Coluna

Perdidos em Caracas

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Segundo o jornalista Paulo Moreira Leite, a derrota da oposição não deveria surpreender ninguém: Gonzalez é um candidato de expressão política nula - Yuri Cortez/AFP
Com o circo armado e pegando fogo, o restante do filme também já é conhecido

Olá,
Lula sonha com estabilidade, mas a esquerda brasileira bate cabeça e o parquinho dos vizinhos pega fogo.


.Armadilha. Apesar de todas as discussões acaloradas sobre as eleições venezuelanas, até aqui, todos os episódios seguiram um roteiro que já estava escrito e previsto. Antes mesmo do final da campanha eleitoral, ao contrário dos outros oito candidatos da oposição, Edmundo Gonzalez já havia se recusado a assinar um documento reconhecendo o resultado das eleições. Segundo o jornalista Paulo Moreira Leite, a derrota da oposição não deveria surpreender ninguém: Gonzalez é um candidato de expressão política nula, cuja única função é ser ventríloquo da verdadeira líder da oposição, Maria Corina, impedida de disputar por ter dupla nacionalidade, panamenha e venezuelana. Tanto que era Corina e não Gonzalez quem discursava nos últimos atos políticos. E, como aponta o sociólogo Francisco Prandi, havia base material e econômica para garantir a reeleição de Maduro. Exatamente como previsto, no domingo (28) a oposição declarou-se vitoriosa e anunciou uma fraude, apresentando como única prova uma pesquisa de boca de urna realizada por uma empresa americana, Edison Research, cujos clientes incluem órgãos do Departamento de Estado dos EUA. Para completar, o sistema eleitoral venezuelano, assim como o brasileiro, prevê 72 horas para a divulgação final das atas de votação, mas a oposição transformou o “atas já!” em palavras de ordem desde o primeiro momento. E exatamente como previsto, Maduro fez tudo o que a oposição esperava que ele fizesse. Com o circo armado e pegando fogo, o restante do filme também já é conhecido: Maduro deve aprofundar seu isolamento internacional, restrito à Rússia e China, enquanto a oposição vai seguir apostando numa fórmula que já não deu certo com Henrique Capriles e Juan Guaidó: incentivar a violência para provocar uma intervenção internacional, enquanto Corina… ops, Gonzalez passeia como presidente eleito. 

.Ratoeira. Neste cenário, a única surpresa é aquela expressa na perplexidade de Valter Pomar, dirigente nacional do PT: por que diabos uma parte da esquerda brasileira resolveu abraçar a defesa de uma milionária fascista? Aliada de Javier Milei e Jair Bolsonaro, defensora das privatizações e promotora de atos violentos, Maria Corina não deveria ter a simpatia de nenhum líder petista. Entre as hipóteses para esta posição, Pomar elenca o desejo por um minuto de fama nas redes sociais, algum pragmatismo político, ainda que inócuo, ou a defesa da democracia como valor. Nesse caso, não se explicaria o silêncio dos mesmos sobre as eleições na Rússia ou o genocídio na Palestina. O fato é que a divisão no PT fez a alegria dos veículos de comunicação. No frigir dos ovos, a pessoa mais sensata nesta história toda foi mesmo o presidente Lula. Por mais criticado que tenha sido por não se somar ao comportamento da claque, Lula manteve a linha política que sua diplomacia internacional teve ao longo dos mandatos,  fortaleceu uma posição de mediador no conflito - tanto que Milei pediu que o país representasse a Argentina em Caracas - e preservou a liderança regional, à frente de outros 10 países, alinhado com López Obrador e Gustavo Petro. Noves fora, a posição de Lula é pragmática, como analisa Luis Nassif: “Quando defende o processo eleitoral, mas não defende Maduro, Lula está agindo como age um Departamento de Estado. Interessa ao Brasil que a Venezuela não seja entregue à ultradireita. Simples assim.”.

.Bicho Papão. Lula completou um ano e meio de governo com os principais ajustes realizados. Porém, o sonho de colher os frutos de uma nova era de paz e prosperidade parece distante. Além dos vetos presidenciais, batalhas ideológicas como a descriminalização do porte de maconha e medidas anti-MST prometem travar a pauta do Congresso após o recesso e podem dificultar a regulamentação da reforma tributária. Já no STF, aguarda-se o julgamento dos polêmicos temas do Marco Temporal e do orçamento secreto. A menina dos olhos do governo continua sendo a economia, com  taxa de desemprego em queda, inflação controlada e crescimento moderado do PIB. Além disso, a popularidade do presidente vive um momento de estabilidade, inclusive com certa acomodação dos setores mais críticos, como os evangélicos. O problema é que faltam ainda dois anos pela frente e não há gordura para queimar. Para piorar, a batalha pelo futuro está sendo perdida em dois temas cruciais: os juros e o equilíbrio fiscal. Pela segunda vez consecutiva, o Copom decidiu pela manutenção da taxa Selic em 10,5%. É verdade que os juros altos nos Estados Unidos afetam o Brasil, mas está sendo usado como “muleta” para justificar o injustificável, afirma o economista Fernando Sarti. Sem contar o Bicho Papão neoliberal - o dinamismo econômico e o aquecimento do mercado de trabalho “maior do que o esperado” (?) - a desculpa absurda para implementar políticas de austeridade. Com razão, os setores industrial e de ciência e tecnologia reclamam que esse patamar de juros inviabiliza qualquer projeto de investimento, inovação e crescimento. O segundo problema é o ajuste fiscal com corte de gastos. Numa economia que apenas começa a se recuperar, ninguém sabe dizer qual será o efeito do corte de R$ 4,5 bilhões no PAC, ou de outros R$9 bilhões que atingirão as políticas sociais como saúde, educação, transportes e cidades. E é sintomático que os cortes sobre as emendas parlamentares e o orçamento militar sejam muito menores. Com o clima mudando tão rápido, os neoliberais olham animados para o futuro, prevendo para um próximo governo uma reforma orçamentária e mais uma fase da reforma da previdência. 

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O discurso de Netanyahu é um presente para os historiadores especializados em genocídio. Na Jacobina, Seraj Assi denuncia o colaboracionismo do Congresso Estadunidense com o genocídio em Gaza.


.Clara O capitalismo, longe de ser algo natural, é na verdade bem frágil”. A economista italiana fala sobre o papel ideológico da austeridade na manutenção do sistema econômico. No GGN.


.Agrotóxico, o assunto ignorado pela reforma tributária. Veja como o veneno receberá isenção fiscal fantasiado de “insumo agrícola”. Em O Joio e o Trigo.

.‘Vimos nossa casa, nosso trabalho, ir por água abaixo. Aqui foi como um bote salva-vidas’. A luta real por moradia no Rio Grande do Sul em formato HQ. Na Sumaúma. 

.84% dos prefeitos têm menos para investir do que um deputado. O Poder 360 mapeia a enorme desigualdade no orçamento do Congresso e das prefeituras do país.

.Os 40 contra a Belo Sun. Conheça a mineradora canadense que persegue e processa os que lutam contra a invasão de terras e a destruição ambiental. No Intercept Brasil.

.Atleta brasileira teme perder guarda da filha por competir nos Jogos de Paris: 'Aterrorizante'. A velocista Flávia Maria de Lima vive mais uma das inúmeras barreiras enfrentadas pelas esportistas brasileiras.

.Os mestres que levaram capoeira ao mundo, mas lutam por valorização no Brasil. Em documentário da BBC, os grandes mestres capoeiristas relatam sua luta por reconhecimento.


.Em encontro inédito, rappers GOG e Elniño exploram significado de Sankofa para discutir ciclos e avanços do movimento negro. Confira a apresentação do álbum no Programa Bem Viver.

Edição: Nathallia Fonseca