Coluna

O fim da Liradura?

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Desde que assumiu o governo, Lula herdou da era Bolsonaro não só um Campos Neto à frente do Banco Central, mas também um Arthur Lira na Câmara e um Congresso empoderado - Mário Agra/Câmara dos Deputados
No meio do fogo cruzado quem vai pagar a conta é o governo com um lockout operado por Lira e Pacheco

Olá!

O parlamentarismo orçamentário e a política de chantagem de Arthur Lira podem estar perto do fim.

.Batalhas perdidas. A guerra é mais do que a soma das batalhas e é preciso estar atento ao rumo de cada movimento. Os resultados das muitas escaramuças abertas deveriam acender o alerta do governo para esta lição. Como nas relações internacionais, por exemplo. É verdade que o contexto regional é complicado e que hoje há mais discórdia do que unidade entre a esquerda da região, como se vê na impossibilidade de construir uma saída conjunta com o México e a Colômbia sobre a crise na Venezuela e a recente treta do governo da Nicarágua com a diplomacia brasileira por uma questão absolutamente secundária. E, no fim, todo mundo sai perdendo. Até porque, no caso do Brasil, onde uma parte do eleitorado está mais preocupado com Maduro do que com saúde e educação, mesmo que os prefeitos nada tenham a ver com isso, até as relações externas podem influenciar as eleições municipais. O segundo ponto de fragilidade é a eficácia de políticas públicas em áreas sensíveis. Na Educação, o desempenho do ensino básico brasileiro no ano passado foi medíocre, segundo o Ideb. Os dados mostram que estamos andando de lado e que ainda não conseguimos recuperar os níveis educacionais pré-pandemia. A terceira batalha que o governo parece estar perdendo é a da velocidade das mudanças econômicas. No olhar frio da estatística, as notícias são boas: alta de 4,1% na produção industrial em junho e de 1,7% no setor de serviços. E o otimismo de que o PIB crescerá acima de 2,5% está se tornando convicção para o Ministério da Fazenda. Mas, como resumiu o número 2 do Ministério, “é bom, mas a gente queria mais”. O próprio Lula reconhece que a economia ainda não está “o paraíso do paraíso” e deixa muita claro quem é que puxa o freio de mão: a política de juros altos de Campos Neto.

 

.A tomada do BC. Não há dúvidas no governo que o crescimento econômico passa por retomar o Banco Central. A princípio, a saída de Campos Neto no fim do ano seria um alento e uma vitória. Porém, o nome mais cotado para sucedê-lo, Gabriel Galípolo, tem se mostrado entrosado até demais com o mercado e afinado com Campos Neto ao aventar uma retomada da elevação dos juros, recebendo críticas do PT e aplausos dos jornalistas. É claro que tudo isso pode ser apenas encenação para garantir uma transição tranquila na indicação de Lula e na sabatina no Senado. A possibilidade de antecipar o anúncio da escolha faria parte desta estratégia. Há que se ter cuidado, porém, que esta vara torta volte para o lugar de origem. O risco está justamente em que o legado político de Campos Neto permaneça mesmo sem o próprio. E para isso, do lado de lá, o atual presidente do BC conta não apenas com o coro afinado da mídia, mas também com a cumplicidade de setores financeiros e industriais, úteis quando é preciso criar um clima de terror que justifique os juros nas alturas. Além disso, Campos Neto trabalha para “completar” a total autonomia do BC até o fim do seu mandato. E, num cenário político onde o poder divide-se de fato entre os três poderes, o governo precisa travar esta batalha também no Congresso, pouco solidário com a meta fiscal, como se vê nos temas das dívidas dos Estados, na desoneração da folha e nas emendas.

 

.Agora é guerra. Desde que assumiu o governo, Lula herdou da era Bolsonaro não só um Campos Neto à frente do Banco Central, mas também um Arthur Lira na Câmara e um Congresso empoderado. Seguindo o jeito lulista de governar, o presidente preferiu a negociação ao embate, e a política do toma-lá-da-cá com o Congresso prosperou. Há de se convir também que a decisão do STF no final de 2022 de declarar a inconstitucionalidade do Orçamento Secreto, que centralizava o poder nas emendas do relator, teve o efeito contrário do esperado: fez as emendas passarem do atacado para o varejo, com modalidades novas como as emendas Pix. Por isso, a decisão do ministro Flávio Dino de voltar à matéria representa um ajuste de rota da própria Corte, sendo coerente com a intenção original de regrar e trazer transparência à destinação dos recursos públicos. Mas é óbvio também que o Congresso não entendeu assim o recado, especialmente Arthur Lira que pretende lutar até o fim para não entregar o poder. Afinal, o embate com o STF ocorre justamente num momento crucial da sucessão na Câmara, que até agora não encontrou uma solução de consenso como Lira gostaria, ameaçando sua tutela sobre o futuro presidente da Casa. E no meio do fogo cruzado quem vai pagar a conta é o governo com um lockout operado por Lira e Pacheco no Congresso, que mira não só os recursos destinados ao Judiciário, mas pode também atrasar a regulamentação da reforma tributária. Já que, nos bastidores, entende-se que as mãos de Dino operam os interesses do governo de se desvencilhar das chantagens do Congresso. Seja como for, o mais provável é que, depois do embate, prevaleça alguma solução negociada. 

 

.A política por outros meios. Por motivos maquiavélicos, o bolsonarismo sempre escolheu ministros do STF como seu alvo preferido. Em outros tempos já foi Marco Aurélio Mello, e há alguns anos é Alexandre de Moraes, o Xandão. A versão de que há uma ditadura do STF nunca fez sentido a não ser no universo paralelo do bolsonarismo, mas tem uma função política óbvia: ter um inimigo permanente para bater. Isso não significa que a conduta do STF seja exemplar ou que as instituições estejam funcionando muito bem, obrigado. Pelo contrário, Rafael Mafei alerta que o problema não é a conduta pessoal de Moraes, e sim a aberração institucional das altas cortes no Brasil, que permitem a concentração de poder pessoal em diferentes instituições. No entanto, a nova ofensiva articulada pela Folha, que denuncia a informalidade dos procedimentos de Alexandre de Moraes, tem caráter político, e busca alimentar a visão conspiracionista do bolsonarismo, atacando, por tabela, as instituições que resistiram ao golpe. É óbvio também que Bolsonaro vai usar isso para tentar salvar a própria pele, tentando reverter a condenação que o tornou inelegível, e plantar dúvidas sobre a legitimidade de qualquer condenação futura. Porém, a disputa é mais política do que institucional, já que o pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes não deve prosperar no Senado e Bolsonaro seguirá condenado. Seja como for, a sementinha da desconfiança foi plantada e pode ser usada como peça de propaganda eleitoral. Vale lembrar que, depois do colapso do PSDB, ainda está em curso uma reorganização do sistema partidário brasileiro e as eleições deste ano apontam para um antagonismo entre PL e PT no âmbito das capitais. Isso, e mais a tendência conservadora do eleitorado, explica porque o discurso vitimista e conspiracionista de Bolsonaro pode ser eficiente para angariar votos.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.


.Los Angeles é logo ali: saiba como o financiamento do esporte brasileiro fomenta medalhas em Olimpíadas. No Brasil de Fato, como o papel do Estado explica o desempenho dos nossos atletas olímpicos.

 

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.Delfim achou AI-5 pouco. Na contramão das homenagens, Leonardo Sakamoto lembra os legados de Delfim Netto na política e na economia.

 

.As digitais das Big Techs no genocídio em Gaza. Como Amazon, Google e Microsoft se tornaram imprescindíveis no massacre de palestinos. No Outras Palavras.


.No O Joio e o Trigo, duas reportagens essenciais sobre os agrotóxicos. Como a lei dos agrotóxicos cria um limbo para atuação do Ibama e da Anvisa, enquanto a cada quatro horas e 48 minutos um representante do setor é recebido no Executivo. 


.Como golpismo e milícias rurais se articulam com o bolsonarismo na Amazônia. Na Repórter Brasil, uma série de reportagens desvela o enclave fascista do agronegócio.
 

.Como a ideologia dos militares moldou a Amazônia de hoje. Na Sumaúma, como os militares construíram a ideologia que justifica a perseguição aos indígenas e a aliança com o garimpo.
 

.Invisibilidade feminina persiste na literatura, afirma escritora. Lella Malta, fundadora do “Escreva, Garota!” reflete sobre os desafios da literatura feminista. Na Rede Brasil Atual.

.O último pub. N’ A Terra é Redonda, uma análise do último filme de Ken Loach, um ícone do cinema de esquerda e militante.


Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nathallia Fonseca