Não é injusto classificar como criminosa a cobertura das eleições na Venezuela pela imprensa comercial brasileira. Parâmetros do jornalismo rasgados e opções editoriais que fortalecem a extrema direita e que – ao contrário do que afirmam – atacam a democracia e a soberania do país que faz fronteira com o Brasil. Além de tudo, um extremo desconhecimento do processo eleitoral e da histórica tentativa de desestabilização promovida pela direita venezuelana, apoiada e patrocinada por articulações globais.
Mesmo que o presidente eleito Nicolás Maduro tenha afirmado publicamente que vai divulgar todas as atas eleitorais que estão com seu partido, parece que suas palavras valem menos, são ao vento ou não consideradas e registradas. Com raras exceções, não há conteúdos jornalísticos que projetem como será o governo Maduro 3.
Quais os rumos da economia? Como o presidente eleito vai continuar lidando com as sanções econômicas? Perguntas básicas para um jornalismo pós-eleição não são feitas, já que a imprensa comercial se concentra em cobrir e insuflar a instabilidade. Esse tipo de cobertura contribui para a disseminação de uma leitura da Venezuela como um país autoritário.
Quando você estiver lendo esse texto, talvez o candidato derrotado Edmundo González Urrutia já tenha se autoproclamado presidente, a exemplo do que fez Juan Guaidó em 2019. Guaidó hoje vive em Miami, nos Estados Unidos, país que reconheceu sua autoproclamação a presidente.
Da nossa parte, lembramos que o Brasil de Fato reporta de Caracas desde 2017, sem pausas, sendo o único veículo brasileiro a manter essa correspondência. Naquele processo eleitoral, reforçamos nossa presença na cobertura acompanhando desde os últimos dias de campanha, o domingo das eleições e as movimentações no pós-eleição com a tentativa desestabilização da oposição – as guarimbas – e a resistência chavista.
Além da rua, não ignoramos cobrir as pressões internacionais para que a eleição seja verificada de forma transparente, como se manifestaram os presidentes do Brasil, da Colômbia e do México diante da oposição alegar tentativa de fraude, afirmação endossada por entidades como Centro Carter e negada por outras como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que afirmou que o processo de votação é auditável e legítimo. Partido do presidente Lula, o PT também reconheceu Maduro como presidente eleito.
Já Lopez Obrador, presidente do México, questionou a tentativa de ingerência da Organização dos Estados Americanos (OEA) na situação venezuelana.
Classificada por analistas como "a eleição mais observada do mundo", essa promete ser mais uma prova de fogo para as instituições da Venezuela, para o chavismo e para o próprio Maduro.
A instabilidade pós-eleição não é uma novidade na política venezuelana. Em 2013, após a primeira eleição de Maduro, a oposição pediu recontagem voto a voto e protestou violentamente nas ruas. O chavismo resistiu e o mandato do presidente eleito, seguiu.
Agora, em 2024, o trajeto tem sido parecido: a oposição alega fraude e disputa as ruas com os apoiadores de Maduro. Ao que pese as ruas estarem disputadas e divididas, é inegável que as classes populares engrossam as fileiras em defesa do legado de Hugo Chávez, vêm dos bairros e comunas e têm as conquistas dos últimos 15 anos frescas na memória. A revolução bolivariana mudou a cara do país.
É legítimo que a imprensa e a comunidade internacional cobrem verificação e transparência nas eleições, mas também é preciso que sejam contadas outras histórias sobre o país que abriga um processo revolucionário em curso, com um projeto popular (e, por isso, questionado pelas elites) e que constrói passo a passo sua soberania em meio ao tirânico histórico de intervenções estrangeiras na América Latina. Um país de indígenas, de negros, da salsa, do reggaeton, do rum, do petróleo, das experiências comunitárias. A pátria de Bolívar.
Seguimos,
Monyse Ravena
Coordenadora de Áudio e Vídeo
Edição: Martina Medina