Em uma audiência pública, comunidades rurais do município de Itarantim, a 634 km de Salvador, na divisa com Minas Gerais, iniciaram a construção de um projeto de lei de iniciativa popular que visa garantir a preservação das serras locais contra os projetos de mineração, soba justificativa de que são essenciais para o abastecimento de água da população rural e urbana. De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), existem 177 requerimentos de pesquisa em Itarantim atualmente.
A audiência foi construída pelo CEAS, MAM e pela Articulação Rio Pardo Vivo e Corrente no início do mês, logo após uma empresa de serviços geológicos ter sido expulsa por moradores da comunidade de Água Vermelha, no dia 7 de agosto. A empresa pesquisa nióbio em cerca de 30 áreas no município, localizadas em propriedades rurais e nas serras que margeiam a cidade.
A fase de pesquisa é a primeira etapa de um processo minerário. Após a autorização da ANM dada à pessoa física ou jurídica, iniciam-se os estudos para detectar ocorrência de minérios e presença de jazidas no subsolo da área determinada, além da viabilidade técnica para a exploração mineral.
Nesta fase, acontecem os primeiros contatos das empresas com as comunidades e com os proprietários das áreas pesquisadas. De acordo com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), as denúncias construídas por comunidades, movimentos sociais e demais organizações por todo o país apontam que esse contato inicial, normalmente, acontece de uma forma que viola o direito das comunidades à informação esclarecida sobre o projeto de mineração e, consequentemente, à tomada de decisão sobre seus territórios.
Um exemplo citado pelo MAM é o da comunidade tradicional de Taquaril dos Fialhos, no município de Licínio de Almeida (BA), onde uma autorização de pesquisa de ferro e manganês foi concedida sem consulta prévia à comunidade, que hoje trava um embate jurídico para que o processo minerário seja revogado.
Embora o procedimento da pesquisa seja considerado pela legislação como de baixo impacto, muitas comunidades denunciam que empresas comumente removem vegetação sem autorização e que o ruído de máquinas, além de mudar a vida na comunidade, impacta na produção e economia dos territórios.
Água Vermelha
Na comunidade de Água Vermelha, há ainda uma preocupação de eventual impacto da mineração sobre as águas do município. Entre 2015 e 2016, Itaratim passou por uma grave crise de abastecimento que afetou o seu cotidiano e a sua produção agropecuária.
Um dia após a ação da comunidade de barrar a empresa de mineração, foi realizada uma audiência pública no município denominada “Pesquisa e Mineração nas Serras do Entorno da Cidade de Itarantim”. Mais de 100 pessoas ocuparam a Câmara de Vereadores para debater os processos minerários que estão ocorrendo na cidade e a realização de pesquisas em propriedades rurais.
Na ocasião, os agricultores denunciaram que muitas pesquisas estavam acontecendo sem o devido consentimento e sem explicação adequada sobre os objetivos.
A audiência também debateu a falta de transparência sobre os processos minerários no município. Mais da metade do território está concedido para pesquisa mineral, incluindo as suas serras.“[Nas serras] estão localizadas as principais nascentes de nosso município, ou seja, as nossas caixas d'água, as regiões que matam a sede dos nossos animais, recarregam nossos rios e que abastecem as nossas casas na cidade”, explica o professor Joaci Cunha do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS).
Nióbio
O principal minério a ser pesquisado na região é o nióbio, utilizado na indústria aeroespacial, militar e de alta tecnologia, especialmente na produção de baterias elétricas. “O nióbio é um mineral que não é encontrado de forma livre na natureza, ele está presente em outros minerais. Para se ter uma ideia, que apenas cerca de 2,5% do que é retirado do solo e do subsolo na exploração é de fato o nióbio, o que produz grande quantidade de rejeitos”, explica Pablo Montalvão do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Além do grande impacto ambiental da exploração de nióbio, existem diversos relatos de comunidades no entorno de minas que denunciam a poluição do ar, a contaminação de corpos hídricos e o adoecimento da população. O caso em Araxá (MG), onde a exploração de nióbio ocorre há mais de 50 anos é o mais emblemático. Uma contaminação descoberta em 1982 na cidade mineira causou uma série de problemas de saúde para a população do entorno da mina. Os impactos dessa contaminação são sentidos até hoje.
Os agricultores de Itarantim temem que a instalação da mineração no município afete as águas e a sua produção agropecuária. A cidade é reconhecida na região do baixo sudoeste baiano pela produção de cachaça e laticínios. Atualmente no município existem mais de 160 mil cabeças de gado, que produzem uma média de 45 milhões de litros de leite por ano, segundo dados do IBGE (2022). Além da criação bovina, a cidade se destaca pelas quase 5 mil toneladas de cana-de-açúcar e pelas mais de 300 toneladas de mandioca produzidas ao ano.
Segundo dados do GeografAR/UFBA, mais de 50% das unidades produtivas de Itarantim pertence a pequenos e médios produtores, que se espalham no território por várias comunidades e praticam a agricultura familiar, comercializando através de cooperativas e associações produtos para as feiras da região.
Muitos desses produtores têm avançado no município com a produção agroecológica, através de sistemas agroflorestais com a cultura do cacau orgânico de alta qualidade. A prática, além de assegurar a preservação da natureza da qual a produção depende, gera renda para que a população do campo consiga permanecer em seus territórios.
A empresa de pesquisa mineral que foi expulsa de Água Vermelha, a Cacto Consultoria, compareceu à audiência e negou as acusações da realização dos procedimentos sem o consentimento dos proprietários. O Brasil de Fato Bahia entrou em contato com a empresa e com a ANM, mas até o fechamento da matéria, não obteve resposta.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Gabriela Amorim