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'Luiz Gama deve estar na cesta básica da literatura', diz biógrafo premiado no Jabuti Acadêmico

Nesta semana, Bruno Rodrigues de Lima teve livro reconhecido na categoria Direito, até então inédita no prêmio

Ouça o áudio:

Cena do filme Doutor Gama, de Jeferson De, lançado em 2021: atuação de Luiz Gama como advogado libertou centenas de pessoas escravizadas - Divulgação
É urgente colocar Luiz Gama na cesta básica literária, acadêmica, científica e histórica do Brasil

A mais prestigiada premiação da literatura brasileira divulgou nesta semana os vencedores de uma categoria inédita da congratulação, o Jabuti Acadêmico, criada para prestigiar os trabalhos científicos desenvolvidos e publicados no país. 

São 29 editorias para contemplar as diversas áreas de conhecimento, como nutrição, medicina, biologia, história e filosofia. Na categoria direito, o vencedor da edição de estreia foi o escritor Bruno Rodrigues de Lima, com o quarto volume de uma série de onze que reúnem todos os registros escritos de Luiz Gama.

"Quando o Prêmio Jabuti Acadêmico reconhece Luiz Gama como livro do ano, isso significa uma enormidade para o cenário literário jurídico brasileiro. Nós estamos colocando Luiz Gama - e eu digo nós porque é uma tarefa coletiva, não é uma tarefa individual, nunca foi, nunca será - no cânone da literatura brasileira”, afirma o doutor em História do Direito pela Universidade de Frankfurt em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (9). 

O livro premiado se chama Direito (1870 – 1875) e foi publicado no passado pela editora Hedra, compilando 70 textos de Gama. Grande parte dos escritos nunca haviam sido publicados em livro. Eles registram a trajetória do abolicionista no início de sua carreira na advocacia.

Como quatro volumes lançados da série de 11 previsos, a ideia é seguir lançando dois por ano para dar tempo da sociedade "absorver e ter tempo de ler" todas as obras, explica Lima.  "O que eu sei é que é urgente colocar Luiz Gama na cesta básica literária, acadêmica, científica e histórica do Brasil. E é essa minha tarefa já desde garoto, que é ir nos arquivos da escravidão, recolher, material por material, escrito por escrito, papel por papel, os textos de quem eu considero o maior escritor de língua portuguesa nascido no Brasil, que é o baiano Luiz Gama."

Gama nasceu em 1830, em Salvador. Apesar de ter nascido livre, por ter como mãe uma escravizada liberta, foi vendido por seu pai aos 10 anos, quando parou em São Paulo. Aos 18 anos, na capital paulista, apresentou as provas da ilegalidade de ser mantido como escravizado e pôde, enfim, se libertar.

Passou pelo Rio de Janeiro, mas foi em São Paulo que permaneceu a maior parte da vida. Por lá, aprendeu Direito de forma autodidata por ter sido sendo proibido de frequentar tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo (USP). Por meio dos conhecimentos, adquiridos foi capaz de libertar mais de 750 pessoas

Lima reforça que "Luiz Gama era um mestre da literatura, alguém que escrevia muitíssimo bem em variados estilos e gêneros. Alguém com habilidades fantásticas na literatura". 

Dentre os próximos livros a serem publicados na série, estão dois que reúnem escritos da literatura e poesia. Um deles causa especial empolgação em Lima. 

"E vem aí justamente o volume de Poesia, e outro intitulado Profecia, que é, talvez, o núcleo duro das obras completas do Luiz Gama: a transição dele da poesia para escritos abolicionistas e de intervenção política", explica. 

"Ou seja, é o Gama satírico e lírico indo até o político e teórico. É fantástico esse volume, já estou aqui fazendo uma propaganda antecipadamente."

Confira a entrevista na íntegra 

Como você recebeu a notícia de que seu trabalho sobre Luiz Gama recebeu a premiação?

Luiz Gama era um mestre da literatura, alguém que escrevia muitíssimo bem em variados estilos e gêneros. Alguém com habilidades fantásticas na literatura.  

Ele sempre olhou premiações com bastante cautel, para não dizer desdém, porque ele sabe da dimensão política de premiações, o que é sempre importante a gente ter em vista. Mas, pensando em literatura, poesia e um festival que reúne o que se tem de melhor.... Luiz Gama valorizava muito a educação, o aprendizado e o desenvolvimento das letras. Então, eu não sei como é que ele veria uma premiação dessa.
 
O que eu sei é que é urgente colocar Luiz Gama na cesta básica literária, acadêmica, científica e histórica do Brasil. E é essa minha tarefa já desde garoto, que é ir nos arquivos da escravidão, recolher, material por material, escrito por escrito, papel por papel, os textos de quem eu considero o maior escritor de língua portuguesa nascido no Brasil, que é o baiano Luiz Gama.  

Explica melhor como funciona essa série de onze livros?

Eu parto de duas premissas para organizar metodologicamente o meu trabalho. Quais são? Primeiro, tudo o que o Luiz Gama escreveu tem valor histórico. Segundo, tudo que o Luiz Gama escreveu tem interesse público, seja para compreender o Brasil com a comunidade como um todo, seja ela acadêmica.

E, pensando dessa maneira, fui atrás de tudo o que o Luiz Gama escreveu e esse material estava disperso em muitos arquivos. Eu estou falando aí de mais de 40 arquivos.

Eu realmente fui ver tudo. Por exemplo, 26 de abril de1850. Eu sei que nessa época ele tinha 19 anos e estava começando a trabalhar na Secretaria de Polícia de São Paulo. Ele mandava cartas, recebia cartas, autuava processos, colaborava com jornais e é o primeiro escritor negro a publicar um livro de poesias no Brasil. 

Então, ele lança um projeto literário. A partir de São Paulo, é claro que ele trabalhava na polícia primeiro como escrevente, depois escrivão, depois amanuense. Profissões que, Lima Barreto, 80 anos depois, veio a exercer.

Todo esse material eu fui reunindo arquivo por arquivo e organizei em 11 volumes, cada um para um período cronológico. E separava esse material com uma palavra síntese, guia, uma palavra temática. 

Portanto, o livro premiado no Jabuti é o quarto volume das Obras Completas. Nós temos aqui o recorte cronológico, que é a primeira metade da década de 1970, e nós temos o recorte temático, que é a palavra síntese, no caso, Direito.

Porque essa palavra-chave para este recorte histórico? Ora, porque o Luiz Gama começa a advogar de fato, de papel passado, com uma licença oficial para advogado, em 1870. 

Você considerou esse reconhecimento de Luiz Gama tardio?

Eu acho que é um baita de um reconhecimento, um baita de um reconhecimento, especialmente por ser no Direito, ou seja, o Direito, que é um dos lugares mais difíceis de ser falar de combate às desigualdades, de falar de promoção de direitos humanos. 

O Direito reconhece Luiz Gama hoje como advogado, de fato. E virá num futuro muito próximo, assim acredito, o reconhecimento como um jurista.  

E o maior jurista da história desse país, uma vez que dá contribuições para o Direito administrativo, para o Direito civil, para o Direito penal, para o Direito processual. 

Então, quando o Prêmio Jabuti Acadêmico reconhece Luz Gama como livro do ano de 2024, isso significa uma enormidade para o cenário literário jurídico brasileiro. Ou seja, nós estamos avançando, nós estamos colocando Luiz Gama - e eu digo nós porque é uma tarefa coletiva, não é uma tarefa individual, nunca foi, nunca será - no cânone da literatura brasileira. 

Nós o estamos colocando no centro da produção jurídica e, no futuro, não teremos como falar de Direito sem falar de Luiz Gama. 

E será que esses registros literários de Gama vão concorrer também ao Jabuti, no caso de literatura?

Assim como o Gama dá contribuições variadas dentro do Direito, como eu estava dizendo agora, ele também dá contribuições para áreas diferentes da literatura, como a poesia e a crônica, os contos.  

Ou seja, ele está escrevendo, experimentando estilos diferentes. Nas obras completas, a editora Hedra, a editora que lança as obras completas do Luiz Gama, sugeriu e eu acatei de lançar dois volumes por ano, de modo que o público tenha tempo de ler, tenha tempo de discutir, ao invés de lançar tudo de uma vez.  

Ano que vem, vêm mais dois volumes e assim, sucessivamente, até quando nós completarmos os onze volumes. Nós já lançamos quatro. 

E vem aí justamente o volume de Poesia, e outro entitulado Profecia, que é, talvez, o núcleo duro das obras completas do Luiz Gama, que é a transição dele da poesia para escritos abolicionistas e de intervenção política. 

Ou seja, é o Gama satírico e lírico indo até o político e teórico. É fantástico esse volume, já estou aqui fazendo uma propaganda antecipadamente. 

Em primeiro lugar, não adianta prêmio algum se não tiver a difusão da leitura. Então, estar aqui, no Brasil de Fato, conversando sobre um livro de Direito, é chamar os outros livros do Luiz Gama. 

É chamar o livro dos contos e das crônicas que estão no Profecia, é chamar os escritos de comédia, que é o Gama burlesco, pensando e dando risada do Brasil escravista - rindo para não chorar, basicamente isso.  

Essa literatura que o Gama oferta e que foi apagada, silenciada, enterrada, salgada a terra por cima, é uma literatura que faz falta a essa geração nossa.


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Edição: Martina Medina