ELEIÇÕES 2024

Em polarização entre Lula e Bolsonaro, Centrão pode ganhar espaço nas eleições municipais

Partidos que figuram entre a esquerda e direita brasileira podem pesar no resultado das urnas municipais

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Propaganda eleitoral para as eleições municipais começa nesta sexta (16). - Foto: Caroline Pacheco/Famecos/PUCRS. Fonte: Agência Senado.
É uma eleição disputadíssima. Não há meio-termo ou ficar em cima do muro, o mundo está polarizado

“É uma eleição disputadíssima. Não há meio-termo ou ficar em cima do muro, o mundo está polarizado. É guerra, crise climática, pandemia, riscos com a crise social e eu acho que o Brasil não foge dessa regra. Então nós vamos ter a eleição publicizada. Sendo 2024 o primeiro turno para 2026, o segundo será a própria eleição de 2026”, afirma José Genoíno, ex-presidente do PT, ao analisar o cenário brasileiro e as pautas que surgirão nas eleições municipais.

A dois meses do pleito que elegerá prefeitos e vereadores em todo o Brasil, Genoíno chama atenção para o peso dos partidos do Centrão na corrida eleitoral. Ele lembra que esses partidos, antes mais "ideológicos e políticos", hoje se adaptam à "radicalização do poder local". Genoíno alerta que o Centrão usará tanto o discurso da direita radical quanto a imagem de Lula, dependendo da região e das circunstâncias.

Nesta sexta-feira (16), foi oficialmente dada a largada para as eleições municipais de 2024, que determinará os prefeitos e vereadores em 5.568 municípios brasileiros. O prazo para registro das candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se encerrou na quinta-feira (15), e o cenário eleitoral agora começa a tomar forma de maneira imprevisível.

No episódio do podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato e apresentado pelos jornalistas Igor Carvalho e Nara Lacerda, Genoíno participou ao lado do cientista político Paulo Niccoli Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Juntos, eles traçam um raio-x das eleições nas capitais brasileiras e discutem o impacto do Centrão nas eleições, a relevância das pautas sociais e a igualdade de gênero e raça nas candidaturas. Neste episódio, o foco está em cinco cidades estratégicas: Porto Alegre, Rio de Janeiro, Fortaleza, Goiânia e Belém.

Após a polarização política intensificada com o governo de Jair Bolsonaro e a vitória de Lula em 2022, Genoíno alerta para os perigos que a extrema-direita ainda representa no cenário atual. “As cidades foram palco da destruição do modelo neoliberal. Políticas públicas como saúde, educação, mobilidade, moradia, segurança foi elevado ao nível de uma política de destruição”, relembra Genoíno.

Ramirez observa que tanto Lula quanto Bolsonaro ainda exercem grande influência sobre os municípios. “Ambos (Bolsonaro e Lula) têm muito capital político, resultado da última eleição, e uma influência muito grande nos municípios”. E sublinha sobre a força destes em direcionar votos em diferentes regiões pelo país. Já o Centrão, segundo ele, possui fortes aliados, “têm a seu favor o agronegócio e meios de comunicação, consequentemente mais poder aquisitivo e poder econômico para fazer campanhas [...] eles dançam conforme a música”.

Em São Paulo, a maior cidade do país, o Centrão se destaca na disputa pela prefeitura. O candidato Guilherme Boulos (PSOL), terá como principais concorrentes, não apenas Ricardo Nunes (MBD), que busca reeleição, mas também postulantes como José Luiz Datena (PSDB); Tábata Amaral (PSB), única que, ao contrário dos outros dois, também representa um partido de centro, porém enviesado à esquerda; e Pablo Marçal (PRTB), candidato de extrema direita, e apoiador do ex-presidente. Para Ramirez, o “cenário paulista reflete a consolidação do Centrão nas principais capitais brasileiras”.

À esquerda pelos quatro cantos

Em grandes capitais, lideranças progressistas tentam se destacar. Em Porto Alegre, após as enchentes que atingiram o estado e a situação agravada pelo descaso da política local, Maria do Rosário (PT) desponta com 34% das intenções de voto, como principal adversária do atual prefeito Sebastião Melo (MDB), que “se escondeu” durante os desastres, como relembra Ramirez.

Visto a condição delicada que o sul do país enfrenta, Genoíno também evidencia que em caso de vitória de Maria do Rosário, seria necessário implementar o “modelo de gestão do PT”, em prol de resgatar o trabalho feito por Tarso Genro e João Verle anos atrás.

Já no Rio de Janeiro, o atual prefeito Eduardo Paes (PSD), apoiado por Lula, lidera as pesquisas enquanto o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem (PL), indicado por Bolsonaro, luta para se firmar. De acordo com Ramirez, a candidatura de Ramagem representa bem o “colapso bolsonarista no Rio de Janeiro, que viveu a ‘Idade das Trevas’ da política brasileira.”

Diferente do que ocorre em Fortaleza (CE), onde desde as últimas eleições presidenciais o cenário político é instável, principalmente dada a derrota de Ciro Gomes (PDT), e o conflito com seu irmão Cid Gomes (PSB). Desta maneira, a cidade nordestina encara um empate técnico entre os pleiteantes à prefeitura local.

Genoíno frisa que “Fortaleza é uma cidade pela esquerda”, e quanto a importância da postura feminina na governança local, destaca que “Fortaleza é feminista, é uma cidade que adota as teses progressistas no sentido geral”, reforçando a importância da participação da deputada Luizianne Lins (PT) na candidatura de Evandro Leitão (PT), que começou a aparecer dentre os principais postulantes ao cargo nas últimas pesquisas, e conclui reforçando que é possível a eleição do candidato progressista, mas terá de “ser na raça, na rua!”

Similarmente, na região centro-oeste do país, mais precisamente em Goiânia (GO), Adriana Accorsi (PT) também encabeça a lista de pretensão de votos locais, seguida por Vanderlan Cardoso (PSD), que se distancia cada vez mais de Frederico Nascimento (PL), indicado de Bolsonaro em substituição a Gustavo Gayer (PL), visto pretensões futuras na disputa pelo governo de Goiás.

Para Genoíno, a escolha de Fred nada mais é do que uma “aliança entre a direita tradicional, e a nova direita”, comparando o ex-presidente com o atual governador Ronaldo Gomes Caiado (União), e também salienta que a disputa em Goiânia "vai ser uma das eleições mais difíceis pra gente enfrentar. Porque lá existe uma hegemonia do pensamento conservador de direita representado pelo Governador.” 

Ramirez acentua que, apesar das manobras conservadoras, a liderança de Accorsi demonstra como o “bolsonarismo está se esgotando, similar ao fim de um sonho de uma noite de verão”.

Já ao norte no país, pontualmente em Belém (PA), o certame pela prefeitura é acirrado, porém Ramirez aposta pela “memória do eleitor, que acaba sendo atraída por quem fez algo”, em vista do primeiro mandato Edmilson Rodrigues (Psol), que busca sua reeleição.

Por fim, Genoíno reforça a necessidade de um governo progressista, justamente para combater o conservadorismo local, visto que a região apresenta uma “direita pior do que Bolsonaro” e sobre os parlamentares locais, enfatiza que são “aqueles deputados federais que fazem espetáculo fascista na Câmara dos Deputados!”

Desigualdade racial e de gênero nas eleições

As disputas municipais deste ano expõem não só a polarização política nacional, principalmente dado o enfrentamento a candidatos ultradireitistas e o crescimento de partidos do centrão com seus representantes “outsiders e aventureiros” como destaca Ramirez, mas também evidenciam a necessidade de representatividade feminina à frente de candidaturas, assim como a visibilidade de pessoas negras.

Das 26 capitais brasileiras, em nove não há uma única candidatura feminina. Isso significa que em Florianópolis, Cuiabá, Fortaleza, São Luís, João Pessoa, Teresina, Rio Branco, Manaus e Macapá, somente homens disputarão a prefeitura local, e em São Paulo e novamente Florianópolis, todos os concorrentes são brancos.

Em face dessa hegemonia masculina e branca, Genoíno ratifica sobre a necessidade de uma reforma no sistema eleitoral brasieiro, e como tal restauração poderia ser instrumento para combater toda e qualquer discriminação no cenário político nacional.

“A representação (política) no Brasil é oligárquica, dessa forma ela favorece o machismo e o racismo estrutural, assim como a exclusão das correntes vulneráveis”, enfatiza o ex-presidente do PT. Em concordância, Ramirez salienta sobre a presença do “machismo da sociedade brasileira, o pouco protagonismo que se dá às mulheres, sobretudo a candidatura de mulheres negras.” conclui o professor.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

 

Edição: Nathallia Fonseca