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Saúde mental: Entenda como a 'matrix' impacta nas experiências psicodélicas

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Quem está de olho nos processos coletivos que adoecem e como eles atuam no processo de cura dos indivíduos através dessas substâncias? - Pixabay
A ideia é romper com ciclos de exclusão presentes na atual renascença psicodélica

Por Caroline Apple*

Barulho de tiro, cultos de igrejas com música e gritos, bares com a resenha comendo solta desde madrugada, fome, ambiente familiar insalubre, desigualdade social, racismo, etc. Essas são algumas das realidades materiais que uma pessoa que usa psicodélico pode conviver fora das sessões. E por que isso não anda sendo considerado pela ciência bioquímica na hora de falar sobre saúde mental e psicodélicos?

A ação dessas substâncias no organismo é somente uma parte dessa história. Há diversos outros fatores que podem impactar nos resultados dessas experiências e isso tem gerado uma tensão entre pesquisadores da ciência bioquímica e os das ciências humanas. Curas individuais são importantes, mas quem está de olho nos processos coletivos que adoecem e como eles atuam nesse processo de cura dos indivíduos através dessas substâncias?

O doutor em psicologia e cofundador da Associação Psicodélica do Brasil (APB) Sandro Rodrigues propõe em seu artigo Pela incorporação do conceito de matrix ao paradigma psicodélico, publicado no dossiê Sabedorias enteogênicas e filosofias psicodélicas, da Universidade Estadual do Ceará, que o ambiente de onde a pessoa sai e para onde ela volta precisa ser considerado como fator fundamental na hora de falar sobre psicodélicos e saúde mental, principalmente quando se trata da inserção dessas substâncias na saúde pública.

"A ideia é unir o conceito de matrix ao já consagrado conceito de set e setting, que considera o estado psicológico da pessoa e o ambiente onde a sessão com psicodélico é realizada. A ideia é romper com ciclos de exclusão presentes na atual renascença psicodélica. Existe um forte processo de responsabilização individual, como se a resolução de todos os problemas só dependesse do indivíduo. E a forma como o discurso dos psicodélicos está aparecendo faz com que as pessoas busquem exatamente isso: solução imediata. Mas não é assim que funciona. Aí de um lado há o discurso de que os psicodélicos são bons e do outro pessoas relatando que não tiveram êxito, que foi uma experiência ruim ou traumática. Então, o que está acontecendo?", diz o psicólogo ao Psicodelia Brasileira.

Quem levou essa discussão sobre matrix para a mesa foi a bacharel em ciência política e PhD em psicologia clínica Helen Elisabeth Grover Eisner (1915-2004) em meio ao período da contracultura nos EUA. A a própria experiência de Eisner serve de exemplo para observar os limites de atuação na hora de cuidar dessas pessoas depois que voltam para suas realidades. Até onde esse acolhimento é possível?

Essa, sem dúvida, é uma pergunta que a resposta vai passar por uma calibragem em cada caso, mas, sem dúvida, é uma simbiose entre todos os fatores que envolvem a vida de quem passa por uma experiência psicodélica e o set e setting.

"Os psicodélicos não vão resolver nada de forma mágica. E é limitado focar apenas na perspectiva biomédica, sem a devida importância às contribuições vindas das ciências humanas. Precisamos considerar os territórios para os quais essas pessoas vão retornar, olhar as relações de pertencimento, ver como potencializar a autonomia de cada um, entre outros fatores. A redução de danos é muito importante, porque ela vai munindo as pessoas de informação para que elas também aprendam a se cuidar. Uma cultura de cuidado é importante para o desenvolvimento dessa autonomia para que as pessoas aprendam sobre os limites de atuação dessas substâncias a partir da realidade em que ela está inserida. É para quem os psicodélicos podem não funcionar ou não estão funcionando que estamos olhando, considerando que a matrix tem extrema importância na ação dessas substâncias na vida das pessoas", explica.

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* Caroline Apple é jornalista há quase 20 anos com passagem por alguns dos principais veículos do Brasil, abordando, principalmente, temas relacionados aos Direitos Humanos, como a causa indígena. É uma das primeiras jornalistas no país a se especializar na cobertura de cannabis para fins medicinais. Daimista, ayahuasqueira e psiconauta, Carol é influenciadora digital sobre temas relacionados à espiritualidade e ao autoconhecimento com ênfase no uso da ayahuasca em contexto urbano.

** Este é um texto de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Thalita Pires