Durante o Mês da Visibilidade Lésbica, apresentamos o especial "Mulheres lésbicas da cultura de Porto Alegre que você precisa conhecer". Nossa terceira entrevista é com Mariam Pessah, artivista feminista, escritora, poeta e tradutora. Ela é autora de Meu último poema (2023), Em breve tudo se desacomodará (2022), entre outros.
Também é organizadora do Sarau das minas de Porto Alegre desde 2017, e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminista. Atualmente tem uma coluna no Youtube, a Conversa invers(A).
Confira a entrevista:
Brasil de Fato RS: Como e por que você escolheu a literatura?
Mariam Pessah: Não sei se eu a escolhi ou ela a mim.
Eu venho da fotografia e acho que chegou um ponto no qual eu queria mostrar e dizer outras coisas que só a imagem não me alcançava. Eu precisava de palavras.
Há muito tempo, como parte do meu ativismo, eu era próxima do MST e estive uns cinco anos fotografando o movimento, sobretudo, as companheiras. Teve uma ocasião que fiquei dois, três, quatro dias participando de atividades e, ao voltar a minha casa, senti uma dor no corpo, algo indefinido. Essa dor só saiu do meu corpo quando eu sentei para escrever uma crônica do vivido. Sem ainda conhecer a teoria da Conceição Evaristo, da escrevivência, eu já a estava pondo em prática.
Como é ser uma lésbica na cena literária porto-alegrense?
Difícil. Me sinto muito sozinha. Mas nem por isso deixarei de ser eu.
Tem alguma história curiosa, emocionante ou marcante nesses anos de carreira para dividir conosco?
Como eu falei, eu sou/fui fotógrafa, mas também fui ativista lésbica feminista por mais de 20 anos, até que, em 2012, me afastei (me afastei?) do movimento para me dedicar à literatura.
Em 2004, eu passei uns 40 dias no México, organizando o ELFLAC (Encontro Lésbico Feminista Latino-Americano e Caribenho). Essa foi uma viagem em todas as dimensões possíveis. Ao voltar, eu não me encontrava. Caiu nas minhas mãos um concurso de um romance lésbico cujo prêmio era muita grana para mim. Aí, eu pensei, eu nunca escrevi, mas... E, acrescento hoje, como eu não sabia que não se podia escrever um romance em dois meses, eu o escrevi.
Dediquei cada um desses sessenta dias à escrita. No fim, claro que eu não ganhei esse dinheiro, mas um ofício. Depois, trabalhei esse texto já escrito com amigas escritoras e acabou saindo "Malena y el mar", meu primeiro livro e romance.
Para mim, a escrita faz parte dos sonhos e das utopias
Qual a importância da visibilidade lésbica dentro do espaço de cultura no qual você atua?
Eu atuo em vários espaços. Sempre sou visível. Às vezes a gente cansa, mas eu não volto mais ao armário.
Eu organizo o Sarau das minas há 7 anos. Pessoas que nunca vieram acham que é um espaço bem sapatão. E não. Eu gostaria que fosse bem mais. Cada vez que faço o Sarau das minas edição lésbica ou, Visibilidade Lésbica, as mulheres hétero quase nem aparecem.
Se às vezes ouço perguntas do tipo se tal coisa é também para as heterossexuais. Eu me pergunto: será que fariam a mesma pergunta para uma mulher afro, se também é para as brancas?
Como eu não acredito em causas únicas, nem fechadas, continuo e tento aprender das minhas queridas Madres de La Plaza de Mayo [associação argentina Mães da Praça de Maio], quando dizem que a única causa que se perde é aquela que se abandona.
Sonho com o dia em que não precisemos mais sair dos armários, pois os teremos queimados a todos. Esse dia não haverá diferenças entre as sexualidades, nem classes sociais, nem pessoas racializadas, nem fronteiras.
Para mim, a escrita faz parte dos sonhos e das utopias.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira