O Observatório do Clima (OC) apresentou nesta segunda-feira (26), uma proposta de Contribuição Nacional Determinada (NDC, por sua sigla em inglês) brasileira, com um conjunto de metas ambiciosas para o enfrentamento das mudanças climáticas. A NDC é um documento que os governos levam às negociações do acordo climático, contendo compromissos e contribuições do país em relação à redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
No documento, o observatório estabelece as prioridades que devem ser observadas para o alcance de um teto de emissões de gases até 2035, com a redução de 92% em relação a 2005, contribuindo assim com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global em 1,5 graus célsius (1,5ºC), como determina o Acordo de Paris.
A proposta de NDC traz ainda medidas de mitigação dos riscos provocados pelas mudanças no clima, como criação de sistemas de monitoramento e alerta precoce, sobretudo para áreas de risco, além da construção de infraestruturas capazes de proteger as populações vulneráveis. Segundo os pesquisadores do OC, atualmente, 35% dos municípios brasileiros se encontram em áreas de risco e possuem baixa capacidade de resiliência diante de eventos extremos.
O estudo leva em conta fatores como o aumento da produção industrial e do consumo no período estabelecido como meta, e estabelece como pilares do programa brasileiro de enfrentamento às mudanças climáticos o desmatamento “zero” e a recuperação do passivo ambiental, a transição energética, uma melhor gestão dos resíduos, além de uma mudança de padrão na produção agropecuária, direcionada a uma atividade de baixo carbono com sequestro de carbono pelo solo.
Nesse sentido, como medidas concretas, o OC propõe uma mudança no padrão de uso do solo, e uma redução nas emissões líquidas de CO2. E estabelece como metas, a recuperação de 22,5 milhões de hectares de florestas recuperadas, a criação de mais de 1 milhão de hectares de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e outros 5 milhões de hectares de florestas plantadas.
Metas
O Observatório do Clima considera como meta, a eliminação do desmatamento em todos os biomas, restringindo a área anual desmatada no país a no máximo 1 mil km² a partir de 2030. O documento também propõe o combate à degradação, “com especial atenção aos efeitos adversos dos incêndios florestais”.
A proposta de NDC do observatório estabelece a recuperação de todo o passivo ambiental do país, de 21 milhões de hectares segundo o Código Florestal, até 2035, levando ao crescimento de vegetação secundária. E defende que o Brasil se comprometa a ter pelo menos 30% de áreas protegidas em cada bioma até 2030, cumprindo a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica.
Ainda como meta, o OC defende a conclusão dos processos de demarcações de terras indígenas “e a desintrusão destas áreas, o reconhecimento e a titulação de territórios quilombolas e de comunidades tradicionais”, além de realizar a destinação de 100% das áreas públicas não destinadas. Um recente estudo do MapBiomas afirma que as Terras Indígenas (TIs) já demarcadas ocupam 13% do território brasileiro e contêm 112 milhões de hectares de vegetação nativa, sendo os territórios que concentram a menor porção de desmatamento, apenas 1%.
Já as áreas públicas não destinadas, que são florestas de domínio público ainda sem uso específico determinado, ocupam cerca de 13% da Amazônia Legal.
Agropecuária precisa mudar
Para atingir as metas, o Observatório do Clima sugere uma mudança radical no padrão da agropecuária brasileira. O estudo do MapBiomas já referido apontou que o Brasil já perdeu cerca de um terço de sua vegetação nativa, sendo a agropecuária a principal atividade responsável pelo desmatamento, ocupando hoje mais de 32% do território nacional.
Neste sentido, o OC defende a eliminação total do uso de queimadas como forma de manejo e a ampliação da utilização de bioinsumos na produção agrícola, assim como a promoção dos sistemas alimentares, priorizando a produção de alimentos, em detrimento do monocultivo próprio para exportação.
“Tudo que a gente está propondo aqui de mudança para o setor agropecuário, nada é novo. A gente não está reinventando a roda, ou propondo soluções que são super novas ou que estão além do que a gente pode fazer”, afirmou Renata Potenza, especialista em políticas climáticas do Imaflora, em coletiva de imprensa do Observatório do Clima.
Embora reconheça as dificuldades de implementação de todas as ações e metas, a pesquisadora afirma que o governo terá um papel central no fomento a práticas agrícolas de baixo carbono e na produção de alimentos.
“Isso precisa chegar no campo, então o governo precisa fomentar realmente. A gente precisa que o plano ABC mais de agropecuária de baixo carbono seja implementado, que ele seja fomentado, a gente tem trabalhado muito para que o Plano Safra -- e agora junto com essa taxonomia sustentável que o Brasil vem desenvolvendo, seja expandido -- que tudo que seja investido, que seja financiado. Que não seja só 2%, [já que] hoje é 2% o Renova Agro, que vai para essas práticas de baixo carbono. Então ele precisa ser expandido, a gente precisa ter sistemas de monitoramento mais efetivos para que essas práticas realmente sejam implementadas”, afirma.
Transição energética e indústria
Sobre a dimensão da produção industrial e da transição energética, o documento do Observatório do Clima sugere uma redução de 38% nas emissões de CO2 por consequência da queima de combustíveis para o transporte, e outros 15% pela atividade industrial propriamente dita.
Para isso, a organização propõe o aumento da eficiência energética nos novos veículos convencionais seguindo a tendência histórica, com a inclusão de 13 milhões de veículos elétricos, híbridos, à bateria e à hidrogênio no mercado entre 2025 e 2035. Também a ampliação dos BRTs, metrôs e ciclovias, priorizando assim modais sustentáveis de mobilidade.
Para o setor industrial, o documento defende o aumento do uso de eletricidade e de biomassas já empregadas e o início da utilização de biometano e hidrogênio verde. O Observatório do Clima propõe a redução do consumo de combustíveis fósseis pela atividade industrial em mais de 50% entre 2022 e 2035.
Resíduos
Para o cumprimento das metas, o OC defende a universalização da cobertura do serviço de coleta de efluentes domésticos, o encerramento de lixões até 2028, o aumento da taxa de recuperação de recicláveis, chegando a 24% até 2035, assim como o aumento na taxa de recuperação de resíduos orgânicos por meio de compostagem e digestão anaeróbia, objetivando chegar aos 18% até 2035.
A proposta de NDC do Observatório do Clima defende a ampliação do percentual de biogás aproveitado energeticamente em aterros sanitários e na digestão anaeróbia, podendo atingir os 8% até 2035.
Recursos
Para a efetiva aplicação das medidas propostas, a organização defende a “combinação de recursos financeiros, transferência de tecnologia e capacitação, bem como a criação de um ambiente nacional favorável para a implementação de uma nova agenda de desenvolvimento sustentável”.
Para isso, o Brasil deverá realizar, num prazo de 12 meses, a partir da publicação de sua NDC, um Plano Financeiro de Implementação que, segundo a proposta do OC, deveria conter um Fundo Nacional de Adaptação com captação nacional e internacional, e a destinação, por meio do Orçamento Geral da União, de recursos específicos para o desenvolvimento e implementação de soluções.
O Observatório do Clima propõe ainda a abertura de linhas de crédito e mecanismos de financiamento para as “mulheres, mulheres negras e indígenas e rurais, com articulação de redes em estratégias de comercialização, com organização da produção, mitigação de impactos na agricultura e estratégias de adaptação frente às mudanças climáticas”, além de “remodelar as linhas de crédito públicas e subsidiadas no Plano Safra da Agricultura Familiar para eliminar as travas que impedem o acesso das mulheres agricultoras familiares.
Finalmente, o documento defende ainda ações de fomento à pecuária sustentável, além de uma articulação internacional para atrair o apoio financeiro de outros países para as iniciativas propostas.
O Observatório do Clima é uma rede de entidades ambientalistas, fundada em 2002 que se reúnem para debater e propor ações de enfrentamento à emergência climática.
Edição: Nathallia Fonseca