De 2020 para 2023, 2,3 milhões de brasileiros saíram da situação de desnutrição, segundo o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo", da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgado nesta quarta-feira (24).
A entidade analisou dois períodos distintos. Entre 2020 e 2022, os três últimos anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a quantidade de brasileiros desnutridos era de 10,1 milhões. Já entre 2021 e 2023, já contando o primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o número caiu para 8,4 milhões. Em termos de porcentagem, saiu de 4,7% para 3,9% da população.
Os dados revelam que o Brasil diminuiu a quantidade de desnutridos mais do que a proporção do conjunto dos países da América Latina e Caribe e do mundo. No primeiro caso, os países latino-americanos registraram uma queda de 43,7 milhões de desnutridos para 43,4 milhões, o que representa uma diminuição de apenas 0,68%. No mundo, a quantidade saiu de 725,1 milhões para 722 milhões, ou seja, um recuo de 0,42%.
Segundo o relatório, no ano passado, entre 713 milhões e 757 milhões de pessoas podem ter enfrentado fome, o que significa uma a cada 11 pessoas do mundo. "A fome ainda está aumentando na África, mas permaneceu relativamente inalterada na Ásia, enquanto houve um progresso notável na região da América Latina e do Caribe", diz um trecho do relatório.
Em 2023, a estimativa é de que 28,9% da população global (2,33 bilhões de pessoas) estavam em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Já um ano antes, 2,8 bilhões não podiam pagar por uma dieta saudável, concentrando-se nos países de baixa renda, cerca de 71,5%. No Brasil, entre 2017 e 2022, o custo para ter uma dieta saudável passou de US$ 3,22 (cerca de R$ 18 na cotação atual) por dia para US$ 4,25 (R$ 23,70).
Entre os principais fatores de insegurança alimentar e desnutrição, 63% se devem à desigualdade "pertinente e alta" e a conflitos.
Desigualdades
Nesse cenário, a FAO afirma que os dados do relatório "lançam uma sombra sobre a possibilidade de alcançar a Fome Zero", um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da ONU. O documento foi publicado em meio à declaração de redução de desigualdades da Reunião Ministerial de Desenvolvimento do G20, grupo que reúne os países com as maiores economias do mundo. O evento acontece no Rio de Janeiro nesta quarta-feira (24).
Entre os temas da reunião, estão a taxação das grandes fortunas dos super-ricos e os caminhos para conseguir recursos no combate à desigualdade. De acordo com um estudo da Oxfam, do início do ano, um imposto de 5% sobre os mais ricos apenas nos países do G20 poderia gerar uma receita de US$ 1,5 trilhão por ano. Para a organização, a quantia é suficiente para acabar com a fome global.
Segundo o relatório da FAO, "as políticas, a legislação e as intervenções necessárias para cumprir as metas do ODS podem exigir financiamento que podem chegar a vários trilhões de dólares. Se a lacuna de financiamento não for preenchida até 2030, isso significa que milhões de pessoas ainda estarão subnutridas" e que "milhões terão sido empurradas para uma crise ou níveis piores de insegurança alimentar aguda". Hoje, somente 37% dos 119 países de renda baixa e média têm uma variedade significativa dos recursos de financiamento.
O documento também mostra que os países com dificuldade ao financiamento no combate à fome também são afetados por outros fatores que contribuem com o cenário de insegurança alimentar e desnutrição, como os extremos climáticos.
A FAO sugere que, "para esses países, as doações ou os empréstimos concessionais continuam sendo a opção mais adequada para ampliar o financiamento para a segurança alimentar e a nutrição e podem ser alavancados por meio de parcerias de financiamento colaborativo como parte das estratégias de financiamento misto".
Já os países que possuem uma capacidade razoável de acesso ao financiamento "podem contar mais com as receitas tributárias internas devido à sua base tributária mais ampla e instituições públicas mais sólidas. Seus governos podem aumentar as receitas aumentando os impostos sobre a saúde para promover o consumo de dietas saudáveis", defende a FAO. Aqui, uma das medidas pode ser justamente a taxação dos super-ricos.
Ainda que o número de doadores privados tenha aumentado, como instituições financeiras de desenvolvimento e internacionais, além de fundações filantrópicas, a arquitetura de financiamento é "altamente fragmentada", criando "desafios de coordenação", pontua o documento.
Edição: Martina Medina