Coluna

No fio do bigode ou da navalha?

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congresso nacional
Congressistas reunidos em maio deste ano, em análise ao veto presidencia sobre emendas parlamentares - Luis Macedo/Câmara dos Deputados
O embate entre STF e Congresso sobre as emendas parlamentares só poderia terminar num acordo

Olá!

Mais do que acordo de cavalheiros, é a força o que determina os rumos da política em Brasília.

.Cartas na mesa. Conforme apontamos no boletim da semana passada, o embate entre STF e Congresso sobre as emendas parlamentares só poderia terminar num acordo. Mas ainda será preciso esperar para saber se a negociação encerrará de fato a questão. Até agora, tudo aponta para uma solução temporária com uma medição de forças bem calculada para evitar que a corda arrebente. O STF deu as cartas ao exigir maior transparência na aplicação dos recursos e com isso se reposicionou no jogo político. Além do poder de avaliar a constitucionalidade sobre o tema, o Supremo também analisará treze denúncias de uso irregular de emendas parlamentares protocoladas pela PGR, o que contribuiu para que os deputados fossem para negociação na defensiva e temendo pedidos de prisão. A ofensiva, porém, pega um Congresso disposto a retaliar, ressuscitando emendas constitucionais que ameaçam limitar o poder da Corte e que lembram dispositivos existentes no período da ditadura militar. O que prova que o STF nada tem de todo-poderoso como prega a extrema direita. Prova disso são as pressões para que seja estabelecido um prazo de encerramento para o inquérito das fake news, que Alexandre de Moraes carrega debaixo do braço há cinco anos. De sua parte, o governo também tentou usar suas armas para tentar recuperar uma fatia dos R$53 bilhões das emendas abocanhadas pelo Congresso. No fim das contas, o resultado do duelo foi um meio termo que não agradou plenamente nenhuma das partes. O STF não conseguiu acabar com as emendas Pix, mas vai impor maior regramento. A rigor, o Congresso continua controlando a mesma fatia, mas o questionamento do STF abriu maior espaço para o governo negociar, o que também emperra as moedas de trocas negociadas na sucessão das presidências da Câmara e do Senado. Com isso, o governo conseguiu garantir que os recursos das emendas passem a ser destinados para projetos estruturais, como obras do PAC, mas o resultado gerou insatisfação em Davi Alcolumbre, senhor das emendas no Senado e provável futuro presidente da Casa, e agora o Planalto teme uma contra-ofensiva dos parlamentares. E, logo ali na frente, STF e Congresso devem se estranhar novamente no tema das fake news e redes sociais.

.Baile da Faria Lima. Desde o início do terceiro mandato de Lula, nunca houve uma semana em que a Faria Lima estivesse tão alegrinha como esta. A Bolsa de Valores bateu recordes e o dólar caiu. Entre os motivos, a sinalização de queda de juros nos Estados Unidos, o ingresso de capital estrangeiro em busca de ações baratas por aqui e “a melhora na percepção fiscal” que, trocando em miúdos, significa “sem problemas à vista com o governo” na disputa pela política econômica. Isso porque o próprio Lula parece resignado em ter perdido, por hora, esta queda de braço e porque o provável indicado para substituir Campos Neto no BC, Gabriel Galípolo, caiu nas graças do mercado com as declarações de que “a autoridade monetária manterá o rigor no combate às pressões inflacionárias”, o que significa “juros altos”. Aliás, essa é a única resposta do mercado para qualquer cenário, seja em junho, quando o BC americano sinalizou que não cortaria a taxa de juros, seja agora que sinaliza os cortes. O clima de festa, portanto, é apenas para os devotos de Campos Neto. No governo, não há muito o que comemorar nas escaramuças da luta econômica. Ainda que o Senado finalmente tenha aprovado a reoneração de setores e municípios, a proposta aprovada é ineficiente e está longe de resolver o problema. E a segunda parte da reforma tributária, justo aquela que mexe no bolso da Faria Lima, não tem previsão de ir ao Congresso. 

.O terraplanismo venceu. Quatro meses depois da catástrofe climática, Porto Alegre ainda vive sem acesso aos trens metropolitanos ou ao aeroporto, algumas escolas permaneceram fechadas até esta semana e os lixões a céu aberto dos bairros que ainda não foram limpos produzem fumaça tóxica. Outra fumaça era vista nos céus da capital gaúcha, mas vinda de muito longe, aquela produzida pelas queimadas na Amazônia e que atingiu todas as regiões do Brasil e três países vizinhos. Isso ao mesmo tempo em que, novamente, uma seca severa atinge 69% dos municípios da região amazônica. É verdade que o terceiro governo Lula interrompeu a política de “passar boiada” do governo anterior que transformou a região norte em território livre para desmatamento e garimpo. A consequência desta barreira foi simplesmente a busca do agronegócio por expandir a voracidade da pecuária e da soja em outras regiões, principalmente o Cerrado. O resultado é a perda de 90% da vegetação nativa na região e a seca que impacta também as outras regiões, antes abastecidas pelas bacias hidrográficas do bioma. A destruição da mata nativa engrossa os dados apresentados pelo MapBiomas: nos últimos 39 anos, o Brasil perdeu 110 milhões de hectares dessas áreas, o que equivale a 13% do território do país. Com menos cobertura vegetal, obviamente diminui a captura de carbono, ao mesmo tempo em que a pecuária que substituiu parte desta mata aumenta a emissão de metano. Isso é o que diz a ciência. Mas a visão científica vale pouco ou quase nada diante dos polpudos recursos públicos que alimentam a expansão do agronegócio ou de uma bancada ruralista com 300 deputados e 44 senadores a serviço do negacionismo climático, como um deputado gaúcho que propõe uma subcomissão parlamentar para denunciar “a farsa do aquecimento global”. Mas, principalmente, hábil em sequestrar o orçamento da União com emendas que reduzem a capacidade do Executivo de realizar as políticas sociais e ambientais. É por isso que o Pacto sobre a Transformação Ecológica, assinado pelos três poderes, vem em boa hora, é ousado e bem intencionado, mas tem tudo para não funcionar. 
 

.Ponto Final: nossas recomendações.

 

.A face mais carismática e implacável do capitalismo brasileiro. O obituário de Silvio Santos na Jacobina.

.Dez teses sobre a extrema-direita de um tipo especial. Na sua Carta Semanal, o coordenador do Instituto Tricontinental Vijay Prashad explica por que “fascismo” é insuficiente para descrever a extrema direita. 

.Quem é suficientemente humano para ser salvo num naufrágio no Mediterrâneo? No UOL, Jamil Chade compara o empenho italiano em salvar milionários com a política de negar socorro aos imigrantes.

.“Não é exagero falar em epidemia dos transtornos do jogo”. Em entrevista para a Gama Revista, o psiquiatra Hermano Tavares fala da epidemia de apostas e jogos que consomem a renda de jovens das classes mais baixas.

.Sociedade ainda não acordou para o fracasso na educação básica. No Poder360, os economistas Paulo Rabello e Marcelo Caparoz destrincham os dados da tragédia do ensino brasileiro.

.Adhemar: uma grande volta de medalhas, diplomas, cortinas e Cannes. A newsletter Relevo recupera a memória de Adhemar Ferreira da Silva, medalhista e recordista olímpico, adido cultural na Nigéria, escultor e ator de teatro e cinema.

.Gelo com Falero. Um encontro entre dois destaques da literatura contemporânea brasileira na estreia do programa de entrevistas de José Falero recebendo Jeferson Tenório. 
 

Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nathallia Fonseca