Epidemia

Mundo está perdendo terreno na luta contra o HIV, e conservadorismo tem tudo a ver com isso

Conferência Internacional Sobre a Aids destaca necessidade de investimentos e garantia de acesso igualitário a inovações

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25ª Conferência Internacional sobre Aids aconteceu na Alemanha entre 22 e 26 de julho - © Steve Forrest / IAS
Sempre que há violações de direitos humanos, há crescimento de epidemia

O congresso que reúne as principais lideranças científicas e sociais no combate à aids em todo o mundo lançou um alerta para as nações em sua última edição. O mundo precisa rever o combate à doença e garantir financiamento, acesso e sustentabilidade. 

Essas temáticas foram centrais nos debates da 25ª edição da Conferência Internacional de Aids, que acontece a cada dois anos. Embora esteja diminuindo a passos lentos do ponto de vista global, a epidemia cresce em diversas regiões do globo.  

Problemas históricos, como os altos níveis de infecção em parte do continente africano, começam a ver soluções. No entanto, o avanço de políticas conservadoras amplia os números em locais do Leste Europeu, da Ásia Central, do Oriente Médio, do Norte da África e da América Latina. 

A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, Dulce Ferraz, acompanhou de perto as discussões. Em conversa com o podcast Repórter SUS, ela afirmou que há muitas razões para o cenário, mas o avanço do conservadorismo e de violações aos direitos humanos compõem as raízes do problema. 

“Há uma série de motivos, conflitos, guerras. Mas, em geral, o que vemos é que, sempre que há violações de direitos humanos, há crescimento de epidemia. Não adianta termos os melhores e mais eficazes medicamentos, se continuarmos violando os direitos das pessoas, o que as impedem de ter acesso ao mais básico, inclusive o acesso à saúde”, disse. 

No ano passado, o número de novas infecções no mundo chegou a 1,3 milhão, de acordo com dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). O resultado está muito distante da meta estabelecida para 2025, baixar as contaminações para 370 mil por ano. 

A conferência tratou dos avanços científicos já disponíveis para contar o avanço da doença. Mas a percepção de que o alcance dessas inovações é muito limitado sem mudanças no mercado, nas políticas sociais e na garantia de direitos humanos permeou o evento e foi temática central.  

“Como foi dito pelo representante da sociedade civil na abertura da conferência, temos um mundo que não está ficando mais fácil. Pelo contrário. Esses movimentos que querem fazer retroagir direitos - antigenero, anticiência, antivacina – prejudicam a resposta, prejudicam algumas populações mais do que outras”. 

Os dados do Unaids mostram que a manutenção dos níveis de investimento de 2020 no combate ao HIV pode resultar em mais de 14 milhões de mortes e quase 35 milhões de novas infecções até 2050. Os resultados afastam a meta de acabar com a epidemia até 2030.

E no Brasil? 

Os dados mais recentes sobre a epidemia no Brasil indicam que, em 2021, ela apresentou queda geral. No entanto, há cenários muito preocupantes. Entre homens de 15 a 29 anos o índice está em expansão. Mais de 50% dos novos casos foram registrados entre jovens de 25 a 29 anos.  

Somente em 2021, foram registradas quase 29 mil infecções pelo vírus em pessoas com idades entre 15 e 39 anos, 22,6 mil homens e 6,2 mil mulheres. “O Brasil é um país onde, há 15 anos, a epidemia cresce entre homens de 15 a 24 anos”, alerta Dulce Ferraz. 

Segundo ela, esse cenário também sofre o impacto das políticas conservadoras. “O Brasil foi deixando de ter educação sexual nas escolas. Há muita resistência dos setores conservadores, muita pressão das casas legislativas contra educação sexual nas escolas. Sabemos que é isso que permite às pessoas aprenderem a se proteger de todos os tipos de risco”. 

A pesquisadora também aponta a necessidade de ampliar o diálogo com a juventude. Ela nota, uma dificuldade crescente de compreensão desse estrato da sociedade por parte das famílias, da rede de educação, do meio acadêmico, de gestores e profissionais da saúde. 

De acordo com Dulce Ferraz, as particularidades de cada país explicitam a necessidade de uma articulação global no combate à doença, com foco no acesso, na equidade e com financiamento sustentável. 

“Tivemos a experiência da Covid, que ensinou para todo mundo que existir a tecnologia não garante acesso igual. É uma lição que temos trazido reiteradamente, insistindo que isso não pode se repetir. Precisamos de mecanismos de governança global que assegurem equidade na distribuição dos bens de saúde entre os países”. 

O repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de fato e a escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. 
 

Edição: Nathallia Fonseca