Somente foi na noite anterior ao assalto ao Quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, que todos os combatentes ouviram pela primeira vez em que consistia o plano. A ação havia sido preparada no mais absoluto sigilo, sem que o menor detalhe pudesse ser conhecido, com o propósito de evadir a vigilância da feroz polícia secreta da ditadura de Batista em Cuba, que espreitava em todos os cantos da ilha com o objetivo de esmagar qualquer movimento dissidente.
A reunião foi realizada na Granjita Syboney, localizada nos arredores de Santiago de Cuba. Pela primeira vez, esses 135 jovens, de 26 anos na média, puderam ver o rosto uns dos outros. A maioria deles vinham de setores humildes da sociedade. Eram trabalhadores, camponeses ou empregados que, em mais de um caso, abriram mão do pouco que tinham, vendendo suas poucas coisas para financiar o movimento. Durante meses, eles foram recrutados clandestinamente e preparados em pequenos grupos que não se conheciam entre si.
No canto da sala, Abel Santamaria ouvia o jovem advogado Fidel Castro explicar os detalhes do plano que tinham elaborado juntos. Contra todas as probabilidades, Abel confiava na vitória. Detrás de seus grossos óculos, o olhar de Abel examinava os rostos dos presentes. Uma profunda convicção levava esses jovens a um comprometimento total, mesmo sabendo que o preço de qualquer erro ou fracasso seria a morte. Entre todos os presentes, Abel olhou para Haydee Santamaria, sua irmã, e Melba Hernandez, sua namorada, as únicas duas mulheres do grupo. Ouviam cuidadosamente as instruções de Fidel, conscientes de que suas presenças causavam incômodo entre mais de um, que achava (em segredo) que a luta era coisa só de homem.
A alguns metros de distância, movendo-se cuidadosamente, José Luis Trassende e Raúl Castro verificaram as armas pela última vez. “Camaradas: vocês podem vencer em poucas horas ou serem derrotados; mas, de qualquer forma, ouçam bem! De qualquer forma, o movimento triunfará; se vencermos amanhã, o que Martí aspirava será alcançado mais cedo. Se ocorrer o contrário, o gesto servirá de exemplo para o povo de Cuba, para que pegue a bandeira e siga em frente”, afirmou Fidel em um tom de voz profundo e cheio de convicção.
Após tantos meses de preparação, o movimento estava finalmente prestes a dar um passo à frente. “Sem dúvida, é perigoso e qualquer pessoa que sair daqui comigo esta noite deve fazê-lo por vontade própria. Ainda há tempo para se decidirem. Em todo caso, alguns terão de ficar por falta de armas. Aqueles que estiverem determinados a ir, dêem um passo à frente. O slogan não é matar, apenas em último caso”, continua ele.
O ataque ao Quartel Moncada
Dos 135 jovens, 131 deram um passo à frente. Os quatro restantes retornaram aos seus pontos de origem. A noite escolhida era 26 de julho porque era Carnaval o que permitiu que o contingente de combatentes se deslocasse até a cidade de Santiago sem levantar suspeitas.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Fabio Fernandez Batista, professor de história da Universidade de Havana, disse que a ação “não tinha a intenção de ser uma ação à margem do movimento de massas”. Pelo contrário, a ação buscava ser o “ detonador de uma rebelião popular”.
“No início da década de 1950, Cuba se encontrava imersa numa profunda crise. O país estava marcado por enormes desigualdades e contrastes sociais. Por um lado, existia um pequeno setor muito privilegiado e rico, estabelecido principalmente em algumas partes de Havana. Por outro lado, a grande maioria da população, os trabalhadores e camponeses, vivia em condições de verdadeira miséria”, explica Fernández Batista.
“O movimento que tentou assaltar o Quartel Moncada tinha como principal inimigo Fulgencio Batista, o qual tinha tomado o poder após um golpe de Estado em 10 de março de 1952. Batista tinha se tornado o principal agente das forças da reação conservadora da oligarquia. Uma força que se conectava com a dinâmica da Guerra Fria que prevalecia no hemisfério ocidental”.
Naquela época, a crise social havia se transformado em uma crise de legitimidade do sistema político como um todo. Nesse contexto, o golpe de Estado liderado por Batista procurava impedir que um movimento popular e nacionalista liderado pelo Partido Ortodoxo, que era o favorito para vencer as eleições programadas para aquele ano, chegasse ao poder.
“A grande referência intelectual para os jovens que se lançaram no Moncada foi Eduardo Chibás, líder do Partido Ortodoxo. Um homem que era uma expressão do reformismo nacional cubano das décadas de 1930 e 1940, que tinha um projeto de refundação cívica, de reestruturação da dinâmica nacional a partir de uma perspectiva que se conectava com os interesses dos setores populares”.
Os combatentes se dividiram em três grupos. Disfarçados de agentes militares, deixaram a fazenda em 16 carros. Às 5:20 da manhã, o grupo liderado por Fidel chegou ao seu destino. Tudo acontecia de acordo com o planejado até que uma patrulha de dois militares que passava pela área se chocou inesperadamente com o grupo liderado por Fidel. No meio da confusão, abriram fogo, alertando o exército de que algo estava acontecendo. De repente, de um minuto para o outro, o fator surpresa desapareceu.
Do grupo de combatentes que tentou o ataque, nove foram mortos em combate e cerca de 52 foram capturados. A ditadura de Batista ordenou imediatamente que vários dos que haviam sido presos fossem torturados e depois mortos. Abel Santamaría foi um dos presos que a ditadura capturou vivo e torturou até a morte. Antes de matá-lo, a ditadura arrancou seus olhos. Tinha 25 anos.
A ditadura desencadeou uma enorme repressão em todo o país. Mesmo assim, o medo não conseguiu conter a enorme simpatia que esses jovens começaram a despertar no povo humilde.
O início da revolução
“As ações de Moncada foram, na prática, um fracasso militar. No entanto, esse fracasso militar foi transformado em um sucesso político com base em toda uma série de elementos que são significativos na história de Cuba" afirma Fernández Batista.
“Fundamentalmente, Moncada deu origem a uma projeção de conteúdo programático, a famosa A História me Absolverá. Esse foi o discurso de autodefesa de Fidel Castro no julgamento dos moncadistas. Essa declaração definiu claramente a linha de transformação que o país deveria seguir. E isso estava ligado ao fim da ditadura e à promoção de transformações que poderiam resolver os problemas estruturais do país”, afirma Fernández Batista.
A partir desse momento, a figura de Fidel Castro tornou-se uma das principais figuras de oposição ao regime em toda Cuba. O movimento político que se estruturou em torno dos jovens que realizaram o assalto, e que mais tarde se tornaria conhecido como 26 de Julho, começou a desenvolver uma enorme campanha ideológica para divulgar a mensagem de Fidel. Difundida em toda a ilha, “ A história me absolverá” se tornou o documento político inicial da revolução.
Edição: Rodrigo Durão Coelho