Coluna

O Dia Nacional da Bicicleta e a saudade da civilidade

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O atual incentivo na Paulicéia é para o transporte por motocicletas e elas estão literalmente invadindo as ciclofaixas e ciclovias - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Enquanto as vendas de bicicletas estão minguando, as de moto estão batendo recordes

Toda efeméride carrega um quê de saudade. No Dia Nacional do Ciclista, por exemplo, eu queria voltar aos tempos da administração petista do Fernando Haddad em São Paulo (SP). Entre os anos 2013 e 2016, a cidade mais rica e mais desigual do país vivia uma lufada de civilidade no transporte, com o surgimento de um tipo de modernismo da mobilidade.

A cada dia que passava, ciclovias e ciclofaixas eram estendidas como um tapete vermelho para acolher uma demanda reprimida de pessoas que sabiam ser a bicicleta o melhor meio de transporte. Durante aqueles anos, eu sabia que minha necessidade de ciclista estava sendo atendida e não era algo egoísta, era saudável, humana e baseada em evidências e não era só para as bicicletas. 

Eu não tenho lembrança de revolução maior para o deslocamento das pessoas do que aquela gestão ter ido para as ruas e pintar quilômetros de linhas demarcatórias que permitiram os ônibus chegarem e sair nos horários, pois tiveram a preferência no trânsito sobre os veículos motorizados individuais.

E teve ainda redução de velocidades e respeito ao pedestre e pessoas com deficiência (PCDs), que passaram a ser vistos como parte do sistema de transporte, com melhoria de calçadas e de acessibilidade. Era tudo parte das ações de uma política pública voltada para o bem-estar da população e não só para uma quem usa automóvel, como sempre aconteceu.

Ao mesmo tempo, motoristas desses mesmos ônibus que transportam a massa de trabalhadores da cidade, passaram e me respeitar quando eu estava lá, pedalando na faixa deles, por não ter outro lugar. Com um programa de educação intensivo nas garagens de ônibus, gradativamente, estavam sumindo as finas, que são as ultrapassagens bem pertinho.

E vocês talvez não tenham ideia do que é isso. Já levei finas de ônibus articulados de 20 metros de cumprimento. Mesmo na velocidade máxima de 50 quilômetros por hora, ele desloca uma grande quantidade de ar, te obrigando a frear bruscamente ou a se jogar para a calçada para não ser engolido por aquela gigante centopeia sanfonada de rodas. É assustador.

Hoje, para os bicicleteiros como eu, os tempos são outros. O atual incentivo na Paulicéia é para o transporte por motocicletas e elas estão literalmente invadindo as ciclofaixas e ciclovias. Nosso colega de Massa Crítica, o Edson Barros, viveu isso na carne.

Semana passada, um motoqueiro invadiu a ciclofaixa na avenida Liberdade onde ele estava pedalando e o jogou no chão. Socorrido para a Santa Casa, foi operado para colocar três pinos no fêmur fraturado. Ele passa bem, já está em casa, e virou mais uma vítima da violência do trânsito.

Essa situação tende a piorar. Enquanto as vendas de bicicletas estão minguando, as de moto estão batendo recordes. E os motoqueiros se portam como quem recebeu um salvo-conduto do atual prefeito Ricardo Nunes para fazerem o que quiserem.

Esses dias, um grupo de motoboys que apoia o vereador que era secretário de Mobilidade e se intitula o "pai da faixa azul", abordou o Nunes em um evento. Um deles bradou: "põe faixa azul na Rebouças, pois nem os ciclistas gostam de pedalar lá". Nunes desconversou. "Tem que ser estudado". Essa avenida tem uma ciclofaixa importante que corre o risco de sumir.

O pleito dos motoqueiros é por liberar geral no trânsito. Na linguagem popular, querem licença para "desenrolar" o serviço, e se consideram a linha de frente da logística urbana. Vendem agilidade e rapidez para levar o documento no cartório ou o lanche para o patrão.

As motos são baratas de comprar e de manter e são a primeira opção de emprego para jovens de camadas baixas. O problema é que elas alcançam quase 120 quilômetros por hora de velocidade, entram e saem facilmente das ciclofaixas e estão colocando os ciclistas em perigo. Que saudade da civilidade. 

Em tempo. Para saber mais sobre como surgiu o Dia Nacional do Ciclista, leia esses dois posts no Jornal Bicicleta

Edição: Martina Medina