Margaridas

Quem são as mulheres que pesquisam e constroem a agroecologia no Brasil

Sob o lema 'Sem feminismo não há agroecologia', elas abrem o terreno para o movimento agroecológico brasileiro

São Paulo (SP) |
3ª Mostra da Produção das Margaridas tem como objetivo destacar o trabalho, a luta e a trajetória das mulheres do campo, da floresta e das águas - Natália Blanco

Entre os dias 16 e 18 de agosto, Brasília (DF) foi palco da 3ª Mostra da Produção das Margaridas, que ocorreu no Eixo Cultural Ibero-Americano, com entrada gratuita. O evento tem como objetivo destacar o trabalho, a luta e a trajetória das Margaridas - mulheres do campo, da floresta e das águas. Sob o lema "Da natureza à mesa", a mostra reafirma a importância da luta das mulheres na construção do movimento agroecológico brasileiro.

No campo ou na academia, elas levantam a bandeira de que "Sem Feminismo, Não Há Agroecologia", uma perspectiva que enxerga a centralidade da atuação feminina à frente da transição agroecológica e do crescente movimento de valorização de sistemas agrícolas tradicionais sustentáveis. 

Para tratar deste assunto, conversamos com Marina Rago, integrante do grupo de pesquisa eco.t - Ecologia Política, Planejamento e Território e participante dos movimentos agroecológicos em São Paulo desde 2017. Marina destaca que as mulheres, com suas diversas trajetórias, são fundamentais na base da prática agroecológica. 

"São mulheres que estão desde os coletivos, nos territórios até, por exemplo, agora, no governo. Elas têm trajetórias acadêmicas ou vêm do movimento popular", ressalta a pesquisadora, reforçando a atuação das mulheres em todas as esferas do movimento agroecológico.

A prática agroecológica está fundamentalmente ligada a saberes populares que estão sendo mapeados e organizados na academia por cientistas que, além de estarem presentes nas instituições de ensino e pesquisa, seguem dialogando com as mulheres no campo e aprendendo com elas. 

Ainda que a agroecologia seja entendida também como um campo das ciências agrárias, ela vai muito além de um modo de produção e de um conjunto de técnicas de manejo, se constituindo também como um movimento social que resgata os conhecimentos ancestrais de povos tradicionais e seus modos de vida, ligando a teoria, o movimento à prática. 

Segundo Maíra Silva, especialista em Agroecologia e Educação no Campo e quilombola da comunidade Ivaporunduva, no Vale do Ribeira (SP), é importante falar de feminismos que reconheçam e valorizem as experiências de mulheres indígenas, negras e de comunidades tradicionais: 

"Todos esses povos ajudaram na manutenção da biodiversidade, produzindo junto com a floresta. Muitas das técnicas que a gente tem de produção são provenientes dos povos da floresta", afirma Maíra. Ela enfatiza como os saberes desses povos possuem uma dimensão científica e tecnológica e que é fundamental reconceituar a tecnologia e compreendê-la como uma construção, uma concepção e uma execução do fazer.

Mulheres na ciência agroecológica: um panorama do Brasil 

A importância de destacar a participação ativa das mulheres na transição agroecológica, não apenas na base produtiva, mas também na pesquisa acadêmica, na assistência técnica e na formulação e execução de políticas públicas, desafia a invisibilidade historicamente imposta a elas. 

Marina também destaca que, mesmo sendo fundamentais para o desenvolvimento da agroecologia, as mulheres frequentemente têm suas contribuições ignoradas ou subvalorizadas na construção científica. "Os homens são mais citados e se citam mais como cânones da ciência agroecológica. Isso acontece por causa das relações de poder na produção da ciência", afirma.

As pesquisadoras do campo da agroecologia buscam dar visibilidade aos conhecimentos e técnicas milenares das milhões de mulheres agricultoras, geralmente responsáveis por iniciar e divulgar experiências agroecológicas e de segurança alimentar. Elas estão nos territórios, nas universidades e institutos de pesquisa, formulando políticas públicas e projetos de extensão, em diálogo com organizações locais e com associações e articulações de agroecologia. 

Conheça a seguir algumas dessas cientistas atuantes no Brasil e suas contribuições: 

Ana Maria Primavesi: Engenheira agrônoma formada na Áustria e considerada por muitos como uma pioneira no estudo da agroecologia no Brasil, Primavesi foi professora na Universidade Federal de Santa Maria, onde contribuiu para a organização do primeiro programa de pós-graduação em agricultura orgânica. Seus estudos sobre o manejo ecológico de solos tropicais deram embasamento técnico e científico ao movimento agroecológico, abordados em seu livro de maior influência, "Manejo ecológico do solo: a agricultura em regiões tropicais", de 1979. Deixou uma extensa produção acadêmica - a maior parte dela disponível gratuitamente em seu acervo online - sobre técnicas de preservação do solo e recuperação de áreas degradadas no país, na contramão do avanço do pacote tecnológico da Revolução Verde no Brasil a partir da década de 60. Também participou ativamente da criação de entidades representativas, fundou a Associação da Agricultura Orgânica (AOO) e recebeu uma série de prêmios, como o One World Award, da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM). 

Elisabeth Cardoso: Agrônoma pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), mestre em agroecologia na Universidad Internacional de Andalucía e doutoranda em Recursos Naturais e Gestão Sustentável na Universidad de Córdoba. Atua no Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM), coordena o Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e participa na Marcha Mundial de Mulheres.
Em 2021, Elisabeth foi indicada pela Revista Forbes como uma das 100 mulheres brasileiras mais influentes na agricultura e em 2022, foi nomeada para Ashoka, organização internacional que promove o empreendedorismo social ao redor do mundo.
Coordenou a criação coletiva do projeto Cadernetas Agroecológicas, desenvolvido pelo CTA, em colaboração com as agricultoras da região da Zona da Mata. Atualmente presente em todas as regiões do Brasil, as cadernetas são um importante instrumento de sistematização e monitoramento da produção das mulheres rurais, onde elas registram e mensuram o resultado de seu trabalho em seus quintais. Além de dar visibilidade ao trabalho desenvolvido por essas agricultoras, o projeto abriu as portas para novas políticas públicas de incentivo à produção das mulheres na agricultura familiar,  como a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural e as chamadas da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER Agroecologia).
Por meio do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, Elisabeth disseminou a metodologia das Cadernetas Agroecológicas em seis projetos, envolvendo 909 agricultoras familiares de mais de 100 municípios, que contabilizaram um valor econômico de mais de R$ 3 milhões ao longo de 13 meses, provenientes dos quintais das mulheres - produção essa que não seria contabilizada em nenhum censo agropecuário.
Elisabeth contribui para a discussão do desenvolvimento agrário sustentável em diversos Grupos de Trabalho e atua pela inclusão da metodologia em políticas municipais e estaduais e em ações de pesquisa e extensão de universidades e instituições.
Sua atuação é um caso exemplar de como a aplicação da metodologia científica e a colaboração entre a sociedade civil e as instituições de pesquisa podem exercer influência concreta sobre a formulação de políticas públicas. 

Emma Siliprandi: Engenheira agrônoma pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em sociologia rural pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutora em desenvolvimento rural pela Universidade de Brasília (UnB) e Universidad de Valladolid, na Espanha. Foi pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fez parte de equipes de governos - atuando no projeto de cooperação técnica entre a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário entre 2004 e 2008. Além disso, também integrou em 2012 o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Desde 2013, está vinculada à FAO como consultora em projetos de segurança alimentar, apoio à agricultura familiar e agroecologia e também ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - ambos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Suas pesquisas são engajadas com o debate da soberania alimentar e segurança alimentar e nutricional e têm importante contribuição para o campo do ecofeminismo no Brasil. Atualmente, Emma também é professora e pesquisadora em cursos de agroecologia no Brasil e no exterior, assessora ONGs e movimentos de mulheres e participa de redes internacionais de pesquisa, como a Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecologia (SOCLA) e a Red Latinoamericana Mujeres Transformando la Economia (REMTE).

Maria Emília Pacheco: Formada em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social de Juiz de Fora e mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é uma das fundadoras da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e integrante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN). Foi a primeira mulher a presidir o Consea, entre os anos de 2012 e 2016, e atualmente é assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE). Sua atuação e sua produção acadêmica estão centradas em projetos agroecológicos com enfoque de gênero e no combate à insegurança alimentar e nutricional através da transformação dos sistemas agroalimentares.

Miriam Nobre: Coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Rede Economia e Feminismo (REF), Miriam é engenheira agrônoma e mestre pela Universidade de São Paulo (USP). Sua pesquisa está centrada em temas relacionados à economia feminista, agroecologia e economia solidária.
Desde 2015, desenvolve junto à SOF um trabalho de promoção da agroecologia com agricultoras familiares e quilombolas em Barra do Turvo, no Vale do Ribeira. Além de apoiar no processo de ressignificação de sua produção agrícola, este trabalho, que Miriam intitula de "pesquisa-ação", também busca a promoção dos direitos das mulheres no campo e a construção de redes de solidariedade entre mulheres. 

Vivian Delfino Motta: Agrônoma pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e doutoranda em Ciências Sociais na Unicamp. Sua trajetória acadêmica passa pelos estudos de povos originários e de comunidades tradicionais quilombolas, da agroecologia e da sustentabilidade. 
Atualmente, coordena o Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Agroecologias (Negras) do IFSP, instituição onde é docente. 
Coordenou o projeto de extensão "Agroecologia e Feminismos: empoderamento das mulheres camponesas da Mata Sul Pernambucana", certificado pelo Prêmio Juliana Santilli - Instituto Socioambiental (ISA), onde Vivian trabalhou junto com as agricultoras do assentamento Ximenes, em Barreiros, Pernambuco. A extensão promoveu atividades sobre a produção agroecológica com o objetivo de gerar renda e incentivar as mulheres a integrar espaços de comercialização - resultando na formação de nove sistemas agroflorestais nos lotes das agricultoras e em uma formação política que capacitou as camponesas a participarem mais ativamente do espaço público e das tomadas de decisão coletivas na região. 

Liliam Telles: Engenheira florestal pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) e mestre em extensão rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Liliam desenvolve estudos sobre gênero e economia feminista e tem experiência em agroecologia e análises de políticas públicas rurais. Em sua pesquisa de mestrado, adentrou na realidade da economia das mulheres agricultoras agroecológicas de Barra do Turvo, no Vale do Ribeira, percebendo a agroecologia como uma forma de valorizar suas práticas econômicas e de dar visibilidade ao protagonismo das mulheres na economia familiar e comunitária da região. 
Também é militante da Marcha Mundial das Mulheres, integra a coordenação do Grupo de Trabalho de Mulheres (GT Mulheres) da ANA e é técnica do CTA.
Desde 2013, em parceria com o CTA e a ANA, se dedica à condução e à elaboração de estudos em diversas regiões do Brasil, utilizando o método das Cadernetas Agroecológicas. Atualmente, Liliam coordena a equipe responsável pela organização e análise dos dados das Cadernetas.
Junto ao Departamento de Economia Rural da UFV e com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), conduziu um projeto de documentário sobre os impactos das Cadernetas Agroecológicas na vida das agricultoras de Viçosa.

 Texto cedido ao Brasil de Fato pelas autoras Larah Camargo e Lidia Torres*

* Larah Camargo é midiáloga e pós-graduanda em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp.

* Lidia Torres é doutoranda em ciências sociais e pós-graduanda em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), ambos pela Unicamp

Edição: Martina Medina