
As situações na Ucrânia e na Faixa de Gaza também foram objeto de debate durante a reunião desta quarta. Segundo a Presidência do G20, "alguns membros e outros participantes consideraram que essas questões têm impacto na economia global e devem ser tratadas na cúpula do grupo, enquanto outros não acreditam que o G20 seja fórum para discuti-las".
A Presidência informou que o tema seguirá sendo objeto de debate entre os países membros até a Cúpula de Líderes de novembro, que deve emitir um comunicado comum sobre diversos temas que afetam a economia mundial.
Durante sua intervenção na reunião ministerial desta quarta, o presidente Lula mencionou os conflitos armados que submetem as populações a situações de fome e criticou a indústria da guerra. "Conflitos armados interrompem a produção e distribuição de alimentos e insumos, contribuindo para o aumento de preços", afirmou. "Enquanto isso, os gatos com armamento subiram 7% no último ano, chegando a US$ 2,4 trilhões. Inverter essa lógica é um imperativo moral de justiça social, mas também é essencial para o desenvolvimento sustentável que buscamos", disse Lula.
Mapa da Fome 2024
Nesta quarta também foi lançado o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (Sofi 2024), no Rio de Janeiro, desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
O documento aponta que a insegurança alimentar grave caiu 33% no Brasil no triênio 2021-2023. Em comparação com a edição anterior do levantamento, o número passou de 21 milhões (9,9%) no triênio 2020-2022 para 14 milhões (6,6%). Ou seja, 7 milhões de pessoas a menos.
A FAO considera insegurança alimentar severa quando uma pessoa passa um dia inteirou ou mais sem comer por falta de acesso a alimentos, uma situação que, de maneira regular, pode causar prejuízos à saúde, afetando sobretudo o desenvolvimento das crianças.
Em seu discurso nesta quarta, o presidente Lula, se dirigiu ao presidente da FAO, Qu Dongyu, e prometeu que o Brasil fará todos os esforços para que deixe de figurar no Mapa da Fome.
"Meu amigo, diretor-geral da FAO companheiro Qu, pode ir se preparando para declarar, em breve, ainda no meu mandato, que o Brasil saiu novamente do Mapa da Fome", disse Lula.
Fome no mundo
Segundo o Sofi 2024, 733 milhões de pessoas no mundo estavam em situação de fome em 2023, quase a mesma quantidade de pessoas contabilizadas em 2022. A África continua sendo a região do mundo com a maior proporção de pessoas nesta situação. No entanto, a Ásia é a região que abriga mais da metade das pessoas que enfrentam a fome no mundo, em números absolutos.
Mantidas as projeções do relatório, o objetivo de erradicação da fome até 2030 não será alcançável, podendo haver mais de 500 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar severa até o início da próxima década.
"A pobreza extrema, depois de cair consistentemente no mundo por décadas, voltou a aumentar a partir de 2019 e não está retomando a trajetória de queda. Em 2022, 712 milhões de pessoas viviam na extrema pobreza, a contar pela linha da renda, e um bilhão de pessoas na pobreza extrema multidimensional, metade das quais crianças", lamentou o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT).
"A desigualdade dentro dos países tem crescido de forma constante, e desde 2020, a desigualdade entre países começou a aumentar também, revertendo o progresso de toda uma geração", alertou.
Edição: Nicolau Soares