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Realização de novas eleições na Venezuela é ‘inviável’, dizem analistas

Diplomacia brasileira entende que essa ainda é uma ideia embrionária e que não há nada concreto

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Governo brasileiro assumiu a frente da negociação e tem trabalhado com Colômbia e México para encontrar uma saída à crise da Venezuela - Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo brasileiro começou a discutir nos últimos dias, de maneira inicial, a possibilidade de uma nova eleição na Venezuela. Depois de um pleito que deu a vitória a Nicolás Maduro e foi contestado pela oposição, a possibilidade ventilada por Brasília ainda não foi discutida pelo Itamaraty e é tratada como apenas uma ideia embrionária. Mas de acordo com diplomatas ouvidos pelo Brasil de Fato, ainda não há “nada concreto”, apesar de a informação ter repercutido no país vizinho.

À reportagem, analistas políticos disseram considerar a realização de novas eleições "inviável”. Segundo o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, há muitos problemas em realizar um novo pleito na Venezuela porque nem governo nem oposição sinalizam que vão ter conduta diferente em uma eventual nova disputa.

“O Celso Amorim perguntou quais seriam os problemas de uma nova eleição. Seriam muitos. Primeiro que o governo acaba tendo influência sobre o CNE (Conselho Nacional Eleitoral). Segundo que a oposição questionou o resultado em um contexto ainda indefinido e pergunta porque quem está no exterior não pode votar. Então o que teria de diferente agora em uma segunda eleição? Fora o custo que é fazer isso”, disse.

 

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Até agora, o governo brasileiro tem articulado com Colômbia e México uma mediação da questão eleitoral venezuelana. Os três governos emitiram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) e não pela Justiça do país. 

Para Menezes, essa proposta do Brasil abre caminho para postergar uma definição sobre a situação eleitoral venezuelana, se reconhece ou não a vitória de Nicolás Maduro.

“Ao adotar essa posição, o Brasil e especificamente o Celso Amorim, que não é o Itamaraty, acaba jogando a responsabilidade nas costas do Maduro. O próprio Celso sabe que é difícil uma segunda eleição acontecer. Ele conversou com a oposição e com o núcleo duro do chavismo e sabe que uma nova eleição não iria acalmar a Maria Corina. Acaba parecendo uma forma de o Brasil dizer que quer se esquivar”, disse. 

O Brasil de Fato também ouviu diferentes setores do governo e da oposição da Venezuela que consideraram a proposta “sem sentido”. Os dois lados entendem que o desgaste já foi feito e a ideia é respeitar o resultado do pleito. A diferença é qual resultado seria esse.

O CNE anunciou a vitória de Maduro para um terceiro mandato com 51,97% dos votos contra 43,18% do opositor Edmundo González Urrutia. Já os opositores afirmam ter a cópia de 70% das atas eleitorais e que a soma desses resultados garantiria a vitória de Edmundo González. 

O professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela Reynaldo Tamaris entende que a ideia do Brasil irrita alguns setores do governo porque soa como uma “ingerência” em assuntos internos do país. Para ele, o fato de o pleito estar judicializado deveria levar atores internacionais a agirem com mais cautela. 

“Parece uma forma de ingerência do governo Lula. Celso Amorim sabe que a situação está nas mãos do Tribunal e não tem o que fazer neste momento até uma decisão do Supremo. Quando o governo Lula diz que as eleições podem ser repetidas, está violando as leis venezuelanas e criando condições nada favoráveis para a Venezuela no âmbito internacional”, disse ao Brasil de Fato. 

Para essa mediação, as embaixadas de Brasil, Colômbia e México em Caracas só fazem o apoio de comunicação e logística. As negociações estão sendo tocadas diretamente pelas capitais Brasília, Bogotá e Cidade do México. Os presidentes dos três países tinham uma ligação agendada para a última segunda-feira (12) para discutir saídas para a crise do país vizinho, mas foi cancelada por uma falta de horários nas agendas dos mandatários. 

Depois, o chefe do Executivo mexicano, Andrés Manuel López Obrador, disse que não vai falar com os presidentes Lula (Brasil) e Gustavo Petro (Colômbia) até que o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) emita um posicionamento sobre as eleições do país. Agora, a percepção de diplomatas brasileiros é que as conversas com os outros países “estagnou” e vai depender mais do que for divulgado pela Justiça venezuelana.

A bola com o TSJ

O processo eleitoral venezuelano foi judicializado pelo próprio presidente Nicolás Maduro. O Conselho Nacional Eleitoral venezuelano (CNE) atrasou a divulgação dos resultados detalhados alegando que houve um ataque hacker contra o sistema eleitoral. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) investiga os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu 9 dos 10 candidatos que disputaram o pleito. Só o opositor Edmundo González Urrutia não compareceu.

Tamaris explica que o TSJ tem agora três cenários possíveis: anular os resultados, repetir as eleições ou emitir medidas cautelares - que são pedidos feitos pela Justiça para acelerar alguma medida. Para ele, o mais provável que aconteça é o terceiro cenário, em que a Corte reconhece os resultados divulgados e decida por medidas cautelares contra algum candidato que tenha cometido crime. 

“O TSJ deve emitir uma decisão reconhecendo a vitória de Maduro de acordo com o material eleitoral entregue pelo CNE e pode emitir essas medidas cautelares pedindo a prisão de algum candidato que eles entendam que cometeu desvios. Nesse caso, seria Edmundo González, já que ele faltou na audiência que convocou todos os candidatos para prestar esclarecimentos sobre o pleito. Se ficar comprovada a vitória de Maduro, também tem a questão das atas divulgadas pela oposição. Isso pode inabilitar Edmundo também”, disse. 

Os opositores de Maduro divulgaram em dois sites uma suposta lista das atas eleitorais. Em um deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter. 

Mas eles não publicaram a relação completa das atas na Justiça venezuelana e nem entraram com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais. Corina disse que seu candidato, Edmundo González, ganhou o pleito por larga margem, 70% a 30% de Maduro.

Depois do processo movido por Maduro, a Justiça convocou todos os candidatos para prestarem esclarecimento sobre as eleições do país. Edmundo González Urrutia não se apresentou ao TSJ e enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da seção, Rosales disse que a oposição "não precisa entregar nada" e exigiu a entrega das atas eleitorais pelo CNE.

Nesse meio tempo, o candidato derrotado nas eleições publicou nota nas redes sociais pedindo que militares do país "desobedeçam ordens" e "respeitem o resultado das eleições". No texto, Edmundo González autoproclama presidente da Venezuela.

Também nesta quarta (14), outro candidato presidencial de oposição, Enrique Márquez afirmou que pedirá uma investigação criminal contra os diretores da autoridade eleitoral por proclamarem Nicolás Maduro presidente reeleito ao mesmo tempo em que denunciavam um ataque ao sistema de votação.

*Com AFP

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho