ELEIÇÕES EM SP

'Boulos tem presença, enquanto lideranças conservadoras não têm história', avalia Genoino sobre a corrida eleitoral paulistana

Candidato progressista segue dentre os mais fortes no pleito enquanto direita dissipa seus votos, avalia o comentarista

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Boulos e Marta realizam campanha em diversos pontos da cidade de São Paulo - DIVULGAÇÃO
São Paulo é o único estado que nunca teve rotatividade no poder desde o fim da ditadura

“A eleição em São Paulo é polarizada pela natureza da cidade dos mil povos”, ilustra José Genoino, ex-presidente do PT, ao descrever o cenário político paulista na disputa eleitoral para os cargos de prefeito, principalmente considerando a base de apoio dos principais candidatos à liderança da quinta maior metrópole do mundo.

Tendo em vista a campanha de Guilherme Boulos (Psol), e a forma como o candidato progressista aparece nas pesquisas de intenção de voto, Genoino elucida sobre o histórico de governantes conservadores na capital visto que é o “único estado que nunca teve rotatividade no poder desde o fim da ditadura”. Para ele, uma eventual vitória do candidato representaria um passo importante no enfrentamento a esta “nova direita representada por Bolsonaro, e que não tem história”.

Nesta edição do Podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, e apresentado pelos jornalistas Igor Carvalho e Nara Lacerda, José Genoino integrou a bancada junto à convidada Vera Chaia, cientista política e professora da PUC-SP, para debater sobre a corrida eleitoral na capital paulistana.

Tradicionalmente marcada por disputas intensas, a corrida eleitoral em São Paulo enfrenta agora um novo desafio: a “polarização sem substância”, se destacando pela falta de aprofundamento nos debates e pela superficialidade das propostas apresentadas pelos candidatos, opina.

 

De acordo com Vera, as distintas figuras que compõem o páreo eleitoral, em sua maioria representando interesses conservadores, utilizam todas as suas forças para “espetacularizar” os debates, dada a escassez de propostas ou falta de conhecimento político. "O que vemos é um grande jogo de ataques mútuos, sem a apresentação de planos concretos que façam sentido para os problemas reais de São Paulo", afirma.

Genoino complementa, apontando sobre os perfis dos candidatos, e também a forma como os votos conservadores estão se dispersando em meio aos postulantes de direita.

“Essa divisão é importante para o Boulos, pois as eleições que chegam ao segundo turno, você ganha no primeiro. Na medida em que você faz um debate qualificado, você afirma seu perfil e afirma seu protagonismo. Boulos é um candidato que tem presença, por bem ou por mal, ao contrário de Nunes, que é preciso explicar quem é. Este é o problema, ele é um apagado”.

Perfis de cidade em disputa

Além de Boulos, as eleições paulistas também contam com a concorrência de Tabata Amaral (PSB), tentando sustentar a imagem da “famosa terceira via”; José Luiz Datena (PSDB), conhecido pela sua carreira televisiva e que aposta num discurso voltado à segurança pública e ao combate à corrupção, mesmo que “pareça um peixe fora do aquário”. Por fim o coach Pablo Marçal (PRTB) que apesar de ter ganho pontos percentuais após a primeira rodada de debates, segue “sem qualquer tipo de proposta política”, como enfatiza a cientista política, e o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), que busca reeleição, tentando se consolidar é entre setores conservadores e bolsonaristas.

Em meio ao cenário de polarização e alianças estratégicas, Vera ressalta o impacto da nacionalização da disputa municipal, com candidatos como Boulos e Nunes recebendo apoio direto de figuras como o presidente Lula e  Jair Bolsonaro, respectivamente. 

Segundo Chaia, “ele (Nunes) está se preparando para assumir que defende teses e ideias de Bolsonaro”, enquanto “Boulos é apoiado por Lula, após acordo estabelecido durante a campanha eleitoral para o governo do estado de São Paulo”, relembra a professora, a respeito da integralização e suporte dentre os mais expressivos partidos progressistas brasileiros.

Ainda sobre a composição do primeiro e segundo escalão de candidatos postulantes à prefeitura da capital, Genoino destaca que o perfil conservador está enraizado no estado, fruto deste “núcleo duro, quatrocentão, que existe em São Paulo (que) junta-se à nova extrema direita apoiada por Bolsonaro”.

Com uma gestão considerada regular ou ruim por 61% dos paulistanos, segundo Datafolha, o atual prefeito terá o desafio de se reposicionar e conquistar o eleitorado que não o conhece durante seu mandato. "Ele precisa mostrar o que fez de concreto, mas também se defender dos ataques que vêm tanto de Boulos quanto de Datena e Marçal", analisa Vera.

Apesar do apoio do ex-presidente ao candidato emedebista, parte de seu eleitorado direcionará seus votos ao candidato do PRTB, já que “o bolsonarista raiz, bruto e fundamentalista não vai fazer o raciocínio representado por essa candidatura”, salienta o ex-presidente do PT sobre a imagem de Pablo Marçal. 

Em paralelo, Tábata Amaral, candidata mais jovem ao pleito e que se apresenta como uma figura de renovação política, enfrenta o desafio de se comunicar com um eleitorado diversificado também por conta da polarização da atual disputa. Segundo a cientista política, ela “teria mais condições no futuro”, já que hoje “a polarização dificulta sua candidatura a engrenar”.

Genoino sugere que, diante de uma crise tão severa, não há espaço para soluções moderadas; é preciso propostas transformadoras “claras e contundentes”. Para ele, essa dificuldade de se posicionar entre extremos pode ser a “razão pela qual Tabata não está conseguindo atrair uma base eleitoral consistente”. 

Antiquado, retrógrado, pão e circo 

Frente à postura e comportamento de Marçal, seja durante o período de candidatura ou antes, quando estruturou e fortaleceu sua imagem junto à extrema direita brasileira, Vera reforça que “Marçal não tem nenhum programa político. É só agressão e anti-sistemas em tudo!”. Em suma, define o coach como um “estranho ao ninho”. 

Similarmente, Genoino destaca que o coach nada mais é do que um retrato da “extrema direita que não tem limite, que mata, é feminicida”, enfatizando a base bolsonarista que o postulante vem angariando.

A disputa também traz o apresentador Datena que, segundo Vera, “não sabe o que é São Paulo [...] o programa dele é só chuva”, e que, apesar de não ter histórico na política nacional, hoje aparece em quarto lugar nas pesquisas de intenção de votos, evidenciando assim a importância da presença na mídia e nos demais veículos de comunicação.

“Isso não basta para um candidato à prefeitura”, como reforça Vera, e sobre as campanhas dos pleiteantes progressistas, Genoino resume: "uma cidade como São Paulo merece mais do que esse teatro político que temos visto até agora".

"É preciso que os candidatos saiam desse jogo de ataques e comecem a falar sobre o que realmente importa para a cidade e seus habitantes. Essa é a única forma de reconquistar a confiança do eleitor paulistano".

Das redes (e de volta) às ruas

Outro ponto crucial no debate sobre as candidaturas é o papel das redes sociais e das campanhas nas ruas. Em um cenário onde o tempo de TV é escasso para muitos candidatos, as redes sociais e a internet ganham um peso ainda maior. Desde 2018, a influência digital nas eleições brasileiras tem sido significativa, como observado com a ascensão de Jair Bolsonaro, que inicialmente tinha pouco tempo de TV, mas conseguiu mobilizar um eleitorado massivo por meio das redes sociais.

"As redes sociais são importantes para a extrema direita por causa do tutu, é grana... Eles têm muita grana, monetizam audiência, têm os robôs e aqueles sites que são financiados pelos grandes capitalistas", aponta o comentarista.

Genoino argumenta que a esquerda, diferentemente da extrema direita, ainda enfrenta dificuldades para se estabelecer como uma força dominante nas redes. “Ela precisa aprender a disputar esses espaços com criatividade e recursos próprios, fortalecendo a militância digital”.

Além da presença digital, Genoino enfatiza a importância de "sair às ruas" e reforça o poder que a esquerda tem fora do ambiente online, mas também ressalta a necessidade de combinar “rua, rede social e debate.”

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

 

 

Edição: Nathallia Fonseca