FERROVIA NA AMAZÔNIA

Indígenas rompem com grupo de trabalho do governo federal sobre a Ferrogrão

Entidades denunciam falta de transparência e diálogo do Ministério dos Transportes, responsável pelo GT 

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Organizações entregaram carta ao Ministério dos Transportes, rompendo com o grupo de trabalho - Indira Barros/Quartzo Comunicação

*matéria atualizada às 21h32 para inclusão do posicionamento do Ministério dos Transportes

Organizações da sociedade civil e indígenas anunciaram nesta segunda-feira (29) o rompimento com o Grupo de Trabalho (GT) no Ministério dos Transportes (MT) para debater a construção da Ferrogrão, um megaprojeto do agronegócio brasileiro que pode devastar 50 mil km² de Amazônia.

Em uma carta entregue ao Ministério dos Transportes, o Instituto Kabu, a Rede Xingu+, a Aliança #FerrogrãoNão e o Psol decidiram se retirar do grupo e denunciar a falta de transparência e diálogo com as organizações da sociedade civil.

O GT foi criado a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de discutir a atualização dos estudos de impacto socioambiental da Ferrogrão sobre as populações tradicionais afetadas. Mas, segundo as organizações, "o que deveria ser um espaço com participação da sociedade, dependeu da mobilização logística das próprias organizações e movimentos para assegurar suas presenças. E o que deveria ser um espaço de debates profundos terminou sendo um ambiente secundarizado e sem ressonância nos processos de tomada de decisão".

A carta afirma que as organizações foram surpreendidas na semana passada com a informação de que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) havia anunciado a previsão de leilões para a construção da ferrovia para 2026. No documento, as entidades manifestam "discordância e profunda preocupação pelo tratamento dado ao tema".

As organizações pedem que o governo brasileiro reconheça a inconstitucionalidade do traçado da Ferrogrão e cancele o empreendimento. "Do mesmo modo, é urgente promover a regularização fundiária, titulação de territórios quilombolas, demarcação das terras indígenas e a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal na região. Projetos de infraestrutura e logística não podem seguir promovendo a destruição da Amazônia, do Cerrado e do futuro de todas e todos nós", diz o texto.

"Nós não comemos soja. a gente não se alimenta de soja. A gente quer apenas água limpa a floresta em pé", declarou ao Brasil de Fato, Alessandra Korap Munduruku, coordenadora da Associação Indígena Pariri.

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Cobrança ao governo 

A decisão de se retirar o GT demonstra a insatisfação das organizações indígenas em relação ao andamento de projetos do governo que têm impactos diretos nas populações tradicionais. Alessandra Munduruku afirma que o próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é responsável pela situação, por privilegiar setores do agronegócio brasileiro, em detrimento dos povos originários.

"Olha o que esperar [do governo]? Esperar que aconteça uma nova Belo Monte? Como esperar? Na COP30, que o mundo vai estar todo de olho na Amazônia, e ele [Lula] vai construir essa Ferrogrão passando por cima de todo mundo?", questionou.

A liderança indígena afirmou que as organizações seguirão em luta para barrar o "projeto de morte" do agronegócio.

"A gente vai impedir com as nossas próprias forças, com o nosso ritual, com a nossa pintura, com os nossos cantos, com a nossa língua, o nosso rio, a nossa floresta. Porque é isso que nos faz mover há 524 anos. Não vai ser essa Ferrogrão que vai nos matar. A gente vai continuar vivo, a gente vai continuar resistindo."

Impactos ambientais 

A Ferrogrão é um megaprojeto de ferrovia com quase mil quilômetros que pretende ligar Sinop, no Mato Grosso, até Miritituba, no Pará, passando por Itaituba (PA), com custo estimado de R$ 24 bilhões. O projeto é promovido por grandes corporações produtoras de milho e soja na região, que pretendem baratear a exportação grãos.

As organizações afirmam que os estudos de impacto realizados até o momento "são falhos, ignoram impactos sinérgicos e cumulativos e desrespeitam o referido direito à consulta dos povos e comunidades afetadas".

"A ferrovia resultaria no desmatamento de mais de 2 mil km² de floresta nativa, impactaria 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas e afetaria pelo menos 16 terras indígenas, e diversos quilombos e comunidades tradicionais. Tudo isso para aumentar os lucros de grandes empresas transnacionais exportadoras de soja e milho", diz a carta.

Em nota, a ANTT informou que "de acordo com a decisão judicial de 15/03/2021, foi determinada a suspensão dos efeitos da Lei 13.452/2017 e dos processos relacionados à Ferrogrão. Contudo, apesar da suspensão do andamento do processo de outorga em sede judicial, o projeto continua sob acompanhamento da atualização do EVTEA [Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental], com a participação de servidores em reuniões do GT da Portaria nº 994/2023, atuando a ANTT como entidade de apoio técnico-regulatório, dentro de suas competências".

A nota diz ainda que "quanto ao cronograma de leilões, trata-se de uma demanda de planejamento próprio da Administração Pública, com regras definidas por leis e decretos". Segundo a agência, "no momento, não há previsões quanto ao cronograma de leilão".

O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério dos Transportes e com a Secretaria de Comunicação Social do governo (Secom) para comentar o teor das críticas. Em resposta, a pasta afirma que recebeu a decisão com surpresa e que o GT "tem atuado na defesa do debate democrático". Leia a nota na íntegra:

"O Ministério dos Transportes recebeu com surpresa a decisão unilateral de interrupção da interlocução dos representantes da sociedade civil no Grupo de Trabalho Ferrogrão.

A estruturação desse importante espaço de diálogo ocorreu em cooperação com a sociedade civil, desde sua composição e plano de trabalho até a definição de técnicos, especialistas e gestores que participaram dos debates.

O Grupo de Trabalho tem atuado na defesa do debate democrático, garantindo liberdade de pensamento, defesa da conciliação e direito ao contraditório.

Os estudos ainda estão em fase de validação pela Infra S.A., após o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar atualização dos mesmos, e serão apresentados à sociedade civil.

A pasta reafirma o compromisso com o diálogo e a participação social para a melhoria do planejamento da infraestrutura de transportes do país."

Edição: Nicolau Soares