Todos os dias o final do mundo está mais perto. O que antes era o anúncio extremista do religioso no meio da praça, hoje é manchete digital. Tá no Instagram, no Facebook, no Whatsapp do grupo. O final do mundo agora é trend.
Nas últimas semanas rodou na internet uma notícia anunciando que em 50 anos o Brasil seria um país inabitável. A informação surgiu segundo um complexo relatório da Nasa que apontava o aumento de temperatura nas zonas tropicais, tornando a vida em terras brasileiras insuportável até 2070. Vejam bem, Nasa é coisa séria, quem não prestaria atenção em mais um capítulo anunciado para o fim do mundo-Brasil?
Felizmente foi apenas um erro midiático, um deslize de interpretação, um desespero do algoritmo na corrida por números. O estudo é na verdade um artigo de 2020, publicado na revista Science Advance, com autoria de um grupo de pesquisadores, tendo o como autor principal Colin Raymond. Porém, os pesquisadores não fazem parte da Nasa, e o estudo não é nem de perto um relatório condenando o Brasil à extinção global.
Mesmo sendo apenas mais um desengano, a notícia gera muitas reflexões: onde vamos viver? Como vamos viver? O que estamos fazendo de fato para diminuir o agravamento das mudanças climáticas? Como vamos adaptar e tornar as sociedades mais resilientes frente a esse colapso anunciado? E talvez a mais importante de todas: conseguiremos fazer isso a tempo?
Vivendo no litoral norte de SP, em uma região que foi recentemente afetada por um evento climático extremo – em fevereiro de 2023, no bairro ao lado do meu, caiu o maior nível de chuva já registrado no Brasil, deixando muitos mortos, feridos, milhares de desabrigados e um caos social – a sensação de fim de mundo, mas também as palavras reparação e regeneração não saem da minha mente desde então.
Neste território, a faixa de estrada divide a floresta da zona urbana, a comunidade que vive no pé do morro, das casas de luxo e ruas bem cuidadas do lado da praia. Esse lugar é apenas uma lupa sobre a doença crônica brasileira: a linha divisória da sociedade.
Tão logo que a chuva passou, todos aqui perceberam a necessidade urgente de um plano de adaptação que começasse a minimizar os anos de descaso público que levaram a tamanha tragédia-crime. Tragédia- crime sim! Porque a emergência climática é criminosa, acentua o fim do mundo para os mais vulneráveis e minimizar os impactos disso é realmente o mínimo a se fazer.
O dia a dia após a tragédia climática no litoral norte de SP tem nos mostrado que o movimento e regeneração vem da base, das organizações socioambientais que não esqueceram a tragédia, e que por coincidência, são formadas pelas pessoas que vivem nas áreas de risco.
Mesmo diante de um cenário apocalíptico, esses movimentos estão insurgindo cada vez mais e mais, descobrindo novas "soluções climáticas locais", descobrindo que juntos e potencializando suas vozes, podem regenerar e adaptar para continuarem a existir de uma forma mais digna e justa.
Infelizmente, isso não é tão viralizante quanto o final do mundo que a Nasa nos dedicou. Os encontros comunitários, movimentos por moradia digna, pelos direitos humanos, pela preservação do mangue, pela biodiversidade e preservação das culturas tradicionais não estão no top trend das notícias. É uma pena, porque elas trazem a crítica, como também a esperança no meio do caos. São trends que amenizariam a sensação de desespero, solidão, impotência e que ainda fazem um chamado muito importante: coletivar para adaptar.
*Grace Luzzi é jornalista e realizadora audiovisual, mestre em Processos Audiovisuais pela ECA-USP, coordenadora de comunicação no Fundo Brasileiro de Educação Ambiental - FunBEA, que trabalha para o financiamento de movimentos socioambientais e educação ambiental crítica em todo o Brasil.
**As opiniões contidas neste artigo não necessariamente refletem as do Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires