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Diplomatas analisam postura dos EUA sobre eleições na Venezuela: 'Aprenderam com erros do passado'

Brasil de Fato ouviu fontes diplomáticas dos países envolvidos na mediação da crise eleitoral na Venezuela

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) e São Paulo |
Antes do comunicado do Departamento de Estado, Maduro afirmou que se os EUA estiverem dispostos a respeitar a soberania da Venezuela, seria possível retomar o diálogo - Prensa Presidencial

Acostumados a se posicionarem duramente sobre eleições venezuelanas que envolvem o chavismo, os Estados Unidos agora adotam uma postura cautelosa sobre o pleito que deu a vitória ao presidente Nicolás Maduro. Isso se deve, segundo diplomatas de países envolvidos com a mediação da crise eleitoral do país e ouvidos pelo Brasil de Fato, a um série de fatores como o aprendizado com erros passados, interesses econômicos e eleitorais.

Na noite da eleição, no dia 28 de julho, a vice-presidente dos Estados Unidos e candidata pelo Partido Democrata para as eleições de 2024, Kamala Harris, expressou apoio "à decisão do povo venezuelano" e disse que continuará trabalhando por um futuro mais "democrático, próspero e seguro" para os venezuelanos. Horas depois, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano anunciou a reeleição de Maduro e alegou ter sofrido um ataque hacker que impediu - e segue impedindo até esta sexta-feira (09) - a divulgação dos resultados detalhados da votação.

Mesmo sem conhecer os resultados completos, o setor de extrema direita da oposição contestou o pleito e, sem apresentar provas, alega que houve fraude. A situação na Venezuela, então, entrou em um impasse que tenta ser resolvido na Justiça venezuelana e com mediação da diplomacia internacional, principalmente com envolvimento de Brasil, Colômbia e México, que seguem neutros, sem reconhecer nem a reeleição de Maduro, nem as acusações de fraude dos opositores.

A postura desses três países difere de um grupo de nações latino-americanas que decidiram embarcar na versão da direita e corroboram com a narrativa de fraude eleitoral, desconhecendo a vitória do atual presidente venezuelano.

No meio do caminho, os EUA parecem manter uma postura errática. Três dias depois do pleito, o Departamento de Estado dos EUA disse, sem apresentar provas, que o candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, havia recebido mais votos na eleição presidencial. Mas, na segunda-feira (5), o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Matthew Miller, afirmou que o país não reconhece González como presidente da Venezuela. 

Para diplomatas colombianos e brasileiros ouvidos pela reportagem, essa movimentação, que pode parecer errática à primeira vista, tem dois motivos: primeiro, a forma com que os governos de Brasil, Colômbia e México tomaram à frente na mediação; depois, a intenção dos estadunidenses de estarem pouco inclinados a voltar a apostar em atitudes que não surtiram resultados nos últimos anos.

“Houve uma curva de aprendizado dos EUA. Eles constataram, mais uma vez, que simplesmente negar um governo de fato não elimina o problema concreto do governo continuar existindo. Também descobriram, mais uma vez, o limite das sanções", disse um diplomata que, como os outros ouvidos pela reportagem, preferiu não se identificar.

"Uma coisa é reconhecer a vitória [de González]; o objetivo era aumentar a pressão sobre Maduro. Outra, bem diferente, é reconhecer alguém que não tem poder de fato como presidente de direito. Uma tolice, não serve para nada, pois González continuará não mandando no país". 

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Os governos dos três países sul-americanos divulgaram um comunicado conjunto em que reforçam o pedido de divulgação de dados por mesa de votação nas eleições venezuelanas do último domingo. Brasil, Colômbia e México apontam que "as controvérsias sobre o processo eleitoral devem ser dirimidas pela via institucional" e que o resultado do pleito deve passar por "verificação imparcial".

Diplomatas colombianos que trabalham em Caracas entendem que os EUA adotam uma postura paciente para observar como esses países vão tentar contornar a escalada de um embate político no país vizinho. Eles ressaltam, no entanto, que a coordenação dessa negociação está sendo feita diretamente pelos presidentes e assessores, e as embaixadas têm uma participação menor nesse balcão.

"Os EUA já deram essa retaguarda para a movimentação de Brasil, Colômbia e México. Mas isso não é negociado aqui nas embaixadas. Isso está sendo feito diretamente por Bogotá e Brasília", afirmou um diplomata. 

Outra fonte disse que o papel de Brasil, México e Colômbia na mediação "é um dos múltiplos componentes". "Se não houvesse nenhuma possibilidade de interlocução com Caracas, é provável que as atitudes dos EUA fossem diferentes", disse, explicando que isso não significa que a posição de Maduro estaria assegurada, já que, explica ele, "nada impede que acabem reconhecendo González como presidente de direito". 

O segundo ponto levantado é que os estadunidenses “aprenderam” com os movimentos dos últimos anos. A partir de 2014, os EUA aumentaram o ritmo das sanções e limitaram a capacidade de investimento do governo veenzuelano. Depois, nas eleições de 2018, reconheceram o ex-deputado Juan Guaidó como presidente autoproclamado ao invés da reeleição de Nicolás Maduro. Todos esses movimentos desgastaram a relação entre os governos estadunidense e venezuelano.

A leitura agora é de que negar um governo em exercício não acaba com o conflito e de que, mesmo tentando exercer uma pressão sobre o governo Maduro, as sanções tiveram um limite no impacto econômico, já que a Venezuela conseguiu, mesmo sob bloqueio, deixar a hiperinflação e estabilizar a moeda local, o bolívar. O objetivo de Washington seria tentar “normalizar” a relação com Caracas.

Os movimentos, no entanto, ainda são aguardados pela diplomacia brasileira e colombiana. Eles afirmam que, pela proximidade das eleições do EUA, é pouco provável que haja um movimento mais duro antes de qualquer encaminhamento, mas pelo histórico, não se pode descartar nada dos estadunidenses.

"Quem poderia decidir avançar o sinal são os EUA. Mas a época lá é eleitoral, e não tempo para aventuras. O Brasil faz o que se propõe, mas não tem - ninguém parece ter - uma chave para reversão dos acontecimentos", disse uma das fontes.

Petróleo: interesse dos EUA

Há também um interesse empresarial em jogo. Uma das principais empresas petroleiras dos EUA é a Chevron, que tem uma atuação centenária na Venezuela e possui grande parte dos poços no país. A limitação das vendas do petróleo venezuelano é motivo de críticas de congressistas que fazem lobby para grandes empresas do ramo energético no Capitólio. Para eles, há a expectativa de uma redução gradual do bloqueio e isso passa diretamente pela relação política entre os dois países.

"[Serviria] para normalizar as exportações de petróleo venezuelanas e investimentos de petroleiras no país; para tentar reduzir o fluxo de imigração para os EUA, tema de política interna bem sensível. Além disso, serviria para eliminar um foco de instabilidade nas Américas que serve para China e Rússia estarem presentes na região: afinal, são os parceiros que restaram à Venezuela, na ausência do 'Ocidente'", disse uma das fontes.

Há, no entanto, um cabo de guerra no Congresso dos EUA, já que grande parte do eleitorado latino-americano dos Estados do Sul são opositores ao governo de Nicolás Maduro. Por isso, muitos dos congressistas respondem aos interesses desses eleitores em uma pressão contrária pelo aumento das sanções.

"Há uma comunidade hispano-americana, principalmente cubana, ferozmente contrária a Maduro, Daniel Ortega [presidente da Nicarágua] e Miguel Díaz-Canel [presidente de Cuba]. As eleições ocorrem em menos de 90 dias", lembra o diplomata. "Os Estados do Sul dos EUA têm muito essa característica mesmo, de ter um eleitorado latino anti-chavista que pesa, principalmente no Congresso, tanto para democratas quanto republicanos", diz outra fonte.

E agora?

A principal questão envolvendo as eleições venezuelanas é a entrega das atas eleitorais. A oposição afirma ter mais de 80% das atas e que isso garantiria a vitória de Edmundo González Urrutia. Antes mesmo da divulgação dos resultados, a ex-deputada ultraliberal María Corina Machado já havia dito que "González Urrutia teve 70% dos votos e Nicolás Maduro 30%”.

A coalizão de direita Plataforma Unitária deu início a protestos violentos no último dia 29 de julho, mas que perderam força ao longo da semana. Nesta segunda-feira, González publicou uma nota nas redes sociais pedindo que militares do país “desobedeçam ordens”. No texto, o ex-embaixador se autoproclama "presidente eleito" da Venezuela e volta a afirmar, sem provas, que o presidente reeleito Nicolás Maduro não teve mais de 30% dos votos.

O presidente Nicolás Maduro entrou com um recurso no TSJ pedindo a investigação em relação aos ataques cibernéticos e à divulgação das atas. A medida é uma ferramenta para pedir à Justiça o cumprimento da Constituição em determinada situação. Ou seja, é um instrumento para questionar ações ou omissões de qualquer um dos Poderes.

Neste caso, o pedido é para que a Sala Eleitoral da Corte investigue o que o CNE denunciou como ataques hackers contra o sistema eleitoral venezuelano. A Sala Eleitoral recebeu na segunda-feira (5) todo o material eleitoral do CNE e começou a analisá-lo.

A chancelaria brasileira tem conversado com o governo venezuelano para tentar apaziguar a tensão no país. Nesta quinta-feira, Brasil, Colômbia e México publicaram um segundo comunicado reforçando a necessidade da publicação dos resultados de cada mesa de votação. Dessa vez, a nota afirma que o responsável por essa divulgação é o CNE, e não a Justiça venezuelana.

Edição: Lucas Estanislau