ANÁLISE

Todos os lugares em Gaza - incluindo escolas - são alvos

No dia 10 de agosto, aviões a jato israelenses sobrevoaram Gaza e bombardearam a escola al-Taba’een

Nova York (EUA) |
Ataque israelense contra escola em Gaza no dia 10 de agosto - via Euro-Med Human Rights Monitor

É como se o exército israelense estivesse tentando juntar o maior número de palestinos em um só lugar para, assim, assassinar a todos. No início de agosto, Ahmed Abed e sua família saíram da escola Dalal al-Maghribi após um ataque aéreo forçar seu deslocamento. A ação matou 15 palestinos que estavam abrigados lá após Israel bombardear suas casas no bairro de Ash Shujaiyeh, em Gaza.

A escola particular com uma mesquita interligada abrigava 2,5 mil pessoas. Desde o início dos bombardeios em outubro de 2023, os palestinos têm se refugiado em escolas privadas e também nas gerenciadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em relatório, a organização informou que, na Faixa de Gaza, os ataques israelenses danificaram 190 de suas instalações, a maioria delas escolas. Essas escolas — fossem privadas ou da ONU — eram os únicos lugares vistos como relativamente seguros.

Às 4h30 da manhã do dia 10 de agosto, aviões a jato israelenses sobrevoaram Gaza e lançaram bombas do tipo GBU-39 de 125kg (250 libras), de origem americana, sobre a escola e mesquita al-Taba’een. Neste momento, um grande número de habitantes do local estava reunido na mesquita para a Oração da Alvorada, o Fajr.

As bombas atingiram pessoas próximas da mesquita e mataram ao menos 100 palestinos. Este massacre grotesco ocorreu logo após os EUA enviarem mais armas do tipo à Israel. Sarah Leah Whitson, ex-diretora da divisão para Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch, escreveu que as vendas dos EUA para Israel no dia do bombardeamento demonstram "uma condição pavloviana para um exército feroz".

Apesar de declarações ocasionais sobre possíveis interrupções de vendas de armas, os EUA têm consistentemente armado Israel ao longo desta guerra genocida. Desde 1948, o país tem abastecido o equivalente a US$ 130 bilhões (equivalentes a cerac de R$ 713 bi) em armas para Israel. Entre 2018 e 2022, 79% de todas as armas vendidas para Israel vieram dos EUA (seguido pela Alemanha, que forneceu 20% das importações armamentistas). As vendas de armas estadunidense foram deliberadamente despachadas em pequenos lotes de US$ 25 milhões; desta forma não seria necessário passar pelo escrutínio do Congresso do país, e, consequentemente, do debate público.

De outubro de 2023 a março de 2024, os EUA aprovaram 100 destas pequenas compras, que, juntas, somam mais de US$ 1 bilhão em vendas de armas, incluindo a bomba GBU-39. Criada em solo estadunidense, é importante saber que a bomba provavelmente foi carregada em um jato israelense por um técnico dos EUA.

Escolas como alvo são o padrão

Mahmoud Basal, assessor da defesa civil de Gaza, disse que os médicos que foram ao local da escola al-Taba’een, muitos deles acostumados com este tipo de violência, ficaram confusos com o que encontraram. "Os corpos e membros estão espalhados pela região da escola", disse Basal. "Está muito difícil para os paramédicos identificarem todo um corpo. Um braço aqui, uma perna lá. Os corpos estão em pedaços. O time médico não sabe o que fazer diante da cena."

Ao menos 40 mil palestinos foram mortos por bombardeios israelenses desde outubro de 2023, e 2 milhões foram deslocados de suas casas.

Logo após o ataque de Israel à escola al-Taba'een, forças israelenses aumentaram os bombardeios contra escolas que funcionam como abrigos. Em julho, o exército israelense atingiu 17 escolas em Gaza, matando ao menos 163 palestinos. Em 27 de julho, Israel atingiu as escolas Khadija e Ahmad al-Kurd, localizadas em Deir al-Balah, e mataram 30 pessoas. Em 1 de agosto, 15 palestinos foram mortos na escola Dalal Moghrabi, em Ash Shujaiyeh; no dia 3 de agosto, as escolas Hamama e Huda, em Sheikh Radwan viram o assassinato de outros 16. No dia 4 de agosto, ataques nas escolas Hassan Salame e Nasser mataram outros 25 palestinos, seguido pelo ataque em 8 de agosto nas escolas al-Zahraa e Abdul Fattah Hamouda, que matou mais 17 refugiados.

Toda essa sequência de ataques em escolas é anterior ao bombardeio de 10 de agosto, o que mostra que civis que buscam refúgio em escolas se tornaram um alvo padrão. O massacre em al-Taba'een é o vigésimo primeiro ataque contra escolas usadas como abrigo desde 4 de julho. Ahmed Abed perdeu seu cunhado, Abdullah al -Arair no massacre recente. "Não há mais para onde ir", disse ele. Todo lugar em Gaza é um alvo".

Israel nega

Israel confirmou o bombardeio em escolas, mas negou que matou civis. Na verdade, Israel não denomina tais lugares como escolas, mas sim como "estruturas militares". O exército israelense declarou que matou ao menos 20 "terroristas", desde que alegou ter atingido um "centro de controle do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina dentro de uma mesquita". Autoridades israelenses revelaram uma lista de nomes com ao menos 19 pessoas que, segundo eles, eram integrantes de alta patente do Hamas e da Jihad Islâmica. 

Membros do Monitor Euro-Mediterrâneo de Direitos Humanos, organização independente baseada na Suíça, estudaram a lista fornecida por Israel e descobriram que os dados são falsos. Eles foram até a escola, fizeram um levantamento dos sobreviventes e revisaram o controle israelense de registros dos nomes dos civis. "A investigação preliminar descobriu que o Exército de Israel usou nomes de palestinos mortos em ataques na sua lista, alguns deles mortos em ataques anteriores".

As três pessoas mortas anteriormente, cujos nomes apareceram na lista de Israel, incluem Ahmed Ihab al-Jaabari, morto em 5 de dezembro de 2023, Youssef al-Wadiyya, morto em 8 de agosto de 2024 e Montaser Daher, morto em 9 de agosto deste ano.

A lista israelense também continha três civis que não tinham qualquer ligação com grupos militantes, incluindo um diretor de escola, Abdul Aziz Misbah al-Kafarna, e um professor de língua árabe e vice-presidente da Câmara Municipal de Beit Hanoun, Yousef Kahlout. A lista também inclui seis civis que "inclusive, eram contrários ao Hamas".

É impressionante que, até em suas próprias declarações, oficiais israelenses parecem não ter certeza sobre suas reivindicações. Daniel Hagari, contra-almirante do Exército de Israel, disse que "diversas indicações da inteligência", mostraram que havia uma "alta probabilidade" de que Ashraf Juda, comandante da Jihad Islâmica, estava na escola al-Taba'een. No entanto, os israelenses não confirmaram esta informação. Portanto, Israel matou 100 civis mesmo não tendo certeza se o alvo estava na estrutura naquele momento.

O Exército israelense armou um padrão para sua campanha genocida. Primeiro, bombardeia bairros civis, mandando pessoas aterrorizadas para abrigos como escolas e hospitais. Depois, ordena deslocamentos em massa em diversas áreas, forçando pessoas abrigadas a viverem em pânico, visto que muitas delas não têm como deixar os abrigos para outros lugares ("não há mais para onde ir", disse Ahmed Abed, aliás). Após decretar as ordens de deslocamento, Israel bombardeia os abrigos, incluindo hospitais e escolas, sob o argumento de que são alvos militares. Esta fórmula foi decretada em várias partes de Gaza.

Agora, Israel anunciou ordens de deslocamentos forçados para pessoas localizadas em Khan Younis, cidade central de Gaza. Além disso, forças israelenses iniciaram ataques aéreos e de artilharia no leste de Khan Younis. A partir de agora vamos ver esses tipos de ataques em escolas e hospitais que são abrigos para pessoas desesperadas no centro de Gaza, com todos os prédios entendidos como alvos legítimos por Israel.

* Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano, diretor geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho