É um espaço matriarcal, anti-racista, feminista, militante... Somos nós
Um lugar de trocas, experiências e vivências afroecológicas. Essas são algumas das características do Sítio Ágatha, localizado na Zona de Rural de Tracunhaém, a 62 km de Recife (PE). "É um espaço matriarcal, anti-racista, feminista, militante, por direitos humanos, por direitos ambientais... Somos nós", resume sua criadora, a agricultora afroecológica Luiza Cavalcante.
"Faltava algo que nos deixasse mais confortável enquanto povo preto, enquanto mulheres negras, com descendência bem nítida", diz. "Nós somos terceira, quarta, quinta e sexta geração - terceira porque minha mãe está viva. Terceira, quarta e quinta geração de mulheres do povo quimbundo vivendo aqui nessa diáspora. Então, precisava de algo que remetesse a isso, à nossa sexualidade, à nossa sociedade, às nossas culturas, ao nosso jeito de fazer, de comer, de se relacionar, de cuidar. A afroecologia nos define", detalha, sobre a identificação do espaço dentro do conceito afroecológico.
A trajetória de luta das mulheres do Sítio Ágatha começou em 1997, quando mais de 300 famílias camponesas ocuparam o Engenho do Prado, na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Do tempo das barracas de lona, não é esquecida a triste experiência de um dos despejos mais violentos da história do estado, em março de 2003.
"A gente tinha muito alimento, muita cultura, muita comunicação, muita saúde, muito bem viver, muita coletividade. E aí foi perdido, após o despejo, com todas as opressões que o sistema vem fazendo e aplicando", relembra Nzinga, filha de Luiza.
Dois anos após a violência brutal por parte da polícia e dos usineiros, a área foi declarada como improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dando início à criação dos assentamentos Nova Canaã, Ismael Felipe, e Chico Mendes I, no Complexo do Prado, onde está o Sítio Ágatha hoje.
"Aqui chove hoje. A gente desenha o sol para chamar o sol. A gente conversa com as chuvas, brinca nas chuvas, a gente sorri com toda essa vivência. Então não tem nada melhor do que a gente se sentir natureza, sabe?", narra Nzinga, sobre os frutos da conquista da terra.
Confira a reportagem em vídeo:
Força coletiva
Por meio de mutirões coletivos, mãe e filha passaram a multiplicar as culturas no chão antes devastado pela monocultura de cana-de-açúcar. O movimento contou com apoio de parceiros e da população das cidades ao redor.
Essa coletividade deu forças para o espaço se tornar uma referência na elaboração de atividades socioeducativas relacionadas à agroecologia, à comunicação e aos direitos humanos.
Assentada e comunicadora, Elionai Gerlane conta sobre os aprendizados no sítio. "Eu aprendi a fotografar, sobre plantas medicinais, fazer remédio, várias coisas boas. Se isso fosse para outras cidades, ia ficar tudo muito melhor. Ia transformar o mundo", afirma.
O Festival Rompendo Cercas, que teve sua segunda edição realizada em julho deste ano, foi uma forma de estreitar ainda mais os laços com essa rede que fortalece e aprende com a afroecologia no sítio.
A escolha do mês não foi ao acaso. O encontro é uma forma de lembrar o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho.
Professora da rede pública de Araçoiaba, Valdenice participou da oficina de plantas medicinais ministrada por Luiza, revisitando memórias da infância. "Minha mãe dava bastante chá para a gente. As ervas sempre fizeram parte da minha vida e eu acho isso muito importante porque a questão desse saber, que a natureza traz, muitas vezes é deixado de lado", afirma.
Com apresentações artísticas de nações de maracatu e folguedos populares, o festival também foi um chamado à reflexão e à organização das comunidades rurais frente aos mega empreendimentos de energia eólica. Nos últimos anos, o setor tem impactado de forma negativa os territórios, a exemplo do que acontece atualmente nos assentamentos do Complexo do Prado, onde fica o sítio.
A área foi afetada pela instalação de uma linha de transmissão, explica Luiza. "Essa linha de transmissão vem rasgando muitos territórios quilombolas, territórios indígenas, territórios da reforma agrária", conta. "É preciso dizer que é possível, sim, a gente minimizar os impactos desses megas empreendimentos, que precisamos estar juntos, e que não é só o enfrentamento. É preciso fazer também com encantamentos, fazer com alegrias".
Nzinga revela outras das motivações para a organização do festival: "o que me motiva é que a gente possa se reunir, se aquilombar, se nascer para compreender que a coletividade pode melhorar e ela deve existir para a gente poder alcançar. Afinal, toda luta tem a sua batalha, mas toda batalha tem a sua vitória", diz. "A minha maior conquista é saber que os povos podem ser livres novamente, livres da cerca da opressão, da monocultura, do agronegócio, do veneno... Acho que essa é a minha maior conquista."
Edição: Martina Medina