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'É importante ter mulheres negras como referência', diz Jeferson Tenório sobre Rebeca Andrade

Escritor estará na Flip deste ano para apresentar seu novo livro 'De Onde Eles Vêm', previsto para novembro

Ouça o áudio:

Ao ganhar medalha gaúcha, o autor de 'O Avesso da Pele' comentou estar se sentindo a "Rebeca Andrade da literatura" - Carlos Macedo
A gente tem que deixar de ser o primeiro negro, a gente tem que ir ocupando esses espaços

O escritor Jeferson Tenório recebeu a Medalha do Mérito Farroupilha, a mais alta honraria do Parlamento gaúcho, no início deste mês. Na oportunidade, o autor de O Avesso da Pele comentou estar se sentindo a "Rebeca Andrade da literatura".

"Olhar para o êxito da Rebeca e das outras também atletas negras que trouxeram medalhas para o Brasil, eu acho que muda a perspectiva e que é muito importante porque a gente sabe que a maioria da população no Brasil não é branca", disse, em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (21), 

“É bastante importante para mim também poder ver e poder citar mulheres negras como referência", afirmou. 

A homenagem foi proposta pela deputada estadual Luciana Genro (Psol-RS) e aprovada por unanimidade pela mesa diretora da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Carioca radicado em Porto Alegre (RS), Tenório atualmente vive em São Paulo (SP).

A representativade também é vista como uma prioridade para o autor em sua participação na Feira Literária Internacional de Parati (Flip), que acontece em novembro deste ano.

Não são os convidados internacionais, como a italiana Ilaria Gaspari, que mais o empolgam. Tenório comentou que está focado em debater com autores e autoras também negros e brasileiros, como é o caso de Eliane Alves Cruz e José Falero. 

"Eu acho que a Flip e, de modo geral, as feiras literárias têm prestado mais atenção na questão da representatividade. E não só a representatividade de modo superficial, mas trazendo autores que têm o que dizer, que oferecem uma boa literatura." 

Esta será a sua segunda participação no evento, mas a primeira presencial. Na oportunidade anterior, por conta da pandemia de covid-19, o escritor participou de casa. 

Além de integrar as mesas de debates, Tenório também apresentará seu novo livro para o público. De Onde Eles Vêm está previsto para ser lançado em novembro. A obra se passa em um ambiente universitário, com um protagonista professor e discute a política de cotas no país

Tenório lançou O Avesso da Pele em 2020 e, no ano seguinte, ganhou o Prêmio Jabuti. Depois disso, a obra foi incluída pelo Ministério da Educação (MEC) para leitura nas escolas públicas, após aprovação nos critérios do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).   

No entanto, foi em março deste ano que a obra alcançou o maior número de vendas, uma resposta às tentativas de censura que o livro sofreu em alguns estados do país que resolveram retirá-lo das escolas. Foi o caso de Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás. Os dois últimos voltaram atrás da medida após a repercussão negativa.   

Confira a entrevista na íntegra 

Como você recebeu esse convite para participar da Flip?

A primeira vez que eu estive na Flip foi online, em 2020, no meio da pandemia, quando houve uma edição diferente, em função do tudo que estava acontecendo. Depois, eu voltei para a Flip, não como convidado da programação principal, mas por outras casas editoriais. 

Esse ano, volto pela segunda vez pela programação da Flip, agora, presencialmente, então vai ser a primeira vez que eu vou participar nesse formato. 

É uma feira muito importante, que mexe com o mercado editorial e aproxima também os leitores dos autores, então, acho que é um momento de celebração 

E dentre esses nomes que estão confirmados tem algum novo nome que você está louco para trocar algumas figurinhas?

A Flip nos últimos anos tem feito esse papel de trazer nomes novos, que a gente, às vezes, não conhece muito aqui no Brasil. 

Esse diálogo com a geração que está chegando, sem esquecer também daqueles que vieram antes. Eu conheço pouco esses autores que estão vindo de fora, mas fico muito grato, muito feliz, de ver a Eliana Alves Cruz na programação, o próprio [José] Falero também na programação principal. 

A presença de escritores negros e negras na Flip não é exatamente uma novidade, mas é um movimento recente, certo?

Eu acho que a Flip e, de modo geral, as feiras literárias, têm prestado mais atenção na questão da representatividade. E não só a representatividade de modo superficial, mas trazendo autores que têm o que dizer, que oferecem uma boa literatura. 

E a Flip, nos últimos anos, tem demonstrado esse interesse, essa mudança, que começa ali, talvez pelos anos 2018, 2019... Quando você começa a ter uma mudança no perfil de autores, no que se entende também [em uma mudançca de perfil] de literatura.  

Acho que é positivo, a gente tem que celebrar, mas sempre lembrando que ainda é pouco. A gente precisa avançar mais e trazer mais vozes, porque a gente sabe que tem muita gente boa escrevendo.  

Esse ano a Flip homenageia João do Rio, como você avalia essa decisão?

Eu tive pouco contato com o João do Rio, com a literatura do João do Rio. Ele pertence, na verdade, a uma tradição de cronistas como o Antônio Maria, por exemplo, que é com quem eu me vinculo mais... Rubens Braga, que é um grande cronista, também dessa mesma época. 

Acho que a Flip acerta, porque traz um homem negro que, por muito tempo, foi visto como uma pessoa branca. 

Sobre o embranquecimento de autores, temos o caso mais famoso que foi Machado de Assis. Nas suas pesquisas, o senhor encontrou outras situações semelhantes?

Eu acho que sim, a gente está fazendo uma... Talvez não seja uma revisão, mas olhando com mais atenção quem são esses autores. 

O poeta Oswaldo de Camargo costuma dizer que o sucesso embranquece e foi o que aconteceu com o Machado de Assis. Ele foi embranquecido em função do sucesso. O próprio Mário de Andrade...

A gente tem aí figuras que por terem alcançado um público muito grande, reconhecimento e tal, o embranquecimento acaba servindo justamente como um apagamento dentro nossas próprias raízes. 

É um caminho sem volta. Acho que a gente vai ter ainda muito mais revelações de autores que foram embranquecidos, o que só mostra o quanto a gente ainda tem uma sociedade bastante racista, preconceituosa. 

Mas o que, por outro lado, também reforça da onde vem a nossa literatura. Quais são os pilares da nossa literatura, quando a gente começa a trazer essas figuras e mostrando de onde elas vieram. 

Recentemente você recebeu a Medalha de Mérito Farroupilha e disse estar se sentindo "A Rebeca Andrade da Literatura". Comenta um pouco como o esporte influência no seu trabalho?

A gente vive um momento de mudanças, em que as nossas referências também são outras. E até pouco tempo atrás, a gente não tinha essas referências de mulheres negras com sucesso, com reconhecimento, tidas com heroínas, que é o que o esporte acaba trazendo também. 

Olhar para o êxito da Rebeca e das outras atletas negras que trouxeram medalhas para o Brasil, eu acho que muda a perspectiva, o que é muito importante porque a gente sabe que a maioria da população no Brasil não é branca.  

É bastante importante para mim também poder ver e poder citar mulheres negras como referência. 

Faz menos de 20 anos a gente tinha outra estrela na ginástica, a Daiane dos Santos. Você vê já uma diferença no respeito da população comparando o tratamento que Rebeca Andrade recebe?

Eu acho que há uma diferença, certamente. Para a gente ter mais sucesso, a gente tem que deixar de ser raro, eu digo raro nessas posições, a gente tem que deixar de ser o primeiro negro, a primeira negra, a gente tem que ir ocupando esses espaços. 

Quanto mais espaços ocupados, isso vai se naturalizando e aí a gente começa a perceber que essas referências se tornam normais, como deveria ser.  

Para encerrar, queria te ouvir sobre como você está vendo Porto Alegre nesse momento, após três meses da pior fase da enchente

Eu cheguei tem mais ou menos um mês. Cheguei pelo aeroporto de Canoas e vim de ônibus vendo o bairro de Canoas ainda com muito lixo, o aeroporto também estava fechado com tapumes. 

Depois fui à rodoviária, que tem marca da água nas paredes. Ainda havia um cheiro do esgoto, que demora muito tempo para poder limpar. 

E, aquilo que eu tinha escrito numa coluna, que o Rio Grande do Sul, como a gente conhecia, não ia voltar mais, de fato, está acontecendo. 

Ou seja, a geografia do Rio Grande do Sul mudou. Quando você tem mais de 400 cidades afetadas, direta ou indiretamente, isso acaba afetando a paisagem e também o próprio fluxo das pessoas na cidade e como as pessoas veem a cidade.  

O centro de Porto Alegre, por exemplo, diminuiu drasticamente o número de pessoas. Claro que isso também tem a ver com a falta do Trensurb [empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre] que ainda não está funcionando totalmente, mas a gente vê ali uma diferença no fluxo das pessoas.  

Eu vejo que Porto Alegre já vinha já numa crescente de uma cidade muito malcuidada, e eu acho que, com a enchente, acabou piorando. Eu vejo uma cidade praticamente destruída e uma cidade, por vezes, fantasma, porque as pessoas abandonaram muitos lugares também.  

Então, eu vejo com muita preocupação para qual rumo Porto Alegre está caminhando.


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Edição: Martina Medina