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Documentário revela efeitos do 'contato branco' em terra indígena com alta incidência de suicídio

'O Contato', de Vicente Ferraz e Juliana de Carvalho, se passa na região conhecida como Cabeça do Cachorro, no Amazonas

Ouça o áudio:

Filme está em cartaz em cinemas do Rio de Janeiro, Manaus, Belém, Brasília e São Paulo. - Divulgação/O Contato
É uma região onde está acontecendo um movimento muito bonito de resgate cultural e de autoestima

Circulando em diversas capitais do país, o documentário O Contato retrata a vida de comunidades indígenas da região conhecida como Cabeça do Cachorro, localizada no noroeste do Amazonas. 

São 23 etnias que habitam o espaço, em uma diversidade cultural expressa na quantidade de idiomas falados, são 18 línguas. "É uma das regiões de maior diversidade, ética, linguística e cultural do planeta", defende a produtora do filme, Juliana de Carvalho, em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (19).

O filme é uma homenagem ao indigenista Bruno Pereira, assassinado em junho de 2022, ao lado do jornalista inglês Dom Phillips, na Terra Indígena Vale do Javari, quando a dupla fazia uma expedição no território. 

"Bruno era funcionado da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], e ele trabalhava no Departamento de Isolados e Recente Contato. Foi o Bruno que nos autorizou a ir a essa comunidade. Existe uma polêmica dentro da Funai se seria saudável ou não uma equipe de filmagem ir até a comunidade. E o Bruno resolveu esse impasse, perguntando aos indígenas. Eles teriam a palavra final." 

Ao lado do diretor Vicente Ferraz, Juliana acompanhou três famílias indígenas de três etnias diferentes ao longo de semanas. O documentário conta os dilemas desses grupos, atravessados diretamente pelos efeitos da colonização iniciada com a chegada dos portugueses, em 1500, e presente até hoje por conta da extração do garimpo e da atuação de narcotraficantes. 

"Uma das histórias é de uma professora arapaso. Ela está saindo da aldeia em direção à cidade de São Gabriel [da Cachoeira], porque a filha dela tentou o suicídio", explica a produtora. 

A região é marcada por uma das mais altas taxas de suicídio no Brasil.  A região do Alto Rio Negro, onde está localizada a Cabeça do Cachorro, apresentou um índice de 55 suicídios para cada 100 mil habitantes entre 2015 e 2022, segundo dados da Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde.  

Dado acima da taxa geral de suicídios indígena, (17 a cada 100 mil habitantes) e quase oito vezes maior do que o índice geral da população brasileira, de 7,69, segundo o Atlas da Violência de 2022. 

Outra história retratada no filme é sobre um casamento entre duas etnias diferentes, os baniwa e hupta, que têm uma rivalidade. O documentário acompanha uma mãe levando seu filho para conhecer a avó, sendo que os dois não falam o mesmo idioma. 

"E a nossa terceira história é um grupo de yanomamis que leva para a aldeia uma série de fotografias e um filme sobre um funeral de um grande tuxaua [liderança indígena]. E o filho dele está na aldeia, aguardando ansiosamente a chegada desse material", explica Juliana.

O filme consegue pontuar os diversos contatos que essa população teve ao longo dos últimos 300 anos, incluindo o ciclo da borracha, no qual indígenas fora escravizados, a chegada de diversas igrejas na região, com a construção de um internato, e, finalmente, a atual relação com ONGs, o Exército e outros órgãos oficiais do país. 

"Essas populações foram culturalmente desestruturadas. Atualmente eles recebem atenção de ONGs e mesmo da própria igreja, que já reconheceu essa metodologia de conversão como uma coisa muito negativa."

Confira a entrevista na íntegra 

Por que a decisão de documentar a situação da Cabeça do Cachorro?

Essa região é de uma extrema exuberância, uma beleza incrível. É o Alto do Rio Negro, a tríplice fronteira entre Colômbia, Venezuela e Brasil. É uma região muito remota e onde vivem 23 etnias. É uma das regiões de maior diversidade, ética, linguística e cultural do planeta. 

São Gabriel da Cachoeira é o terceiro maior município do Brasil, então a gente está falando de um território de quase três vezes o tamanho de Portugal, onde vivem essas 23 etnias. 

Essa terra foi demarcada durante a Constituinte [1988]. É um território atualmente bastante protegido, porque você tem a presença de várias instituições federais, como o Exército Brasileiro, que cuida das fronteiras, a Funai, ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], além das organizações indígenas. 

Várias levas de contato aconteceram, por meio da borracha, que levou à escravidão indígena, depois os regatões, que são comerciantes, que além de escravizar os indígenas exigiam peles, aves... Tinha muito desse tipo de comércio predatório. 

Depois, o contato missionário, primeiro, os salesianos e jesuítas, que chegaram no início do século passado e criaram os internatos indígenas, lugares onde eles retiravam as crianças das comunidades, das aldeias, e levavam para esses internatos onde eles tentavam apagar toda e qualquer cultura indígena e impor a religião católica e a língua portuguesa. 

E, mais recentemente, nos anos 1940, 1950, os missionários pentecostais. 

Atualmente eles também sofrem com invasões, principalmente do narcotraficantes. A região é rica em nióbio, em ouro e pedras especiosas também. Então eles têm um histórico de 300 anos de agressões. 

Como consequência disso, é uma das regiões de maior suicídio indígena do Brasil e alcoolismo indígena. 

Porque essas populações foram culturalmente desestruturadas. Atualmente eles recebem atenção de ONGs e mesmo da própria igreja, que já reconheceu essa metodologia de conversão como uma coisa muito negativa. 

Então, está sendo vivenciando um novo momento em que essas mesmas igrejas estão sabendo respeitar esses povos e suas tradições, seus métodos de cuidado, enfim. É uma região onde está acontecendo um movimento muito bonito de resgate cultural, de autoestima, de politização indígena.  

Vocês retratam três história no filme, quais são elas? 

Nós optamos por fazer um filme falado em língua indígena. E não é um documentário clássico, com entrevistas, com informação didáticas.  É um documentário em que a gente acompanha três grupos indígenas, cada um contando a sua história pessoal, o seu drama pessoal, e fazendo travessias nessa região.  

Uma das histórias é uma professora arapaso. Ela está saindo da aldeia em direção à cidade de São Gabriel, porque a filha dela tentou o suicídio. Ela está indo buscar a cura, o remédio na cidade. E nesse caminhar dela, ela nos relembra e nos conta as memórias de ter sido estudante de um colégio interno desses colégios salesianos. 

Essa professora acaba relatando o que é uma das principais temáticas e problemáticas dessa região do Rio Negro, a depressão entre jovens. Os jovens estão se vivendo sem perspectiva, eles estão no limiar entre dois mundos e não sabem muito bem onde é o lugar deles. 

A outra história é uma família mista, onde duas etnias improváveis se casaram. O marido é baniwa e a esposa é hupda. E o encontro dessas duas etnias é um encontro tabu. Antes do contato não indígena isso não seria possível, porque os hupda são considerados inferiores.  

E eles têm um filhinho, que é um filhinho baniwa, porque a linhagem é paterna, e eles vão apresentar essa criança à bisavó dele, que é uma hupda, que mora na aldeia original, não fala português, e então ela vai conhecer um neto que não se comunica com ela, que não consegue acessar a ancestralidade hupda. 

A nossa terceira história é de um grupo de yanomamis que leva para a aldeia uma série de fotografias e um filme sobre um funeral de um grande tuxaua. E o filho dele está na aldeia, aguardando ansiosamente a chegada desse material.  

Os yanomami têm uma questão com a fotografia. Eles acham que a alma pode ser roubada. Então, eles não gostam de fotografar e nem de ver as fotos de pessoas que já morreram. 

Esse é um filme que não é feito para os indígenas. Os indígenas conhecem essa história, conhecem a história da crueldade do contato na Indígena. Esse é um filme, principalmente, para o público não indígena. 

Nós é que precisamos ter consciência da violência que foi a invasão do colonizador no Brasil, que se perpetuou também pela luta pelas terras, pela luta pelas riquezas, principalmente amazônicas. 

O filme é uma homenagem ao indigenista Bruno Pereira, assassinado em 2022. Qual é a relação dele com o documentário?

Bruno era funcionado da Funai, e ele trabalhava no Departamento de Isolados e Recente Contato. Foi o Bruno que nos autorizou a ir a essa comunidade. Existe uma polêmica dentro da Funai se seria saudável ou não uma equipe de filmagem ir até a comunidade.  

E o Bruno resolveu esse impasse, perguntando aos indígenas. Eles teriam a palavra final. E aí a aldeia toda se reuniu e concordou com a nossa presença, exigindo, naturalmente, uma contrapartida. A contrapartida foi a construção de uma escola.  

Foi muito bonito também porque a gente conseguiu construir a escola na comunidade, levando de canoa, pelos igarapés, em uma semana, 60 sacos de cimento, motosserra, gerador, telhas... 

Quando aconteceu o assassinato do Bruno a gente ficou muito chocado, muito chocado. É algo que não pode se esquecido. Então o filme é uma homenagem ao Bruno, é dedicado a ele. Principalmente para dizer isso: que é um crime que não pode ser esquecido.


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Edição: Martina Medina