Participação popular

Governo da Venezuela anuncia transferência de recursos para comunas em consulta e celebra: ‘democracia plena’

Comunas venezuelanas escolheram 4.500 projetos de rápida execução que vão receber 10 mil dólares

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Cerca de 1,5 milhão de venezuelanos votaram em 49 mil conselhos comunais de 4.505 comunas do país - Prensa Presidencial

O governo da Venezuela anunciou neste domingo (25) a transferência de recursos para as comunas logo depois da segunda consulta popular do ano. Segundo o ministro das Comunas, Angel Prado, o dinheiro para os 4.500 projetos escolhidos começará a ser destinado na terça (27) e na quarta-feira (28). Cada projeto vai receber 10 mil dólares.

As comunas venezuelanas votaram por projetos de rápida execução voltados para a produção ou para infraestrutura. Prado afirma que há equipes técnicas que acompanham a implementação desses programas e que o presidente Nicolás Maduro tem o objetivo de realizar uma terceira consulta até o final do ano. 

O ministro afirmou que a maioria dos 27.420 projetos votados foram destinados para melhorias imediatas de serviços públicos, além de manutenção de escolas e quadras. Ele enfatizou que a organização de uma consulta popular demonstra “a democracia que existe no país” a partir da mobilização para a resolução de demandas imediatas. Segundo ele, os projetos da primeira consulta realizada em abril já foram concluídos. 

O vice-ministro das Comunas e ex-vice-presidente do país, Jorge Arreaza, também celebrou a participação popular em torno dos projetos. Para Arreaza, a consulta mostra que “não há nenhuma democracia tão plena quanto a Venezuela na região”.

“Se nós conseguimos com que o ministro, o prefeito, o governador, que estão em níveis diferentes de representação, se conectem com o conselho comunal, com a agenda concreta de ação das comunidades, com os projetos dessa consulta e outros projetos, então estamos falando de uma verdadeira democracia participativa”, disse o vice-ministro. Ele afirmou ainda que a consulta é também uma resposta para os governos que questionam a organização popular venezuelana e chamam o governo de “ditadura”.

“No nosso país nós nos organizamos em conselhos comunais, que podem ser 80 ou 100 famílias nas zonas urbanas e 30 famílias nas zonas rurais. Aí surge a primeira institucionalidade: os comitês de moradias, de saúde, de água, de eletricidade. Tem uma unidade financeira, unidade de controladoria. É uma instituição que o próprio povo organiza em assembleias”, disse.

A consulta é organizada pelo ministério, mas recebe apoio do Conselho Nacional Eleitoral venezuelano (CNE). A votação começou às 8h e as urnas foram fechadas às 18h. A presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Carolina Arellano, fez uma declaração ao final da consulta destacando a organização e a participação de observadores internacionais. Ao menos 120 observadores da Europa, Estados Unidos, África e América Latina participaram do pleito.

“Agradecemos a todo o povo venezuelano, à mídia nacional e internacional. Conseguimos ativar 100% das mesas a nível nacional e a supervisão de observadores internacionais foi realizada com sucesso”, disse.

O Brasil de Fato acompanhou a votação no estado Falcon, no oeste do país. Para observadores que estiveram nos centros de votação, a organização foi “muito bem feita” e a expressão da participação popular é algo “surpreendente” para quem acompanha de fora. Cerca de 1,5 milhão de venezuelanos votaram em 49 mil conselhos comunais de 4.505 comunas do país. 

História

As comunas foram institucionalizadas na lei orgânica das comunas, criada em 2010 durante o governo de Hugo Chávez. Com a regulamentação, o governo formalizou um tipo de organização que não era comum no país. A ideia era descentralizar o poder Executivo para o que passou a ser chamado constitucionalmente de Poder Popular. 

A ideia era formar um Estado Comunal. Isso significa ter uma gestão do Estado por uma Federação Comunera, que seria uma estrutura que reúne as comunas do país. O objetivo é que o governo seja administrado de baixo para cima, no qual a decisão dos conselhos comunais teriam peso na decisão coletiva da Federação. 

Nos últimos 14 anos, os comuneros viram mudanças bruscas na sociedade venezuelana, desde a tentativa de golpes de Estado, até a implementação de sanções dos Estados Unidos em 2015 contra a economia venezuelana, que minou a capacidade de investimentos do Estado sobre os diferentes setores. 

Os desafios enfrentados pelo governo venezuelano a partir do bloqueio também refletiram na relação das comunas com o processo político e econômico da Venezuela. Para a pesquisadora e professora da Pluriversidade Pátria Grande, Cira Pascual, as comunas ganham força e protagonismo durante a crise de 2017 e se tornam a “reserva moral” dos ideias de Hugo Chávez.

“Em 2017 e 2018 as comunas começaram realmente a ter força. Até aquele momento, o governo não tinha muito interesse nas comunas, estava em uma condição mais de sobrevivência, inclusive de fazer concessões ao capital. Ao mesmo tempo, as comunas começam a ganhar força e se tornam a resistência moral do chavismo. Ainda que tivessem poucas, ainda que estivessem dispersas, dali em diante, as comunas se tornam os espaços em que está vivo o projeto chavista”, disse ao Brasil de Fato.

Edição: Nathallia Fonseca